quarta-feira, 2 de abril de 2008

FICHA DE LEITURA DE Universidade: a destruição de uma experiência democrática.

Pimenta, Aluísio “Universidade: a destruição de uma experiência democrática. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

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“Em 1964, finalmente, a situação universitária brasileira estava vigorosamente marcada pela presença dos movimentos estudantis que, ...

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... já bem no início da década de 60, deram impulso a um amplo movimento de debates sobre a reforma universitária. Nessa linha, foram realizados, se não me engano, pelo menos dois seminários nacionais: o primeiro em 1961, em Salvador, e o segundo em Curitiba, no ano seguinte.

A agenda desses seminários retratava a grande inquietação dos estudantes universitários com os destinos da Universidade Brasileira. Questões relacionadas com a reorganização interna da universidade e sua inserção na realidade brasileira compareciam invariavelmente nesses encontros. Mais precisamente: luta contra a vitaliciedade da cátedra, implantação de tempo integral para os professores e ampliação do sistema de bolsas para que os estudantes também pudessem participar dos benefícios do tempo integral, maior participação do corpo discente na administração das universidades ou das instituições de ensino superior, criação de departamentos em substituição às cátedras, melhor caracterização das funções da universidade em um contexto nacional marcado por injustiças e desigualdades etc., são alguns exemplos dos temas e questões que mobilizavam a mocidade brasileira.
Independentemente de discordâncias que matérias controvertidas suscitam, é de justiça elementar reconhecer a importância do papel desempenhado pela União Nacional dos Estudantes, a nossa UNE, no imenso forum de debates que se estabeleceu em todo o território nacional a propósito da educação superior. Lembro-me bem de que em 1962 a diretoria da UNE, com muita imaginação e muita “garra”, lançou a experiência da Une-Volante, uma caravana que percorreu quase todo o Brasil, com o objetivo de discutir com as bases estudantis, e não somente com a cúipula, o temário fixado e desenvolvido nos seminários nacionais. Recordo-me de que o Centro Popular de Cultura, criado por intelectuais e artistas sensibilizados com a dramática realidade brasileira, associou-se à Une-Volante, permitindo a confluência feliz do debtate com a arte.
Esta movimentação criativa cometeu, contudo, um equívoco quando lançou um ultimato ao governo do Presidente João Goulart para que alterasse o artigo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que reconhecia, a meu ver com sabedoria, que a forma de participação estudantil nos órgãos colegiados das universidades e escolas isoladas deveria ser fixada pelos seus estatutos respectivos. Não era, em princípio, contra maior participação dos estudantes nos colegiados universitários, mas pensava, como ainda penso, que a autonomia da Uni-...


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... –versidade seria fortemente atingida se lhe fosse negado o direito inalienável de determinar-se em matéria de sua estrita competência . Era favorável à reivindicação de que a participação estudantil fosse de 1/3 nos conselhos e colegiados da UFMG, mas não tinha sentido incorporar, numa lei que fixava diretrizes gerais da educacao nacional, um artigo que introduziria perigoso precedente que, a um só tempo, maculava a autonomia da Universidade e tornava padronizado o que deveria, pela sua própria natureza, refletir os diferentes os diferentes estágios do desenvolvimento de nossos diversos institutos universitários.
A greve que se seguiu ao ultimato desgastou o movimento estudantil. No entanto, é bom lembrar que no decorrer da greve prevaleceram, nos encontros e assembléias estudantis, intensa discussão e aprofundamento das questões relacionadas com a reforma universitária. Contudo, pessoas e grupos que aspiravam visceralmente a uma Universidade sem estudantes, ou constituída por alunos bem comportados, tímidos, solícitos e, por isso mesmo, já envelhecidos em plenba juventude, encontraram nessa greve frustrada um bom álibi para estigmatizarem os movimentos estudantis e considerá-los a priori subversivos e obrigatoriamente “comunistas””.


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“Não obstante, autoridades militares não aceitaram o relatório produzido pela Comissao de Sindicância. Diziam que se tratava de uma manipulação do Reitor para que nada fosse efetivamente verificado. O que, é bom assinalar, constituía dupla e grave injustiça: primeiro, ofendia os membros da Comissão que eram homens de grande valor moral que não se submeteriam a qualquer forma de conivência subalterna com o Reitor ; depois atingia-me, pois não me prestaria a comportamentos obscuros, astuciosos e, no final das contas, fraudulentos.
Tive, nessa ocasião, um encontro com o General Carlos Luís Guedes que tornoiu as nossas relacoes mais difíceis. Ele me dizia que o relatório da Comissão de Sindicância não tinha o menor valor e eu com serenidade e formeza comunicava-lhe que, do ponto de vista da Universidade, considerava-o conclusivo”.


