Fonte: http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2855&Itemid=106
28/03/2008 20:41
-->Depoimento de José Dirceu -->
“Mantenho o espírito de 68”
“O ano de 1968, marcado por agitações em todos os cantos do planeta, trouxe mudanças para todas as gerações seguintes. Foi quase mítico, pelas transformações comportamentais, políticas, éticas, sociais e sexuais dentre outras que explodiram mundialmente. Foi o auge dos movimentos estudantis, operários, feministas, de artistas, de milhões de sonhadores que descobriam a si e ao universo.Para mim, falar sobre 68, um dos anos mais importantes da minha vida, é um momento de reflexão sobre aqueles tempos. Revejo na memória cenários e personagens de uma época da qual tenho imenso orgulho de ter vivido e, no Brasil, ter sido um dos protagonistas daquele ano. Aqui, a geração que tocou aquele movimento misturou-se à que fazia o Cinema Novo, os festivais da música popular brasileira, modificava a nossa arquitetura, as artes plásticas, fazia aqui a revolução cultural que surgia em todo canto.O ano também foi emblemático, especialmente, para o movimento estudantil. Dos estudantes, de sua mobilização, movimentação, lutas e passeatas partiu uma das reações mais profundas contra a ditadura militar brasileira. Os estudantes tiveram maior visibilidade em sua luta - inicialmente desencadeada em defesa da educação pública - porque seu poder de aglutinação nas universidades era maior e a repressão era muito mais violenta nos sindicatos operários.Além do MDB, único partido de oposição permitido pela ditadura (que instituiu o bipartidarismo), o movimento a partir das faculdades foi o primeiro a reagir, a reconquistar, a se espalhar pelas ruas e a agregar a força de outros segmentos, como jornalistas, artistas, intelectuais, enfim, a nata do pensamento democrático e libertário brasileiro.Quando ingressei, o movimento estudantilvivia um cenário desoladorEu havia saído de Passa Quatro (MG) em 1961 para trabalhar e estudar em São Paulo. Em 1964, com 18 anos, eu estava trabalhando de manhã quando vi o pessoal da Universidade Mackenzie, filhos da elite paulista, conservadora e de direita, apoiando o golpe militar. A agitação era aumentada pelas auto-denominadas “Marchas da Família com Deus e pela Liberdade” em que senhoras da alta sociedade (que apelidamos pejorativamente de “marchadeiras de 64”) desfilavam em atos “contra o comunismo” – na prática, pela derrubada do regime constitucional e pela deposição do presidente João Goulart, o Jango. Acho que um dos maiores impactos da minha vida se deu quando cheguei à universidade. Entrei na faculdade de Direito da PUC, em 1965, e encontrei um cemitério. Transformei-me em um daqueles jovens que se opunham ao golpe militar dado um ano antes e em militante do movimento estudantil e da rebelião de uma geração contra toda uma estrutura moral e de comportamento. Desencadeamos uma revolução cultural que poderia se comparar à Semana de Arte Moderna se não tivesse sido tolhida pelo AI-5. Em 1968 fizemos surgir um Brasil urbano e uma geração jovem que trabalha e é independente dos pais. Surgiu um Brasil democrático e libertário que misturava, por exemplo, as elites com as classes populares nas universidades. Quando ingressei nessa luta, o movimento estudantil vivia um cenário desolador: o golpe militar desfechado um ano antes fechara centros acadêmicos e instituições de movimentos populares, estabelecera censura, ainda que não institucionalizada, e até index de livros proibidos. A repressão permeava tudo - o ensino, a relação com os professores, a discriminação às mulheres, os movimentos e agremiações sociais e populares, enfim, toda a vida nacional. Da revolta contra essa opressão e contra os padrões conservadores, nasceu, efetivamente, minha atuação política.Fui presidente da União Estadual dos Estudantes em São Paulo (UEE-SP) e um dos combatentes da batalha da rua Maria Antonia, em 03 de outubro de 1968, o histórico, gravíssimo e sangrento confronto entre estudantes da Faculdade de Filosofia da USP e os da Universidade Mackenzie, este lado, com a participação de agentes infiltrados do DOPS e membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Esse