quarta-feira, 2 de abril de 2008

FICHA DE LEITURA DO LIVRO CULTURA BRASILEIRA E IDENTIDADE NACIONAL.

Ortiz, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1985

“Quando, nos artigos de jornais, nas discussões políticas ou acadêmicas, deparamos com conceitos como "cultura alienada", "colonialismo" ou "autenticidade cultural", agimos com uma naturalidade espantosa, esquecendo-nos de que eles foram forjados em um determinado momento histórico, e creio eu, produzido pela intelligentsia do ISEB. Penso que não seria exagero considerar o ISEB como matriz de um tipo de pensamento que baliza a discussão da questão cultural no Brasil dos anos 60 até hoje. O livro de Corbisier Formação e Problema da Cultura Brasileira é, neste sentido, paradigmático, pois desenvolve filosoficamente uma argumentação que se tornou familiar nos meios do cinema, do teatro, da literatura e da música”.


“O período Ku- ...

p. 47

bitscheck se caracteriza por uma internacionalização da economia brasileira justamente no momento em que se procura "fabricar" um ideário nacionalista para se diagnosticar e agir sobre os problemas nacionais. Por outro lado, o golpe de 64 encerrou, definitiva e autoritariamente, as atividades deste grupo de intelectuais. O que se propunha, portanto, como ideologia reformista da classe dirigente que procurava modernizar o país é estancado, e paradoxalmente no momento em que o capitalismo brasileiro irá tomar uma força até então nunca vista em nossa história. A crítica que Maria Sílvia Carvalho Franco faz a Álvaro Vieira Pinto sobre sua concepção da alienação do trabalho é correta; 4 ele certamente não percebe que, ao erigir a nação como categoria central de reflexão, encobre as diferenças de classe e elabora uma ideologia que unifica capitalista e trabalhadores. Porém, apesar da justeza da crítica, seria difícil argumentar que esta ideologia serviu de algum modo para que se desse uma hegemonia da classe dirigente no país. Para que isso pudesse ocorrer, seria necessário que os trabalhadores internalizassem a ideologia produzida; a própria história se encarregou de eliminar no entanto essa possibilidade. O golpe de 64 erradicou qualquer pretensão de
oficialidade das teorias do ISEB, entretanto, curiosamente esta ideologia encontrou um caminho de popularização que
ganhou pouco a pouco terreno junto aos setores progressistas
e de esquerda. A meu ver esta é a atualidade de um pensamento datado, produzido por um grupo de intelectuais, mas que se polarizou,isto é, tornou-se senso comum e se transformou em "religiosidade popular" nas discussões sobre cultura brasileira. Na esfera cultural a influência do ISEB foi profunda. Ao me referir a este pensamento como matriz, o que procurava descrever é que toda uma série de conceitos políticos e filosóficos que são elaborados no final dos anos 50 se difundem pela sociedade e passam a constituir categorias de apreensão e compreensão da realidade brasileira" No início dos anos 60 dois movimentos realizam, de maneira diferenciada, é claro, ...

p. 48

... os ideais políticos tratados teoricamente pelo ISEB. Refiro-me ao Movimento de Cultura Popular no Recife e ao CPC da UNE. Se tomarmos, a título de referência, dois intelectuais proeminentes desses movimentos, Paulo Freire e Carlos Estevam Martins, observamos que as relações com o ISEB são substanciais. Carlos Estevam foi assistente de Álvaro Vieira Pinto e trabalhava no ISEB no momento em que assume a direção do CPC. As filiações do pensamento de Paulo Freire com o ISEB são conhecidas, Vanilda Paiva mostra muito bem como a filosofia existencialista, o conceito de cultura e de Popular orientam diretamente seu método de alfabetização. Não resta dúvida de que existem matizes entre as duas abordagens, no entanto creio que se pode genericamente afirmar que os dois movimentos se construíram em grande parte com base no conceito de alienação cultural. A teoria isebiana, ou pelo menos parte dela, penetra tanto as forças de esquerda marxista quanto o pensamento social católico. Um instrumento teórico que era posse exclusiva de alguns intelectuais da cultura brasileira se distribui socialmente, e gradativamente é integrado nas peças teatrais (Auto dos 99%, por exemplo), na música (Trilhãozinho), e nas cartilhas escolares. Mas a influência isebiana ultrapassa o terreno da chamada cultura popular, ela se insinua em duas áreas que são palco permanente de debate sobre a cultura brasileira: o teatro e o cinema. É suficiente ler os textos de Guarnieri e de Boal sobre o teatro nacional para se perceber o quanto eles devem aos conceitos de cultura alienada, de popular e de nacional. Fala-se, assim, na necessidade de se implantar um "teatro nacional" em contraposição a um "teatro alienado", cujo modelo seria o Teatro Brasileiro de Comédia; em algumas passagens, figuras de expressão do ISEB, como Guerreiro Ramos, são explicitamente citadas nos textos. Não se deve esquecer que esses textos analíticos formaram a base de um pensamento que informa toda uma dramaturgia que se desenvolve na ...

p. 49

... época. Na área cinematográfica dois documentos situam de maneira exemplar a influência isebiana: Unia Situação Colonial, de Paulo Emílio Salles Gomes, e Uma Estética da Fome, de Glauber Rocha. O diagnóstico de Paulo Emílio sobre a alienação do cinema brasileiro marca toda uma série de análises sobre a problemática do cinema nacional. Ele surge, por exemplo, na proposta de realização de um cinema novo.”

Nenhum comentário: