FONTE: http://www.ondajovem.com.br/noticias.asp?idnoticia=3396
Estudo mostra como o discurso jornalístico diferencia a juventude
07/04/2008
Pesquisa aponta que a mídia diferencia adolescentes de espaços populares e de classe média pela utilização de nomenclaturas. Jovens moradores de comunidades falam sobre a postura da imprensa Os jornais denominam de maneira diferente adolescentes infratores de acordo com a territorialidade e a condição social. Essa é uma das conclusões da pesquisa feita pela professora de Análise do Discurso da Universidade Federal Fluminense Maria Claudia Maia. Durante cinco meses, a professora selecionou reportagens dos jornais O Globo e Jornal do Brasil. A pesquisa resultou no artigo A produção do discurso jornalístico sobre o adolescente em conflito com a lei: jovem ou menor? O artigo foi publicado no volume 28 do periódico Cadernos de Letras da UFF. “Fui verificando como o jornal trabalhava diferente a nomeação do adolescente da zona sul da cidade e dos outros adolescentes, quase sempre moradores das favelas ou da zona norte”. Maria Claudia dá alguns exemplos de títulos das reportagens. “De um lado, as nomenclaturas – jovens de classe média, pitboys, jovens do Leblon, de outro, em todas as reportagens, os adolescentes foram chamados de menor, simplesmente, ou, menor infrator”. Violência naturalizada A pesquisa feita por Maria Claudia denuncia ainda outros aspectos. As reportagens de O Globo sobre os adolescentes da zona sul quase sempre vêm acompanhadas da referência de território dos garotos, ou seja, no próprio título são utilizados os termos da classe média, do Leblon, ou de Cobacabana, por exemplo. Os jovens de classe média ou algum membro da família geralmente são ouvidos nas reportagens, o que não se verifica com relação aos jovens de espaços populares. Além disso, há no fim de alguns dos textos sobre os adolescentes de classe média um texto de opinião do leitor do Globo Online. Diante do fato considerado estranho pelo jornal, que é um adolescente morador de uma área nobre e com uma condição sócio-econômica favorável se tornar um infrator, é lançada uma enquete na internet para os leitores opinarem sobre o porquê desse jovem praticar um crime. Não se verifica a mesma postura com o adolescente de espaços populares. “É considerado absolutamente natural que esses meninos sejam infratores porque moram na favela, não tem a estrutura da classe média, o que é um equívoco”, comenta Maria Claudia Maia. Apesar da pesquisa ter sido realizada em 2002, a professora Maria Claudia acredita que as práticas da imprensa não mudaram. O termo menor é encontrado quase cotidianamente nos jornais para se referir ao adolescente morador de periferia que cometeu algum crime. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante que as palavras a serem utilizadas são criança, para pessoas com até doze anos incompletos, e adolescente para aquelas que possuem entre 12 e 18 anos de idade. A imprensa segue, portanto, desrespeitando o ECA quando utiliza o termo. E tão grave quanto isso, naturaliza a violência desses adolescentes, já que não a contextualiza como produto de uma ordem social e econômica e negligencia muitas outras facetas da juventude e também dos espaços populares. Há muito mais para saber das comunidades O jovem Alexandre Lourenço é morador de Nova Holanda, na Favela da Maré, zona norte da cidade. Ele é aluno da Escola Popular de Comunicação Crítica, no Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. “A sociedade é preconceituosa, mas também conservadora e a mídia sabe disso”, fala Alexandre. Ele exemplifica com um caso de violência policial contra criança. “Se o jornal utilizar a palavra criança a sociedade conservadora condena a ação policial, então, a mídia fala em menor infrator, traficante mirim. Quando você coloca esses termos é como se fosse um passaporte para a violência”, explica. Alexandre questiona a imprensa por não mostrar o cotidiano da comunidade como faz com outras localidades. “Aqui temos barzinhos de enxadristas (praticantes de xadrez), algo interessante que nunca foi noticiado. Se colocássemos esses mesmos bares no Baixo Gávea, ou então, se algum artista começasse a freqüenta-los, aí sim a imprensa mostraria”. Para ele, a mídia mostra um desconhecimento total da realidade desses locais. "Qualquer morador daqui não reconhece a comunidade quando é mostrada nos noticiários. Só o que atrai a imprensa é a notícia de crime". Luana Pinheiro também é aluna da Escola Popular de Comunicação Crítica. Moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ela se desloca até a favela da Maré diariamente para participar das aulas no Observatório de Favelas. Ela concorda com Alexandre sobre a falha da mídia em não noticiar as comunidades no cotidiano e diz verificar que também sobre a Baixada Fluminense, aparecem praticamente apenas notícias sobre violência. Luana lembra da chacina que ocorreu em março do ano passado em Nova Iguaçu e Queimados, largamente noticiada pela imprensa. “A chacina não acontece todo dia. Na baixada há, por exemplo, muitas manifestações artísticas que não são mostradas”, argumenta. A própria Luana participa de um grupo que produz um cineclube mensal na cidade – o Cineclube Buraco do Getúlio, realizado toda primeira terça-feira do mês. "Qualquer repórter que chegar aqui vai encontrar um monte de surdo e mudo", enfatiza Alexandre. Ele se refere à consciência crescente na comunidade de que a mídia só mostra a violência ou, às vezes, algum projeto cultural. O silêncio da comunidade seria, assim, uma forma de protesto por uma imprensa diferente. Mas não a única. Veículos próprios de comunicação estão sendo desenvolvidos, bem como a formação de comunicadores populares. A Escola Popular de Comunicação Crítica está prestes a formar a primeira turma e caminha nesse sentido.
Fonte: Observatório Jovem do RJ/UFF
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