MORHY, L. Memória do Movimento Estudantil no Brasil. In: MACHADO, O. L.; ZAIDAN, M. (orgs). Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior. Recife: Editora UFPE, 2007, p. 51-57.
"Do Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE, despontaram pessoas de destaque do mundo cultural brasileiro, como as que deram origem ao Cinema Novo. Ali atuaram, entre outros, Oduvaldo Viana Filho (o Vianinha), Leon Hirszman e Carlos Estevam Martins, que desenvolveram talentosas e criativas atividades culturais, com o apoio direto da própria UNE. O CPC promovia muitas atividades artísticas e sociais, inclusive em favelas e outros lugares pobres. Havia também o Teatro da UNE, que ficava no andar térreo, e que teve também papel cultural importante. A UNE-Volante percorria o Brasil conscientizando e mobilizando para a Reforma Universitária, em momentos enriquecidos por espetáculos teatrais, musicais e cinematográficos.
“A mais-valia vai acabar, seu Edgar”, de Oduvaldo Viana, peça apresentada no teatrinho da Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro, mexia com todos e revelava o talento de Carlos Lyra. Por outro lado o pessoal de São Paulo “atacava” com “Eles não usam black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, e “Revolução na América do Sul”, de Augusto Boal. Foi a UNE, com as suas atividades culturais, que conseguiu polarizar intelectuais como Ferreira Goulart (sua esposa Teresa Aragão teve papel importante nas promoções do CPC) e muitos outros. Nesse período foram lançados numerosos livros e publicações diversas, sob o “calor” da guerra fria. Os cineastas Alex Viany e Cacá Diegues praticamente nasceram nesse movimento cultural. E foi nessa época que apareceu a “Canção do Subdesenvolvimento”, a publicação “Um dia na vida do Brasilino” e a peça “Morte e Vida Severina”, de João Cabral, numa das interpretações teatrais mais expressivas, apresentada inúmeras vezes no TUCA, pelo pessoal de São Paulo, no Rio e em outros lugares por outros grupos artísticos ligados aos estudantes..
O movimento estudantil era realmente pujante e pleno de idealismos. Gerava belos sonhos, impulsionado pelo entusiasmo e pelo vigor da juventude. Compunham o movimento vários grupos político-ideológicos de todos os matizes e também os estudantes independentes. Na verdade alguns desses independentes tendiam para a esquerda, e atuavam como “linha auxiliar” de grupos político-ideológicos organizados. Estes grupos geralmente atuavam clandestinamente, pois não era possível o seu registro como partido político. Mas eram eles que fermentavam toda aquela movimentação estudantil, por meio das suas lideranças. Entre esses grupos, havia o “pecebão” ou “partidão” - Partido Comunista Brasileiro PCB); o Partido Operário ou Política Operária (POLOP) e a Ação Popular (AP). A AP surgiu da fusão de uma corrente da Juventude Universitária Católica (JUC) com outro grupo que se chamava grupão. O grupão incluía estudantes independentes, alguns dos quais tinham ligações político-partidárias. Mas a característica comum dos que o compunham, era a tendência socialista, a busca por um novo socialismo, um socialismo brasileiro. Na fusão discutiu-se e adotou-se nacionalmente o documento básico da Ação Popular. Esse documento foi sendo aprimorado: era a base teórica e filosófica da AP, que passou a orientar as suas ações. Mas pretendia-se mais: queria-se chegar a um documento maduro, em aprimoramento continuo e adequado aos sonhos dos que compunham o movimento.
A AP ganhou a juventude, cresceu e se fortaleceu no movimento estudantil e chegou ao campo, com o auxílio de membros oriundos do Movimento de Educação de Base (MEB) da Igreja Católica. Conquistou simpatizantes no mundo político-partidário, no movimento operário e até entre militares. Eu era ligado ao grupão e depois passei para a Ação Popular. Na diretoria da UNE compunha o grupo da AP, juntamente com o José Serra que era o presidente da instituição, e os diretores Duarte Brasil Lago Pacheco Pereira (da Bahia), Carlos Albano Castilho (do R.G. do Sul) e Nazaré Castro Gomes, hoje Pedrosa (do Maranhão). Os outros cinco diretores estavam ligados a outros grupos, principalmente ao “partidão”. A Diretoria da UNE alcançou um bom nível de maturidade e entendimento, de modo que, em geral, as iniciativas tomadas pela instituição tiveram boa receptividade no âmbito universitário e foram bastante exitosas. Acho que fizemos boa história. Vivemos plenamente a nossa juventude, com ideais bastante elevados. A gente sentia aquela vontade pura de ajudar o país e a humanidade, com todo vigor e entusiasmo. Pode-se dizer que havia uma certa ingenuidade no movimento estudantil, mas acho que isso fazia parte daqueles dias históricos, do nosso amadurecimento e conscientização, e, enfim, da fase pela qual passávamos".
Pouco antes do golpe de 1964 eu participei do Comício do dia 13 de março, o “sexta-feira 13”, famoso comício da Central do Brasil. Estavam lá: o Presidente João Goulart, o Arraes, o Brizola, o José Serra e diretores da UNE, além de muitas outras importantes lideranças políticas e sindicais. Via-se ali uma grande massa estimada de mais de cem mil operários e militantes de todos os partidos legalmente reconhecidos e dos que atuavam na clandestinidade. Foi aquele, de fato, um acontecimento grandioso e impressionante. Difícil era imaginar que menos de um mês depois, tudo aquilo seria derrubado pelo regime que se instalou em março de 1964".
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