sexta-feira, 4 de abril de 2008

Depoimento de Hélio Jaguaribe

DEPOIMENTO DE HÉLIO JAGUARIBE À OTÁVIO LUIZ MACHADO

ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: HÉLIO JAGUARIBE DE MATTOS
LOCAL: RIO DE JANEIRO-RJ
DATA: 24/07/2002

OTÁVIO LUIZ MACHADO: Professor, eu gostaria de primeiramente pegar os seus dados pessoais para que a gente possa ter este registro no depoimento, tais como nome completo, idade, profissão e outros.

HÉLIO JAGUARIBE: Hélio Jaguaribe de Mattos, brasileiro, casado, advogado e cientista social. Nasci em 1923.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: Gostaria que falasse um pouco do início de sua atividade intelectual.

HÉLIO JAGUARIBE: Dediquei-me à advocacia inicialmente para formar um patrimônio, para ganhar um pouco de dinheiro e rolar a vida. E concomitantemente desenvolvi uma atividade intelectual significativa. Mas nessa fase não podia ser de maneira nenhuma exclusiva, por causa da minha atividade profissional. Então, eu tive a oportunidade neste período inicial da minha vida de participar com o grupo de pessoas – por uma iniciativa do poeta e amigo meu Augusto Frederico Schmidt – da 5a página do Jornal do Comércio, que então era dirigida pelo Hermano Carlos Cardi. E houve então aí um grupo de intelectuais jovens que toda quinta-feira fazia uma página de caráter cultural no jornal. Depois disso, resolvemos criar o Instituto Brasileiro de Economia e Sociologia Política, o IBESP. E este IBESP publicava uma revista que teve muito êxito, que era chamada Cadernos de Nosso Tempo. Mas, a dificuldade de manter estas atividades, que fundamentalmente eu as fazia retirando parcelas dos meus proventos de advogado, começaram a ficar um pouco pesadas para uma pessoa sustentar. E, resolvemos então apelar para o setor público, ao converter o IBESP numa instituição pública. E graças a Anísio Teixeira essa conversão foi possível, embora passando por algumas vicissitudes decorrentes da morte de Vargas – do suicídio de Vargas –, como as dificuldades de fazer isso depois com o Governo Café Filho. Mas, assim mesmo conseguimos fazer em seguida o ISEB, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, que teve uma repercussão muito grande na vida brasileira, porque foi através do ISEB que se desenvolveu a ideologia do nacional-desenvolvimentismo, que teria uma influência decisiva sobre a vida, a carreira e a política e atividade pública de Kubitschek, notadamente como Presidente da República. Depois do golpe de 64 eu me afastei do Brasil e fui lecionar nos Estados Unidos, em Harvard e na Stanford University, onde passei alguns anos como professor-visitante. Retornei ao Brasil, e depois de uma passagem como professor da (Universidade) Cândido Mendes, organizou-se, por uma iniciativa minha e de outras pessoas, este Instituto onde nós estamos agora, o Instituto de Estudos Políticos e Sociais, o IEPES. Este Instituto, que foi fundado em 1979, começou a sua atividade acadêmica em 1980. Então, desde 1980 até a presente data eu tenho sido decano do Instituto, e isto significa o Diretor-Acadêmico. E então aí eu pude me dedicar em tempo integral a esta atividade. E nós fizemos e estamos fazendo uma quantidade de projetos e de pesquisas bastante significativas. Eu tenho naturalmente neste curso publicado vários livros. São 40 no total, incluindo livros com terceiros, e 15 da minha exclusiva autoria. E os dois últimos foram: Brasil, Homem e Mundo: Reflexão na Virada do Século
[1], que foi publicado no final do ano 2000. E o meu mais importante trabalho intitulado O Estudo Crítico da História[2], foi publicado no ano de 2001. A partir daí tenho me dedicado correntemente ao esforço de contribuir para um projeto nacional de consciência, preocupado com o fato de que ao meu ver, e conforme estudos daqui do nosso instituto, o espaço de permissibilidade internacional de países emergentes como o Brasil tendem a se reduzir muito drasticamente e muito aceleradamente. Eu creio que o Brasil dispõe de um prazo histórico muito curto para conseguir ultimar o seu desenvolvimento e superar as mazelas clássicas que vem afetando historicamente. Um prazo que não é de mais de vinte anos para que o país possa fazer um grande esforço de desenvolvimento, que precisaria elevar significativamente a taxa de crescimento do PIB, que tem sido ridícula, de um e meio, dois por cento. Na verdade, para fazermos aquilo que convém ao país, tínhamos que atingir taxas como já foi na década de 50 e 60, de 7%, para poder fazer essa virada profunda no curso de 5 quadriênios presidenciais, dentro das discussões democráticas que naturalmente ocorrem com divergências de todo o tipo, esta coisa se tornaria uma tarefa inviável se não houver uma condição prévia. E se não se lograr um grande consenso nacional em torno das grandes metas que o Brasil reconhecidamente deva atingir no horizonte de 2020. Se houver um consenso da classe política, dos principais elementos da classe política e da opinião pública em torno destas metas – aí ainda que haja muitas divergências partidárias a respeito de como se atingir estas metas –, se todos as perseguirem elas acabarão sendo atingidas. E se isso ocorrer será a única forma, a meu ver, do Brasil poder compatibilizar o debate democrático e as várias alternâncias de poder que se verificarão no curso de cinco quadriênios presidenciais, com uma perseguição sistemática, ativa, enérgica, vigorosa e acelerada de grandes metas, cujo atendimento e cujo alcance significaria a instalação do Brasil de forma autônoma e durável num patamar satisfatório de desenvolvimento social, econômico e tecnológico.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: desta forma a gente pode afirmar que o senhor está resgatando o antigo pensamento do ISEB?

