Entrevista com Ednaldo Miranda de Oliveira
em 09 de maio de 1993 - Casa de Ednaldo, Recife Pernambuco depoimento a Samarone Lima de Oliveira
Esta entrevista inicialmente seria utilizada como material para um trabalho de conclusão do curso de Jornalismo, na Universidade Católica de Pernambuco, em julho de 1993. O tema seria "A explosão no Aeroporto dos Guararapes". Mesmo tendo realizado várias entrevistas e colhido um volumoso material, percebi que não teria dados mais concretos para apresentar à banca. Acabei mudando de projeto, e abordei o assassinato do militante da Ação Popular (AP), José Carlos Novaes da Mata Machado, no Doi-Codi do Recife, em 28 de outubro de 1973.
Mesmo sem chegar a dados conclusivos sobre o Aeroporto, já tinha uma convicção, baseada em relatos e documentos, de que Edinaldo Miranda e Ricardo Zarattini não tinham qualquer envolvimento com a explosão de 1966, realizada pela AP. A organização, no entanto, jamais assumiu a autoria do atentado, deixando para os dois "bodes expiatórios" a culpa implicita de um ato que não cometeram, e que, por sinal, criticavam já naquele período.
Fui recebido da forma mais aberta e sincera possível por Edinaldo Miranda em seu apartamento. Nos três primeiros encontros, conversamos sobre minhas pesquisas e criamos laços afetivos que tornaram a entrevista uma grande conversa, cheia de emoção, de relatos dolorosos, de feridas não cicatrizadas. Mexer com lembranças tão fortes não é uma tarefa simples.
Após três encontros, onde escutamos juntos as músicas revolucionárias de vários países, propus gravar o depoimento, e Edinaldo aceitou. Trata-se de um emocionante, delicado e profundo grito de liberdade, de luta, de esperança, de indignação. Uma voz que nos deixa um significado para a palavra "luta".
Edinaldo Miranda perdeu a última batalha contra o câncer no dia 20 de abril de 1997. Morreu aos 54 anos, lutando por Justiça. A divulgação deste depoimento é uma pequena contribuição para que a memória deste período sombrio não se apague. É também uma forma de homenagear este homem que lutou a vida inteira por um País mais justo, digno e ético.
Samarone- Você é de Carpina e veio para o Recife, como é que foi? (000)
Edinaldo- É, eu vim para o Recife fazer o científico, mas vim só no 3º ano. Até o 2º ano, viajava de Carpina para cá diariamente, e voltava diariamente. Estudava no Nóbrega. Fiz até o 3º ano científico. Em 1962 eu fiz o vestibular para a Escola de Engenharia e entrei na Escola. Naquela época tinha o movimento estudantil e havia uma intensificação da democratização do País, está certo? Então o momento propício para uma tomada de consciência para uma discussão dos problemas nacionais, essa coisa toda. E a Escola de Engenharia tinha uma liderança muito forte no Movimento Estudantil. Logo no 1º ano, nós participamos de uma campanha para presidência do diretório, que era normalmente realizada em outubro...
Samarone- Você já estava...
Edinaldo- E nessa campanha aí eu participei da candidatura de "Galou"(67). O diretório estava na mão de Mário Matos, que era do Partido Comunista Brasileiro, e...vamos dizer... as forças de oposição ao Diretório, né, elegeram "Calou".
Samarone- "Calou"era...
Edinaldo- Aldo Luís Benés... para presidente do Diretório. E "Calou" foi identificado na época como o candidato da reação. Na realidade, era um cara de esquerda, mas, dentro dos padrões da Escola de Engenharia, ele contou inclusive com o apoio da reação, está certo? E eu apoiei "Calou", naturalmente. Não era do Partido. No diretório de "Calou", eu fui convidado para presidir a Comissão de Restaurante. Na Escola de Engenharia. Eu começei a tomar conta de restaurante(118). Já no ano seguinte, em 1963, perto das férias...
Samarone-Isso continuou indo e vindo? (refere-se a Carpina)
Edinaldo-Não, eu já estava aqui desde o 3º ano científico.
Samarone-Morando aonde?