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“Assistimos, nas últimas décadas, a acontecimentos decisivos que inflexionaram o próprio curso da história intelectual e material da América Latina, especialmente a do Brasil. Referimo-nos ao impacto do primeiro e do segundo após-guerra, da revolução de 1930, que coincide no Brasil com o surto de sua industrialização e de sua revolução tecnológica. E note-se que a história recente destas três últimas décadas foi principalmente importante pelo aparecimento do fenômeno crescnete de secularização, acompanhado, paralelamente, pela reformulação de valores socialmene aceitos e adotados. Sem dúvida o valor social “desenvolvimento” adquiriuj privilegiada afirmação. Os países até então caracterizados como “atrasados” relativamente aos “adiantados” se autodefiniram como “subdesenvolvidos”, expressão explendidamente rica, por conter a idéia de atraso, que é definidora de uma situação, relacionada à de desenvolvimento, que é valorativa. Esse período viveu sob a floração e os impactos do desenvolvimento econômico. Surtos desarticulados de desenvolvimento manifestaram-se em países como o Brasil, onde o progreso econômico se processou sem um adiantamento paralelo das instituições políticas, dos centros de investigação cientifica, enfim, de organismos que adaptassem, de acordo com nossas conveniências, a tecnologia e as ciências importadas”.

p. 49

“O grande progresso tecnológico e cientifico dos tempos modernos realizou-se fora da universidade. Diversos motivos explicariam tal fato; recordemos dois deles, que bastam a nosso propósito. Primeiro, é que as conqusaitas mais significativas do mundo moderno opõem-se, por assim dizer, à própria esturutura do mundo medieval ; segundo, o desenvolvimento comercial e industrial das principais nações européias é uma conquista da burguesia liberal, vale dizer, da iniciativa ...

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... particular”.

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“No livro de Clark Herr – The Uses of the University – o conceito multiversidade é empregado para caracterizar o fenômeno, extremamente complexo, da Universidade contemporaena que se exprime por meio de uma pluralidade de cnetros de poder, uma grande diversidade de objetivos e atende a diferentes públicos”

p. 75

“Devo ainda destacar que foi tomada uma iniciativa, da mais alta importância, de articulação da UFMG com as instituições de ensino superior de Minas Gerais: Universidades, Fundações Universitárias e Escolas Isoladas. Realizamos, em 1966, um primeiro Simpósio de Problemas Universitários, com a participação dos responsáveis pelo ensino superior em Minas Gerais”.


p. 78

“Não podíamos conceber estudantes transformados em meninos bem comportados, dóceis e obedientes. O conformismo deles seria (será) o mais eloqüente testeminho do envilecimento de uma sociedade. Sempre lhes devotamos respeito; não nos lançaríamos à aventura de, por meio de astúcias e espertezas, cooptá-los, dobrá-los, finoriamente intimidá-los. Nossas relações fundavam-se na amizade que semopre compreende e nunca lisonjeia.
As finalidades desta Coordenação eram, no essencial, as seguintes:
- Desenvolver e incentivar atividadees culturais extracurriculares;

- Facilitar a comunicaco do corpo discente com as autoridades universitárias, acolhendo sugestões, reivindicações e críticas. Principalmente, levar a comunidade estudantil a ter maior responsabilidade na fgestao dos serviços mais nitidamente comprometidos com a promoção de uma política de assistência a ela”.


p. 81

“Havia, naquela época, certo consenso de que as Universidades deveriam localizar-se no respectivo campus adotando, dessa forma, ...


p. 82

... um tipo de organização espacial que havia prevalecido principalmente nos Estados Unidos

“Supõe-se, com certa razão, qe uma Cidade Universitária induz, com maior facilidade e naturalidade, o florescimento do esp~´irito universitário, pois são intensos e inúmeros os processos de interacao, propícia aos diferentes segmentos da instituicao universitária. Não se atenta, contudo, para os efeitos perversos que, em grande escala, acarretam. Assinalo dois que imediatamente me ocorrem.

Em primeiro lugar, há o risco de uma divisão muito acentuada entre a comunoidade universitária e os diferentes segmentos sociais que emprestam cvida a uma cidade. Esta separação, quando extremada, pode confundir-se com uma segregação, ou sejka, a gradativa formação de hábitos, costumes, linguagem e outras formas de expressão diferenciados e distanciados da vida da cidade em que se encontra a comunidade universitária. Perde-se, assim, a natural comunicação com as manifestações concretas da vida comum.
O universitário torna-se um ser estranho, distante e, ao termo do processo, supérfluo. Trata-se, numa sociedade de massas como a nossa, da nova versão do intelectual que se encastelava numa “torre de marfim” . Os vícios que se encontravam no intelectual solitário, no fundo desdenhoso do mundo que o cercava, são reproduzidos, ampliados e multipliocados, numa Universidade que se fecha ensimesmada, que se retira, sem se dar conta, no campus das Cidades Universitárias.
Outro risco, este de natureza imediatamente política, é o da Universidade, tambem sem se dar conta, forjar, nos regimes autoritários, a melhor soliucao para afastá-la das vicissitudes e dos debates públicos . A Cidade Unmiversitária transfvorma-se nuim guetpo, no qual se tolera a prática da ação política, desde que não se ultrapassaem os limites de seus próprios muros.
A Universidade divorcia-se da Cidade, converte-se no espaço em que se pode até mesmo vociferar contra a “desordem estabelecida”, desde que não se rompa o cerco que a própria Universidade candidamente se impôs a si mesma, encolhendo-se num “espaço univer- ...