HÉLIO JAGUARIBE: olha, então veja. O ISEB se deu conta, por influência do pensamento da CEPAL – que foi um grande pensamento na organização da mentalidade desenvolvimentista da América Latina – de que o Brasil precisava converter de uma sociedade agrária para uma sociedade industrial. E que precisava aumentar a sua capacidade tecnológica e aumentar a competência e a qualificação da sua população. Em torno disto surgiu a ideologia do nacional-desenvolvimentismo e uma série de projetos que foram elaborados pelo ISEB. Esses projetos vinham ao encontro do pensamento de Juscelino Kubitschek. Então, ele incorporou estas novas idéias através de um trabalho extremamente competente, que foi sobretudo organizado por Lucas Lopes. E com essa contribuição de Lucas e de vários economistas importantes que conseguiu se elaborar o Programa de Metas. E o Programa de Metas foi uma coisa extraordinária, porque conforme Juscelino muito bem disse, conseguiu realizar em 05 anos uma tarefa de 50. Juscelino herdou dos seus antecessores uma sociedade agrária e legou para os seus sucessores uma sociedade industrial. Transformação decisiva no Brasil. Agora é preciso reconhecer a importância do período anterior ao Juscelino, que foi o segundo Governo Vargas. O Governo Vargas foi um governo orientado por essa ideologia nacional-desenvolvimentista, que tentou realizar grandes projetos. E conseguiu coisas muito importantes, mas lamentavelmente a atuação do energúmeno Carlos Lacerda provocou a crise artificial – completamente artificial – que conduziu àquela rebelião militar. E Vargas não querendo assumir novamente uma nova deposição, resolveu suicidar-se de uma forma romana. E restaurou realmente a capacidade do Brasil de se orientar democraticamente. Lacerda, que era um vitorioso no dia 23 de agosto, no dia 24 de agosto era um fugitivo se refugiando na embaixada norte-americana.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: professor Jaguaribe, o ISEB buscou pregar uma consciência de uma nação autônoma. Poderia dizer que o pensamento de vocês também era de redescobrir o Brasil, dar um novo sentido na compreensão do Brasil e ainda criar uma teoria que também pudesse ser o suporte a governos e a políticas?

HÉLIO JAGUARIBE: perfeitamente! A idéia era essa. Analisando-se o Brasil que nós estávamos recebendo do nosso passado remoto e mais imediato, verificamos que o Brasil era controlado por uma elite que nós denominamos de “latifúndio-mercantilista”. E era aquela associação entre os grandes exportadores e a burguesia urbana que exportava – grandes produtores de café, de algodão e de alguns outros produtos primários, e a burguesia urbana – estes produtos e importava do exterior os bens de consumo de que o Brasil se utilizava. Numa situação que evidentemente demonstrava a inviabilidade de se prolongar isto a prazos mais longos. E para superar essa situação a única solução possível era um grande esforço de desenvolvimento. Então, nós preconizamos um projeto industrial que abrangesse as principais indústrias básicas, a partir das quais se pudesse desenvolver indústrias leves e sustentar a demanda nacional de bens acabados. E essa idéia como eu disse, foi assumida pelo Governo Vargas, que tentou fazê-la através de várias providências, mas foi interrompida pela crise suscitada por Lacerda. Mas legou ao governo de Juscelino uma série de estudos que permitiram a ele começar o Programa de Metas, não do plano zero, mas já levando em conta experiências e estudos que recebeu do Governo Vargas, além naturalmente da contribuição dada pelo ISEB.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: vamos falar um pouco de juventude. Neste projeto desenvolvimentista qual o espaço para o jovem?

HÉLIO JAGUARIBE: eu creio que é uma constante no processo histórico que movimentos renovadores estejam associados à juventude. E depois acontece que as juventudes que geram movimentos renovadores tendem a manter depois que o jovem se converte em gente mais velha uma preeminência um pouco favorecida pelas suas amarragens iniciais. Eu creio que uma geração do fim dos anos 40 e do começo dos anos 50 – que participou muito ativamente desta proposta nacional-desenvolvimentista – gerou lideranças que até hoje se fazem sentir na vida pública brasileira. Embora pessoas como é o meu caso, que estão se aproximando rapidamente dos 80 anos (risos). Portanto, a minha juventude já está remota. Mas, não tenho a impressão nesse momento que surjam idéias muito inovadoras da juventude de hoje. Pode ser que eu esteja com a perspectiva de velho, aliás certamente algo nisso deve acontecer nessa minha avaliação, mas a razão pela qual eu tenho uma atitude não muito entusiasta em relação à juventude – que está agora ocupando cargos – é o fato de que no Brasil e um pouco da América Latina ela foi muito contaminada pelo neoliberalismo, que eu considero uma ideologia nefasta e tão negativa quanto a do comunismo. Há duas ideologias que não são capazes de aproveitar a sua experiência: o comunismo e o neoliberalismo. Porque em ambas, quando as coisas dão erradas, dizem: “é porque não foi suficiente a nós. Tem que reforçar o neoliberalismo. Tem que reforçar o comunismo”. Então, elas não aprendem com os seus erros. E eu vejo uma geração brasileira sucessora da minha muito contaminada pelo neoliberalismo. E por outro lado, eu tenho a esperança que esses que não estão no neoliberalismo, e aqueles da minha geração que ainda continuam com capacidade de trabalho, possamos contribuir para que surja uma nova geração não neoliberal. E eu creio que isso está acontecendo. Imagino que sim.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: sobre este trabalho do ISEB e das pessoas ligadas ao nacional-desenvolvimentismo, havia algum tipo de divulgação cultural exclusivo no sentido da juventude?

HÉLIO JAGUARIBE: o ISEB trabalhava na base de conferências, que eram assistidas por uma quantidade muito grande de gente. As conferências enchiam, aquela coisa. E as pessoas do ISEB eram convidadas a fazer conferências em vários outros lugares. Além das conferências na própria instituição, na Rua das Palmeiras, as pessoas do ISEB eram convidadas a fazer conferências em vários lugares. E daí surgiu livros que eram publicados pelo ISEB. No caso agora do meu Instituto, o IEPES, a nossa maneira de proceder consiste em fazer pesquisas sérias, muito acadêmicas, mas sempre orientadas para um motivo público. Não são pesquisas acadêmicas abstratas, mas de interesse nacional. A nossa tônica é pesquisar aquilo que interessa para o desenvolvimento brasileiro, ou seja, uma obsessão pelo desenvolvimento brasileiro. E essas pesquisas freqüentemente geram textos de muita boa qualidade que podem ser convertidos em livros. Então, nós temos difundido sobretudo através do livro, e naturalmente, artigos de jornal e de revista. Mas o instrumento principal de divulgação do IEPES é o livro.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: e o público jovem como é atendido nestas pesquisas do Instituto?

HÉLIO JAGUARIBE:
bem, eu creio como lhe disse, que estamos começando a sentir que as nossas idéias críticas do neoliberalismo estão encontrando ressonância na geração pós-neoliberal. E isto me parece uma coisa muito promissora. Então, neste momento nós estamos querendo aqui no Instituto empreender alguns trabalhos que nos parecem extremamente importantes nesta direção. Voltaria a mencionar aquela coisa que já referi, que é esse projeto de consciência nacional, o projeto nacional de consciência. A partir da constatação de que os prazos de que o Brasil dispõe para se desenvolver são muitos curtos, e que portanto ele necessita de manter uma grande coerência de propósitos durante este período de mais ou menos 20 anos, nós contribuímos para que um grupo eminente de parlamentares, representando os principais partidos do país, se reunissem em Brasília a partir do começo deste ano, com vistas a se chegar num consenso, num chamado Comitê de Consenso. E este Comitê de Consenso trabalhou muito bem, e a uma certa altura resolveu designar uma comissão relatorial para propor uma primeira versão do consenso. Esta Comissão foi coordenada pelo Deputado Aluisio Mercadante, e integrada pelo Senador Jefferson Perez, Deputada Rita Camata e Deputada Yeda Crucius. E esta Comissão produziu um trabalho excelente, que depois de discutido pelo plenário do Comitê de Consenso – e receberam muitas emendas –, foi reformulado e confrontado suas emendas. E está sendo neste momento encaminhado à apreciação do Presidente Fernando Henrique Cardoso. E será posteriormente objeto de uma comunicação às principais autoridades da República. Por outro lado, está se cogitando – quando o Congresso volte a se reunir em agosto – fazer uma reunião plenária do Comitê, e convidar a imprensa para uma entrevista coletiva a respeito deste projeto de consciência. A idéia é submeter este projeto de consciência a um grande debate nacional: debate público nas Universidades, em todos os partidos e com os candidatos que irão receber este projeto. O Comitê de Consenso se propõe a recolher o resultado deste debate depois das eleições. Aí reúne tudo o que foi discutido, e que será anotado pelo Comitê. E o Comitê levando em conta o debate, fará uma segunda formulação do projeto de consciência, já exatamente para ir ao encontro daquilo que o debate demonstrou que a sociedade brasileira está pedindo. E então, se formularia um projeto de consciência já passado pelo debate nacional em algum momento na segunda metade do ano que vem. E isto seria uma proposta para durar para os próximos vinte anos.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: como o jovem brasileiro está situado neste contexto neoliberal?

HÉLIO JAGUARIBE: o jovem menos jovem é neoliberal. O jovem quarentão é neoliberal. O jovem jovem está dividido entre uma atitude um pouco de ceticismo a respeito da coisa pública, considerando o que é importante é encontrar uma profissão rendosa e ganhar dinheiro, atraído um pouco pelo mundo das finanças ou pelo mundo do marketing. E naturalmente se tem alguns idealistas que estão querendo formular uma teoria sucessora do neoliberalismo, que seria o novo social-desenvolvimentismo, o que é absolutamente importante. E muitas destas figuras na verdade estão hoje se agregando em torno do PT. O PT como partido está mais abrangendo esta urgência de uma revisão do neoliberalismo.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: qual a presença da UNE no Governo JK? Qual o respaldo que esta juventude teve no Governo JK?

HÉLIO JAGUARIBE: no Governo Juscelino teve muito, porque a proposta do Programa de Metas veio ao encontro da ambição do jovem naquela época: de ter um futuro e de contribuir para a construção do futuro. De sorte, que a juventude e a UNE e vários órgãos da juventude foram extremamente pró-Juscelino. E foi muito positiva a função deles.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: esta juventude pensava em cuidar dos interesses do Brasil e pensava seriamente no Brasil?

HÉLIO JAGUARIBE: Com Juscelino a motivação nacional foi muito forte. Depois dele nunca chegou ao nível que ele conseguia elevar.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: esta juventude inclusive teve um papel importante na divulgação do Plano de Metas?

HÉLIO JAGUARIBE: o Plano de Metas ajudou na inspiração de uma grande confiança na capacidade do Brasil se afirmar como uma sociedade civilizada, próspera e progressista. Esta convicção no progresso nacional foi conseguida por Juscelino de uma forma admirável.

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