Edinaldo- Morei primeiro em pensão, na rua Gervásio Pires(131), e depois a gente, quando entrou na Escola, a gente ainda passou um tempo numa pensão na rua Gervásio Pires, que era vizinha da que eu tinha, depois a gente alugou um apartamento na Riachuelo, na rua do Riachuelo. E depois disso, passou um período aí - era uma kitinete atrás da escola praticamente - passou um período aí (150) , depois mudamos para o Cais José Mariano, ao lado da Cilpe, num apartamento grande lá, onde fomos mais gente da escola, né? Tinha um pessoal que tinha a chave e ia para o apartamento, do apartamento fomos deixando, tinha uma proposta de um apartamento maior, e fomos para um apartamento maior. Então, praticamente deste outro apartamento, a gente concluiu o curso de Engenharia. Agora...Como eu ia lhe dizendo, em 63(182), mais ou menos durante as férias, os colegas que eram filiados ao PCB começaram a me acordar e me emprestar um livro de política. Filosofia. E eu passei as férias, lí esse livro...
Samarone- Essas férias de meio do ano?
Edinaldo- Foi ...Passei até essas férias em Carpina. E foi ai...Lí, meditei etc. Foi o meu primeiro contato com o Marxismo.
Samarone- Depois disso?
Edinaldo- Claro que eu entrei no Partido Comunista Brasileiro e permaneci ai até ...
Samarone- Você se filiou ao partido mesmo...
Edinaldo- Me filiei ao partido...Eu entrei na Engenharia em 63, no 2º semestre. E depois , em 1966, exatamente durante o mês de julho...
Samarone- Quando?
Edinaldo- Em 66 no mês de julho. Vejam a catástrofe(?). Nas férias ainda, eu estava fazendo o último ano e queria me afastar daquilo para me dedicar aos estudos, porque a família toda estava esperando que eu me formasse. Se eu não me formasse iria ser... Até setembro, eu seria ser um dos secretários da diretoria do Diretório Acadêmico. E nessa altura , era o diretório de Aécio Neves, e estavam Aécio e Cândido presos. Outros diretores estavam sendo procurados, e na prática, eu fiquei como presidente do diretório, respondendo por todo o diretório. De certa forma, na clandestinidade, Na clandestinidade não, era motório, eu tinha sido eleito em eleições e essa coisa todinha. Mas...não me prenderam. Prenderam... e a prisão de Aécio se deu porque teve uma assembléia em que cplegas que haviam prestado depoimentos. Essa assembléia resolveu expulsar os caras do diretório. Foi isso que irritou e foi isso uma das causa da prisão do Aécio.
Pois bem, mas nessa situação aí, eu estava vendo o final do ano se aproximar e tinha que terminar o curso.Não podia com essas atividade todas. Então, ia terminar o mandato do diretório (... ilegivel) - e eu pedi afastamento ao Marquinho. Mas o Marquinho não me deu o afastamento. Então resolvi deixar mesmo. Então deixei o partido e foi exatamente neste mês que aconteceu a...a... explosão do aeroporto - quando nem militante do partido eu estava.
Samarone- No dia da explosão, onde você estava aonde?
Edinaldo- Eu estava em casa, nesse apartamento do Cais José Mariano. A empregada, que é uma senhora que ainda está viva ...Ela ... eu estava dormindo no momento da explosão...Quando me acordei, ela me disse: "houve uma bomba que estourou no Aeroporto. O repórter Esso deu em edição extraordinária". Era um pouco antes da hora do Repórter Esso, que se não me engano era 8 horas. Então esperei exatamente, antes de sair, esperei o Repórter Essso para ouvir e saber com mais detalhes. E aí eu tomei conhecimento do caso. Nessas condições.
Samarone- E a tua reação, qual foi?
Edinaldo- A minha reação foi... Eu imaginava que tinha sido a direita. Dentro do Partido Comunista, nada indicava naquela época que aquele tipo de atentado pudesse ser uma coisa defendida pelas esquerdas. Pelo menos pelo que eu tinha conhecimento. Eu tinha mais conhecimento naturalmente do que concernia ao PCB- o Partido Comunista.
Samarone- Naquela época a luta armada ainda não era...
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Edinaldo- AP já existia nessa época. Acho que os próprios militantes da AP da escola de Engenharia, na sua maioria... A AP soltou uma nota contrária também, na época. Todo mundo...