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... –sitário” que não se distribui nem permeia mais o “espaço urbano” em que se encontrava. Parece ter sido a solução encontrada, em Madri, pelo franquismo. Os universitários estavbam liberados, e, penso, que se contivessem nbo campus da Universidade de Madri.
A Cidade Universitária transforma-se, de fato, num espaço de catarse coletiva, lugar sutil, apropriado aos processos de limitação da liberdade. Livbera-se totalmente. Na verdade, reprime-se totalmente”.


p. 88

“É introduzido, nesse contexto, o sistema de matrícula por disciplonas e elimina-se o tradicional sistema de seriação. De fato, aprofunda-se ainda mais a fragmentação da estrutura universitária. Os estudantes convertem-se em fantasmas de si mesmos, sem um grupo de referência estável que o antigo regime, bem oiu mal, assegurava. Há um colossal efeito de cascata: a fragmentação operada num nível consolida-se cumulativamente com outras segmentações”.

p. 89

“Ou ainda: preocupados com a desejável racionalidade administrativa, mas desconhecendo-se o caráter multiversitário da Universidade, adotam-se procedimentos e métodos de administração “eficzes e eficientes”, por exemplo, em um complexo siderúrgico ou em uma fábrica de sapatos, mas que nada têm a ver com as instituições de ensino superior! E assim, interminavelmente, os erros de atropelam”.

São grandes e fundas as seqüelas inscritas, no decorrer desses tristes anos, na educação superior brasileira. Hoje, alguma esperança se divisa no horizonte”.



p. 95

(Discurso de Posse do Prof. Aluísio Pimenta como Reitor da UMG, em 21/02/64)


“Fora as exceções, tão gloriosas quanto reduzidas, qual tem sido o papel desempenhado pela Universidade Brasileira para ajudar o Brasil a sair do subdesenvolvi- ...

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... –mento, etiqueta nossa lá fora, quase símbolo de falência, se não da Nação Brasileira em alinhar-se ou defender-se na competição internacional, pelo menos, para o nosso caso particular, de desvinculação da Universidade dos principaios problemas nacionais, cuja solucao, certamente, melhoraria nossa capacidade de reacao e nos levarioa ao caminho justo da tomda de consciencia de nossa realidade”.

“”Em outras palarvras : a Universidade Brasileira deve ser o reflexo da sociedade Brasileira. Assim foi, assim é, necessariamente. Mas como nada que é vivo é imutável, as coisas se transformaram. Lentamente, sob a estagnação imposta e desejada pelos que se beneficiavam com o marasmo, o Brasil foi crescendo, apesar de todos e contra tudo que o amarrava a um falso e proveitoso tradicionalismo”.


p. 99
(Discurso de Posse do Prof. Aluísio Pimenta como Reitor da UMG, em 21/02/64)

“Continuaremos a realizar as exposições artísticas que tanta repercussão vêm logrando e contribuem de fato para ampliar a área de participação social da Universidade, mas desejamos montar tambpem outros tipos de amostra, aqueles que dizem respeito às atividades em outros setores, principalmente as economicas, dando ênfase às coisas de Minas, promovendo também a realização de conferências, seminários e cursos diversos sobre os grandes problemas brasileiros e de interesse na ampliação da cultura popular. A Universidade é ...


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... do povo não apenas porque seus professores e estudantes são necessariamente do povo. Não deve ela restringir-se a esses dois pólos, professores-alunos, mas chegar verdadeiramente ao povo; primneiro, como já foi dito, pela participação e ajuda na solução de seus problemas; segundo, elevando seu nível cultural através de atividades com as que alinhamos, tornando-o mais consciente, mais presente, mais exigente, concorrendo, assim, para a melhoria geral de sua atuação nos destinos da nacionalidade”.


p. 102

(Discurso de Posse do Prof. Aluísio Pimenta como Reitor da UMG, em 21/02/64)


“Vou dirigir a Universidade auxiliado por todo o seu quadro humano. A Universidde não foi feita para os professores, mas para os estudantes. Mas os estudantes são parte de sua e não seu todo . Juntos, com a harmonia em que espero viver com os dois pólos da vida universitária, trabalharemos para o engrandecimento de nossa terra”.

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