Homenagem a Edson Luís (Por Maria Ribeiro do Valle)
FONTE: (CD 70 anos da UNE: o que já sabemos? O que precisamos saber, organizado por Otávio Luiz Machado)
Nesse momento, "tombou morto um jovem estudante brasileiro, nosso filho - não um porco. Edson Luís, varado pela bala assassina que o matou, não teve tempo de ter tempo. O tempo de sua vida, ao qual tinha direito e do qual foi miseravelmente roubado, ergue-se de súbito diante da Nação como uma imensa catedral sagrada, sob cujas abóbadas milhões de vozes deflagraram sua revolta. O tempo de Edson Luís, dilacerado e destruído pela bala homicida que o cortou, tornou-se de repente tempo histórico, tempo brasileiro, tempo de cólera e consciência- tempo de gritar: BASTA! Há instantes privilegiados em que um destino pessoal se dissolve no movimento da história. Nesses instantes, a formidável alquimia da história faz refulgir, com luz imperecível, o destino no qual toca. Edson Luís, assassinado pela Polícia, explodiu como um paiol de tempo histórico, cujos clarões varreram de ponta a ponta a noite reacionária que o Poder Militar fez desabar sobre o País”.[1]
Quando o caixão de Edson Luís desceu para sempre, ouviu-se um juramento: "neste luto, começa a luta".[2]
"O episódio do Calabouço(...) ficou na História como um marco.
Pode-se dizer que tudo começou ali - se é que se pode determinar o começo ou o fim de algum processo histórico. De qualquer maneira, foi o primeiro incidente que sensibilizou a opinião pública para a luta estudantil. Como cinicamente lembrava a direita, "era o cadáver que faltava”.[3]
No dia 28 de março de 68 morre Edson Luís[4] durante o choque da Polícia Militar com os estudantes do restaurante Calabouço que participam de mais uma das manifestações da FUEC - Frente Unida dos Estudantes do Calabouço - contra o aumento do preço da refeição, que consideram abusivo, e pela melhoria e conclusão das obras do restaurante.
Edson Luís assassinado pela PM: estudante secundarista, “pobre”, “trabalhador”, recém chegado ao Rio de Janeiro. Não traz, portanto, adjetivos como "líder subversivo", "comunista", "agitador", tão caros às buscas militares. Morre “indefeso” enquanto faz a sua refeição no "Calabouço" - restaurante universitário no qual auxiliava na limpeza para poder prosseguir em seus estudos. "O primeiro assassinato explícito da ditadura", como enfatizam os estudantes. A violência policial explode contra um “inocente” levando, assim, setores da população de vários Estados à indignação. A morte de Edson Luís é, assim, o primeiro incidente a sensibilizar a opinião pública para a luta estudantil.
O enterro de Edson Luís é a maior mobilização popular após o golpe de 64, pois, concentra mais de cinqüenta mil pessoas, conforme os estudantes, que a justificam não apenas pela revolta contra o primeiro assassinato explícito da ditadura:
Aquele povo todo, operários, artistas, estudantes, funcionários públicos, mães, e representantes de diversas classes, estava ali motivado pelo crime da ditadura. Isso foi, possivelmente a causa condicionante. Mas, não se pode negar que todos estavam ali trazendo a sua revolta contida durante todos aqueles anos, trazendo para fora de si as contradições que apresentam com o sistema vigente, injusto.[5]
A solidariedade recebida pelo ME tem como forte componente a indignação frente ao assassinato de um secundarista. A violência que mata um estudante - não sendo nem ao menos uma liderança subversiva que possa estar comprometendo a "tranquilidade nacional"-, transforma-se em um forte motivo para a adesão inclusive de setores das classes dominantes - “que podem ter seus filhos mortos” - ao repúdio à ação da PM. A violência policial é a grande responsável por desencadear tamanho comparecimento da população ao enterro de Edson Luís.
O movimento estudantil, ao apontar para a morte de Edson Luís como sendo o "primeiro crime explícito da ditadura" ressalta, também, a violência policial. O “revide” à invasão da PM ao restaurante Calabouço pelos “combativos” integrantes da FUEC não é apenas uma reação mecânica à intervenção policial à bala. Significa a resposta a um símbolo da manutenção de um sistema violento que encarna, naquele momento, as injustiças sociais. Portanto, para os estudantes, o extraordinário comparecimento da população no enterro de Edson Luís, além de expressar a revolta contra o seu assassinato, significa “a repulsa às contradições do sistema vigente, injusto". A inusitada adesão popular ao enterro de Edson Luís é avaliada pelo ME como a sua disposição de luta contra a ditadura.
[1] PELLEGRINO, Hélio, apud Correio da Manhã, 7 de abril de 1968, 4o caderno, p.4.
[2] O Metropolitano, órgão oficial da UME, Rio de Janeiro no7, abril de 1968, mimeo, p.6.("Enterro")
[3] VENTURA, Zuenir. 1968 - O Ano Que Não Terminou: A Aventura de uma Geração. Rio de Janeiro, Círculo do Livro, 1988,p.103.
[4] Poerner - presente no velório - faz a descrição de Edson Luís: (...) Tratava-se de um menino ainda - completara 18 anos no dia 24 de fevereiro - parecia baixinho, a pele morena e os cabelos bem pretos e lisos de caboclo nortista. Os dentes - tinha-os estragados, como a maioria dos jovens de nosso País. Órfão de pai, viera, há três meses, de Belém do Pará, para cursar o artigo 99 de 1o ciclo no Instituto Cooperativo de Ensino, anexo ao Calabouço, onde passava a maior parte do dia, inclusive auxiliando em serviços burocráticos da secretaria e de limpeza do estabelecimento, pois não conseguira emprego. As esperanças que o trouxeram ao Rio estavam ali agora, transformadas no sangue que manchava a camisa branca empunhada pelos seus colegas e o chão da Assembléia. No sangue que, nas paredes claras do saguão da casa legislativa, imprimira marcas de mãos e dizeres contra o terror policial. E, talvez, nas esperanças de todo um povo por dias melhores. POERNER, POERNER, Artur José, O Poder Jovem, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, p.364.
Ventura também traz informações sobre o estudante assassinado: Longe de ser um líder, Edson Luís era, como muitos de seus colegas, um daqueles jovens que vinham do interior tentar estudar no Rio, sobrevivendo graças à alimentação barata do Calabouço. Para estudar, Edson Luís era obrigado a recorrer a pequenos expedientes, inclusive na limpeza do restaurante. Ele não tinha nenhum dos componentes míticos para sonhar em ser o que acabou sendo: um mártir. VENTURA, op. cit., p.103.
[5] O Metropolitano, órgão oficial da UME, Rio de Janeiro no7, abril de 1968, mimeo, p.6. ("Enterro").
segunda-feira, 28 de abril de 2008
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