Samarone- De repúdio?...
Edinaldo- É, de repúdio ao atentado terrorista etc, e de repúdio também à atitude da Polícia, de querer ... Nós achávamos que aquilo eali ra exatamente para comprometer e desencadear uma onda de prisões e essa coisa toda, como de fato aconteceu. Então a interpretação na época foi essa. Ninguém podia imaginar que a coisa surgisse de um grupo de AP isolado.
Samarone- Você não chegou a ser preso nessa época...
Edinaldo - Não, não... Eu fui preso em dezembro de 1968, dois anos e meio depois.
Samarone- E nesse período?
Edinaldo- Nesse período, normalmente, não tinha nada que ver, continuei estudando, terminei meu curso, me afastei da militância política, passei a dedicar mais tempo ao estudo e às aulas particulares que dava etc para estudantes...
Samarone- Sempre nesse apartamento...
Edinaldo- Sempre morando nesse apartamento. Terminei o curso, em dezembro de 1966. Em mais ou menos fevereiro/março, depois do carnaval, em 1967, consegui meu primeiro emprego e fui trabalhar em São Luís do Maranhão. Ia preparar a rede de distribuição para receber a energia de Boa Esperança, que estava em construção na época.
[Trecho sem importância para a pesquisa. Não transcrevi]
Passei em São Luis uns 4, 5 meses, aí voltei. Fui trabalhar na Cerma. Meu trabalho também era viajando, fazendo eletrificação rural. Eu viajei para o Rio Grande do Norte, região do Seridó- Parelhas, Acarí, Jardim do Seridó - aquelas cidades ali, e depois eu viajei para o Ceará - aquela região de Crato, Juazeiro, Barbalha. Voltei para Recife já no ano de 68. Não... Acho que era 68 mesmo.
As atividades políticas no final de 67 estavam muito grandes, devido ao Congresso do Partido Comunista que iria haver. Então novamente eu retomei de certa forma trabalhando - a essa altura na Votorantin, na fábrica de Igarassu. Retornei a trabalhar , mas retornei uma certa atividade política. Dentro ainda do Partido Comunista, nós queríamos ver se modificávamos a linha política geral...
Samarone- Por que? A linha política estava caminhando para...
Edinaldo-Porque era o seguinte - foi o grande debate, se a revolução seria armada ou não. Luta armada ou não. Havia uma tendência no partido de dizer que a revolução poderia ser pacífica. Muita coisa que desde o Golpe de 64, havia correntes de defensores que era uma certa acomodação do partido, e outra linha que pugnava uma atividade mais efetiva. Bom, em termos filosóficos, a discussão era: a luta pode ser armada ou não?
Samarone- E a sua posição, qual era?
Edinaldo- A minha posição era de que a revolução seria armada. Necessariamente não haveria... Na época isso... Na verdade eu não via como... A direita estava se fortalecendo cada vez mais, cada vez mais a violência institucional aumentando, e como isso poderia não ser violento. Bom, até o Congresso. No final do Congresso, realmente...
Samarone- O Congresso foi aonde?
Edinaldo- Não me lembro onde é que foi. Primeiro porque era clandestino, segundo porque não participei do Congresso. Participei das discussões internas etc, mas se elegiam delegados e no final da história, como o Partido era organizado em células de militantes... aí era todo um processo em que as bases elegiam delegados, que elegiam delegados, que por final... Mas o fato é que esse Congresso é que culminou com a ruptura de várias tendências. Uma das quais, a Corrente Revolucionária, que mais tarde iria dar no PCBR. Esse que naturalmente participei praticamente de toda discussão e fundação.
Samarone-Conhecia o Zarattini ou não?
Edinaldo- Não. Eu participava disso e a gente tinha atividade normal da gente.Eram vários grupoos atuando em setores e cada um tinha suas obrigações.
Samarone- Então você não estava clandestino...?
Edinaldo- Eu estava trabalhando e estava... clandestino, porque estava exercendo uma atividade política, certo? Mas acontece o seguinte - já há um certo tempo, desde que eu tinha viajado para São Luis, praticamente eu tinha deixado o apartamento do Cais José Mariano. E ficava lá quando estava aqui em Recife. Depois eu mudei e fui morar exatamente com José Amilcar Soares Claro, que foi preso com a gente.
