DEPOIMENTO DE NEWTON SUCUPIRA
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: Newton Lins Buarque Sucupira
LOCAL: RIO DE JANEIRO-RJ
DATA: 27 de Setembro de 2005.
DADOS DO ENTREVISTADO
Nome: Newton Lins Buarque Sucupira
Data de nascimento: 09 de Maio de 1920
Cidade natal: Porto Calvo, Alagoas.
Atividades exercidas: Professor da UFPE, Secretário de Educação Superior do MEC, membro do Conselho Nacional de Educação.
OTÁVIO: Professor, conte-nos um pouco sobre os seus estudos iniciais e sua formação profissional?
NEWTON SUCUPIRA: Meus pais pertenciam à camada superior do município e, embora eles não fossem formados, fizeram de tudo para que eu me formasse. E fui inicialmente um interno, primeiramente no colégio Nóbrega, que foi o local em que pude fazer um excelente curso na parte de ciências humanas. Nisso os padres eram muito bons. Por eu ter feito um curso muito bom é que eu resolvi estudar Direito. Quando me formei em 1942, tive que ir para o Exército, ficando por lá uns dois anos e meio. A partir daí ocupei alguns cargos administrativos antes de finalmente me concentrar no ensino a partir de 1952. Comecei como professor de Filosofia e de História da Educação, o que me deu a oportunidade de estudar ainda mais. Como fazia parte da cadeira de História da Educação, comecei a me interessar pelo problema da universidade. Até que me ofereceram uma bolsa da CAPES para estudar nos Estados Unidos. Aproveitei a oportunidade para observar o funcionamento dos College e, particularmente a pós-graduação. Então eu fiz contato, estudos e levantamentos baseados em meus encontros com professores americanos. Tanto que eu digo no parecer que eu ia mesmo definir a pós-graduação em termos da pós-graduação norte-americana. O que eu fiz foi inspirado na pós-graduação norte-americana, porque nós não tínhamos nenhuma experiência generalizada da pós-graduação no sentido estrito. O que eu fiz aí foi uma análise da pós-graduação existente, também considerando as experiências de outros locais, como é o caso da Inglaterra, que depois eu tive mais contato, também. Eu fui convidado e passei um mês e meio visitando em suas escolas universitárias. Na Inglaterra, naquele tempo, não havia escolas particulares. Nem propriamente escolas estatais que eram escolas públicas. Estive também na Alemanha e na França várias vezes. E aí eu e um professor, o Valmir Chagas, tratamos muito desses problemas da pós-graduação e do ensino superior em geral dentro do Conselho Federal de Educação.
OTÁVIO: professor, quando o senhor começou a atuar no Conselho Federal de Educação, poderia nos dizer quais eram os grandes problemas do ensino superior no Brasil? Qual era o grau de dificuldade para reformar o ensino superior?
NEWTON SUCUPIRA: o problema é que várias vezes entra uma motivação política. Mas esquecem que antes da pós-graduação a pesquisa já começava a surgir. A Reforma Universitária tinha vários pontos que envolvia uma nova maneira de conduzir a política de ensino superior. Por exemplo, buscava dar maior autonomia – inclusive autonomia financeira – às universidades, embora isso que nunca foi realizado. O problema era fazer do ensino superior também um centro de pesquisa. Era isso que se chama de indissociação do ensino e da pesquisa. A situação do ensino era uma situação tradicional. Porque no império teve apenas cinco escolas de ensino superior. Mesmo porque a questão era da sociedade patriarcal e patrimonialista. E esse ensino superior limitava-se à formação de professores e, sobretudo, da formação da elite administrativa do país, que apenas filhos daquelas famílias que tinham maiores possibilidades econômicas conseguiam entrar.
OTÁVIO: O que se comenta é que a lei da Reforma universitária foi uma estratégia do Governo pra acabar com o movimento dos estudantes e professores. O que o senhor pensa desse comentário?
NEWTON SUCUPIRA: Bom, eu tenho de reconhecer é que de fato havia uma atitude de protesto – quase permanente – por parte dos estudantes. Mas penso que na elaboração da lei não contávamos com essa motivação. Agora eu e Valmir Chagas estávamos no Conselho e fomos convidados pra participar dessa comissão de ensino superior da Reforma universitária. E então eu percebi que a Reforma dificilmente poderia ser aplicada, porque havia uma atitude negadora da Reforma pelos estudantes, que estavam mais interessados no problema político contra a ditadura. Daí o pôrque deles não aceitaram fazer parte dessa comissão de ensino superior da Reforma universitária. Fomos convidados pelo presidente da República para entrar no conselho com um telefonema. Como nós estávamos vivendo esse problema da Reforma universitária desde a década de 60, então nós aceitamos e procuramos fazer tudo a partir de um enfoque puramente pedagógico. É o caso do estudo das estruturas de ensino superior. Eu tenho até um artigo sobre esse problema intitulado "A reestruturação das Universidades Federais", que saiu na revista do INEP. Eu participei dessa comissão da Reforma independente de motivação política. Eu achava que a universidade brasileira precisava realmente de uma reforma. E principalmente nessa questão da pesquisa. Considero muito importante uma reforma naquele momento, porque senão a pós-graduação ficaria burocratizada como o ensino em geral estava. Um dos aspectos da reforma nesse ponto inspirado pela universidade de Brasília, que fazia distinção entre o ensino puro e básico do ensino profissional.
OTÁVIO: A reforma universitária teve alguma inspiração naquela CPI sobre o ensino superior que passou a trabalhar desde 67, bem como do Relatório do General Meira Matos em 68?
NEWTON SUCUPIRA: esse relatório Meira Matos não influenciou nem a mim nem aos outros. Mas os críticos da reforma universitária, os estudantes e os professores, que sempre insistiram que a reforma universitária era puramente uma aplicação do relatório Meira Matos, posso falar que tais documentos não nos afetou de maneira nenhuma. Eu quero deixar bem claro que a reforma universitária não foi feita pelo relatório Meira Matos.
OTÁVIO: Professor, a expansão do ensino superior era uma das grandes metas do grupo que trabalhou a lei da Reforma Universitária?
NEWTON SUCUPIRA: a expansão realmente ocorreu durante a década de 60, porque em 1960 o ensino superior não tinha mais de noventa mil alunos. Houve uma abertura maior durante a década de 60, quero dizer até 1972, porque passamos a trezentos e poucos mil estudantes. Foi uma época de expansão.
OTÁVIO: essa passagem foi importante para democratizar o acesso ao ensino?
NEWTON SUCUPIRA: fez-se essa expansão, mas foi através das faculdades particulares. E daí a qualidade foi seriamente afetada, porque as escolas particulares viviam das anuidades e não tinham capacidade mesmo de oferecer o que a escola pública oferecia. A não ser algumas, como por exemplo, a PUC do Rio de Janeiro, que realizava pesquisa. E nisso ela foi grandemente ajudada com as verbas do CNPq. A reforma universitária teve um objetivo pedagógico. Mas ela por outro lado tinha essa tentativa de aproveitamento do nível de ensino. Basta dizer que na década de 60, com a reforma universitária, adotou-se o critério de que o aluno podia passar a ser aproveitado pelo ensino superior desde que tirasse no vestibular a nota diferenciada de zero. Ele estaria apto assim. Acontece que nesse momento havia a relação de vagas aprovadas pelo Conselho Federal de Educação. E as particulares ofereciam maior número de vagas do que o próprio ensino público, o que continua até hoje. Até 1968 havia quase que uma paridade da oferta de cursos entre o ensino superior público e ensino superior privado. Depois de 71 houve uma grande expansão porque as escolas aprovaram a expansão. Havia dois momentos: autorização e reconhecimento. Então houve um momento em que um decreto do governo admitiu que essas escolas que foram fundadas para atender a demanda fossem todas reconhecidas. Mas a reforma universitária tinha como um dos tópicos o problema da pós-graduação. Mas mesmo assim a reforma universitária foi rejeitada de um lado pelos alunos por motivos puramente políticos. E da outra parte rejeitada pelos professores catedráticos, porque ele atuaria dentro de um departamento e, portanto ele não era mais o senhor absoluto de cátedra da qual ele era titular.
OTÁVIO: e o resultado da pós-graduação para avançar a ciência no Brasil foi satisfatório?
NEWTON SUCUPIRA: Bom... A pós-graduação veio incutir a mentalidade da pesquisa. Porque se você fizer uma análise da evolução do ensino superior irá perceber que o mesmo estava voltado para a formação profissional. Havia uma ou outra exceção que consistia na utilização da pesquisa. Então os professores já reconhecem que a pós-graduação contribuiu muitíssimo para realizar esse ideal de indissociação de ensino e pesquisa. Ainda há alguns meses, o professor Goldberg - que foi Ministro - num artigo a propósito exatamente dessa questão atual da pesquisa, referiu-se ao meu parecer como um fator que provocou o desenvolvimento da pesquisa.
OTÁVIO: quando o senhor passou a ter contato maior com a questão dos estudantes?
NEWTON SUCUPIRA: quando eu comecei a ensinar História e Filosofia da educação numa universidade federal, em 1952. Ainda tinha o nome de Universidade do Recife (atual UFPE). Não houve tantas movimentações de estudantes por meio de protestos. Nem mesmo no Estado Novo, embora o estudante sempre teve uma atitude de crítica desde a Idade Média.
OTÁVIO: O senhor intercedeu junto à Universidade Federal de Ouro Preto para resolver um problema de uso indevido do decreto-lei 477.
NEWTON SUCUPIRA: quanto ao decreto-lei 477 eu tinha reservas quanto à sua aplicação. Fui à universidade de Ouro Preto para tratar de um assunto provocado pelo reitor que queria enquadrar uns protestos que eram da ordem do ensino e não eram políticos. E por isso não era caso de aplicação do 477. Eu fui lá e disse que não era caso de 477, que era um caso somente de bagunça dos estudantes mais que de maneira nenhuma poderia ser objeto de aplicação do 477 e realmente não houve mais foi o reitor que pediu ao ministro que se aplicasse. Então o ministro pediu pra eu ir lá e eu fui.Acho que fui num dia e voltei no outro. Eu apenas mostrei que a aplicação do 477 só podia ser pelo ministro e que naquele caso particular em que eu atuei não se tratava de maneira nenhuma de protesto político.
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