conflito, forjado para justificar a ocupação no centro universitário da USP, principal pólo do movimento estudantil paulista, culminou na morte do secundarista José Carlos Guimarães, assassinado à bala pela repressão aos 20 anos.Após esse triste episódio, fizemos clandestinamente o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna. “Caímos”. Os registros da mídia variam, mas o nosso cálculo é que mais de 900 estudantes foram presos, entre os quais eu. Fui levado para o Departamento de Ordem Política e Social (o temido DOPS), ao lado dos principais líderes estudantis da época - Luís Travassos (presidente da UNE) Vladimir Palmeira, Franklin Martins, Jean Marc Von Der Weid e Antonio Guilherme Ribeiro Ribas.AI-5, a última cartada dadisputa dentro da ditaduraA decretação do AI-5 no dia 13 de dezembro de 1968 foi um divisor de águas e a última cartada da disputa dentro do governo que se instalara com o golpe militar de 64. A saída do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente militar e a indicação para sucedê-lo na Presidência da República, do seu ministro da Guerra (Exército), general Arthur da Costa e Silva, pelo Alto Comando do Exército (pelas Forças Armadas) já foi uma derrota para o núcleo civil-militar que dera o golpe em 1964.Nós temos que considerar que já havia ocorrido o rompimento dos dois principais líderes civis golpistas, os governadores Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Carlos Lacerda, do Estado da Guanabara e de vários setores que tinham participado do golpe, como segmentos da imprensa e do empresariado. Romperam com a ditadura militar justamente por causa da ruptura da ordem democrática, do problema democrático. Meu pai era civilista, da ala do (deputado) Bilac Pinto (UDN-MG). Rompeu com o golpe na hora que a ditadura cortou figuras como o Lacerda e Magalhães Pinto. Uma ala da UDN, partido exinto pelo AI-2 em 1965 se descolou e foi para a Frente Ampla, a união do JK, do Jango e do Lacerda. A ditadura acabou com a Frente por decreto.Vivi a saga dos brasileiros obrigados a se exilar
A ditadura cancelou as eleições de 65 e tentou impedir as de 1966, impugnando candidaturas com pretextos “legais”. Acabou os governadores Negrão de Lima ganhando no Rio de Janeiro e Israel Pinheiro em Minas Gerais. A partir daí o regime autoritário viu que ia perder nas urnas e acabou com a eleição direta para presidente; extinguiu os partidos políticos; criou e estabeleceu as chamadas áreas de Segurança Nacional; impediu as eleições nas capitais; criou o colégio eleitoral para eleger governadores e presidente da República e implantou a censura prévia no país.Depois da prisão no 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, em 1968, a ditadura me manteve na cadeia até 1969, quando fui um dos 15 presos políticos libertados por exigência dos seqüestradores do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Minhas experiências em 1968 foram profundas e marcaram minha vida. Em Cuba reencontrei os companheiros daAção Libertadora Nacional e comecei a fazer treinamento militar. Vivi o exílio e a clandestinidade e, nas duas situações, acompanhei as centenas de mortes e desaparecimentos políticos provocados pela ditadura, a prisão e tortura infringidas aos idealistas que resistiam à ditadura, e a saga dos milhares de brasileiros que, como eu, foram obrigados a se exilar. Com a anistia em 1979, voltei à atuação política normal, ajudei a fundar e a montar o PT, o maior partido de oposição da história do Brasil, agora no governo.Hoje, 40 anos depois, permaneço na resistência de outra forma. Estou mais maduro, continuo na militância política e, principalmente, prossigo na luta por uma nação com menos desigualdades. O espírito aguerrido de luta daquela época ainda está em mim, na batalha pela construção de uma sociedade mais justa, livre e democrática."
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Um comentário:
Eu sou um estudante de história pela Universidade de Sorocaba, prtendo fazer um TCC sobre o 30º Congresso da UNE em Ibiúna e preciso de auxilio. Pode me ajudar? você tem documentos sobre?
meu email é ferreira_hudson@hotmail.com
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