Samarone- Lá em Boa Viagem.
Edinaldo- Em Boa Viagem. E Zé Amilcar conhecia Ricardo Zarattini lá de São Paulo, que era o movimento estudantil e essas coisas todas. Ele tinha feito um curso de Engenharia no Ita.
Samarone- Vocês estavam...
Edinaldo- Quando nós estávamos ainda no apartamento...Normalmente, era nós dois que *morávamos no apartamento, certo? E o Zarattini passava por lá e...
Samarone- Foi lá que vocês se conheceram...
Edinaldo- Foi lá que nos conhecemos. E às vezes ele passava meses, um mês ou uns 15 dias, uma quinzena, ficava lá, depois depois desaparecia, viajava ou ia para o interior...Até dezembro, quando a gente foi preso, dia 10, ele tava...tinha alugado exatamente uma casa, pro lado da Ribeira, por ali, Afogados....Era Afogados,eu acho, a casa... Nunca soube onde é que ficava a casa exato...Mas tem o endereço... E ele estava para se mudar. Por coincidência, adoeceu e não se mudou. Adoeceu...teve uma diarréia. Por isso não se mudou. Ele usou meu carro no domingo. Eu viajei no sábado, viajava pra Maceió no sábado pra fazer atividade política, né? Assistência ao pessoal... E emprestei meu carro para ele fazer a mudança, levar as coisas dele que estavam lá no apartamento no coisa... no...pra essa casa que ele havia alugado. Ele saiu no meu carro e tava sendo observado, coisa que eu também sabia, os companheiros tinham me avisado que eu devia mudar do apartamento porque tinham sido presos uns camponeses que eram ligados a ele e tinha aberto que ele tava aqui e essa coisa toda, e a Polícia tava no encalço dele. De maneira que foi visto no meu carro, a placa foi tomada, o pessoal começou a seguir o trajeto do carro, essa coisa toda, a procurar pela placa o dono do carro...(inaudível). Então eu chego no domingo, ele diz que está tudo bem, no outro dia se mudaria e no outro dia ele amanheceu doente, um desarranjo intestinal...aí ele disse 'não vou me mudar hoje. Vou ficar...tomar um remédio, descansar, e se amanhã eu amanhecer melhor, eu mudo'. Naturalmente tinha uma empregada, essa coisa toda, para ele era muito mais cômodo ficar lá. Quando foi à tarde, às cinco horas mais ou menos, eu tava lendo uma revista Realidade, na época... E essa revista trazia, era uma revista da editora Abril, que era mensal, que era um pouco anterior. Era o mês de dezembro, devia ser a revista de novembro. Tinha uma reportagem sobre o Prestes. Eu me lembro como se fosse hoje. O Prestes estava na Realidade, que eles teriam feito uma entrevista com ele, feita na clandestinidade. E eu tava lendo esta revista quando chegou o Moacir Sales e bateu no apartamento, era mais ou menos cinco horas, cinco e meia da tarde, se dizendo delegado de..de trânsito...
Samarone-Ele chegou acompanhado?Edinaldo- Chegou acompanhado de ...o irmão do cara que me vendeu o carro. Eles já tinham a essas alturas passado no apartamento do Cais José Mariano, pensando que eu morava lá, e de lá deram o endereço e ele seguiu para Boa Viagem.
Samarone- Ele tinha mandado, essas coisas...?
Edinaldo- Nada, com mandado coisa nenhuma. Não tinha mandado nesta época! Isso eles iam, batiam...toda essa história de mandado que tem aí, isso tudo é fantasia. (ilegivel)...Também disse que nós fomos pegados, presos em flagrante delito. Que flagrante? Zarattini deitado numa cama, doente, e eu lendo uma revista realidade.
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Samarone - Vamos tomar um cafezinho?
Edinaldo- Vamos.
(Intervalo)
Edinaldo- ...fomos levados para uma delegacia, nós, o Moacir Sales, essa coisa toda...O Moacir Sales também quando chegou lá chamou o policial e foi com o policial, além da coisa que tinha...E a história logo que ele inventou era a seguinte: que o meu carro teria atropelado alguém, e que eu precisava ir à delegacia para me explicar (inaudível)...Não é possível...Me veio logo a dúvida...(inaudível)
Bom, mas eu acho que estava de bermuda, quís me vestir direito, ele não permitiu."Não você vai assim, depois você volta, vai assim mesmo". E aí pronto. Nós fomos, não voltamos mais. Depois ele veio, entrou, depois que ele falou comigo ele saiu e entrou no apartamento de alguém, e quando chegou lá em casa Ricardo estava deitado no fundo e entramos, né? Aí ele deu voz de prisão a Ricardo. "Você é Ricardo Zaratini, você está preso", e foi imediatamente tirando o cinturão da calça de Ricardo e...
Samarone- Por que isso? Tirar imediatamente o cinturão?
Edinaldo- Tiravam o cinturão porque...bobagem...não sei se isso funciona ou não, mas é uma das técnicas para evitar de você correr, porque se você correr, as calças caem e você se atrapalha. Acredito que é isso.
Então eles fizeram isso, e aí nos levaram presos. Uma situação de três dias... Um durante a madrugada, nos forçaram a fazer exercícios...(inaudível)
Samarone- E já fazendo alguma relação com o Aeroporto?
Edinaldo-Não...Acho que nos dois primeiros dias não fizeram nenhuma relação. No terceiro dia, no interrogatório comigo....no terceiro ou segundo dia, eu não me lembro. Já no segundo interrogatório, Celso Miranda (? Conferir nome) vira para Moacir Sales e diz assim- "Não foi ele, doutor? Não parece com o cara que soltou a bomba no Aeroporto?". Aí Moacir Salles diz assim - "É mesmo, Miranda". Pronto... E eu respondí - "Brincadeira tem hora".
Samarone- Você disse assim?
Edinaldo- Foi. Ele disse - "Brincadeira o que, rapaz. Nós estamos aqui para brincar!". E aí começou a coisa.
Samarone-A partir desse momento...
Edinaldo- Não, mas a gente já vinha levando tapa pra dizer o que fazia, e porrada e esses exercícios, depois de madrugada um banho frio, de maneira que no outro dia você acordava...estava sem fazer uma ginástica regular, no outro dia estava lascado, não podia nem levantar, nem levantar um copo de água. E essa coisa aí das madrugadas, essas torturas das madrugadas, parou exatamente no momento em que foi promulgado o AI-5, no dia 13 (13 de dezembro de 1968). Acho que nós fomos as únicas pessoas beneficiadas pelo AI-5, porque cessou o pau. É ele tentando...(inaudível). Ele... (inaudível)
[Intervalo]
Samarone- Sim, você tinha que dito que era uma das únicas pessoas beneficiadas pelo AI-5.
Edinaldo- É...um dos poucos..
Samarone-E eles pararam as...
Edinaldo-As torturas.
Samarone- E eles deram alguma explicação?
Edinaldo- Não, simplesmente é porque a partir daí eles tinham mais tempo para comunicar à Justiça. O que o AI-5 fez foi exatamente isso aí.
Samarone- Bom, você e o Zarattini naturalmente estavam em celas separadas, não é?
Edinaldo- Não, nesse período aí não. A gente passou negócio de uns...sei lá, uns 10 dias talvez...no Dops. Depois famos transferidos para o Esquadrão de Cavalaria. Lá nós ficamos todo o mês de dezembro, acho que o começo de janeiro...a gente ficou separados. Só em...
Samarone- ...68, né...exatamente início de 69, não é?
Edinaldo-Já era 69, início de 69.
Samarone- Certo, aí vocês estavam no Esquadrão de Cavalaria, aquele que é...
Edinaldo- Ainda em dezembro nós fomos para lá, em dezembro de 68.
Samarone-Vocês já estavam sentindo que eles iriam engrossar com esse negócio mesmo do..(Refere-se à explosão do Aeroporto, em 1966).
Edinaldo- A essas alturas, a gente...a Aeronáutica já tinha entrado na coisa...Só que isso aí era uma atitude comum. Quer dizer, eles prendiam todo mundo e todo mundo que era preso, eles colocavam...E como eu lhe disse, quem me comunicou foi uma empregada.
Samarone-Quem comunicou o que?
Edinaldo-Quem me comunicou a explosão...eu tomei conhecimento através da empregada.
Samarone- Aqui é um dos únicos lugares...
[Diálogo curto, inaudível)
Edinaldo- Mas, uma das coisas que contribuiram para que eles mantivessem a acusação foi o seguinte. Eu morava com um, num apartamento...
[Interrupção]
Samarone- Sim, você morava num apartamento...
Edinaldo-Éramos estudantes da Escola de Engenharia, uma república de estudantes. E tinha, quase todo mundo tinha uma linha política. Tinha gente que era independente, tinha gente da AP, tinha eu que era do Partido...
Samarone- O Zarattini...
Edinaldo-Não, nesse apartamento eu não conhecia o Zarattini ainda. Estou dizendo isso em 66.
Fim do lado 1, fita 1.
Lado 2, fita 1
Edinaldo- ...E se você ..."Pode provar que estava em Recife?", eu digo...Posso provar que estava em Recife.
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[Lucila,mulher de Edinaldo fala algo. Ele responde com um "Oxente, e porque?" tipicamente pernambucano]
Edinaldo-...Então quando me perguntarem como é que eu podia provar, só tem uma maneira de provar...
[Lucila oferece alguma coisa para comer, café etc. Fica para mais tarde]
Edinaldo- Pois bem...Só tinha uma maneira de eu provar que estava e era exatamente convocando Minervina, que nesse tempo já era velha, já era uma pessoa velha, hoje ela está bem velhinha. E aí, eu ía molestar Minervina, e podia acontecer tudo. Ninguém sabia o que tinha acontecido. De qualquer maneira, me pegaram e jogaram uma acusação dessa em cima. Se eu ficasse...se nós ficássemos sozinhos nessa acusação, não ía ter muito como eu (inaudível)... Não ía ter muito como provar, afinal de contas foram três bombas simultâneas, está certo? Então o melhor aqui é eu dizer que me esquecí de quem foi que me disse. E eu respondi que... tinha me esquecido quem era que tinha me comunicado. Que eu sabia que estava dormindo, tinham me acordado...Contei os fatos sem contar as pessoas envolvidas, está certo? Sem contar... (inaudível) . A coisa não funcionou e...como é que se diz...Diz Minervina que o meu advogado, junto com minha família, procuraram ela e fizeram ela gravar um depoimento. Quer dizer, ele levou um gravador e perguntou a ela onde é que eu estava, como é que tinha sabido da história, esse negócio todo...E ela disse tudo, do jeito que estou dizendo a você. Agora...o meu próprio advogado de defesa nunca levou nem chamou ela, naturalmente...acho que por respeito a mim, né? Quer dizer, seu eu quisesse que ela prestasse depoimento mesmo na faze de Justiça eu teria dito o nome dela, mas achava que ela.. e acho que ele também achou no final quando a conheceu, porque viu que se tratava de uma pessoa completamente desprotegida. Se eles já pintavam miséria com a gente, que tinha origem...que tinha a família em cima, essa coisa toda, advogado... Ela era uma pessoa lascada...Lavadeira, né? O que é que os caras não eram capazes de fazer com ela, inclusive para tentar forçar...
Samarone- [Cita um caso que não tem nada a ver com o caso]
Edinaldo-...Pois bem, isso era que eu tinha medo, de que no final das contas seria eu o responsável. Preferia já que estava na chuva pra me molhar, assumir a coisa sozinho sem botar nenhuma pessoa mais, porque se fosse formado um grupo, de qualquer forma, ficaria mais fácil provar que era o grupo que tinha feito o atentado, e as três bombas sairiam nessa coisa todinha. E uma das grandes falhas do processo é exatamente que tem eu sozinho para botar três bombas ao mesmo tempo em três cantos diferentes, não é? O que...
Samarone- Fisicamente...
Edinaldo- Precisava eu ser o cão, né?
Samarone- O fato de você estar ligado com a Engenharia, eles aproveitaram para...
Edinaldo- Foi, também. E como eu era engenheiro eletricista... Então..."Rapaz, o homem é engenheiro eletricista. Uma bomba para ele é uma besteira". Até eu conversando com meu concunhado que é engenheiro de minas e que terminou comigo em 66 e falamos sobre isso, ele disse- "Mas rapaz, se fosse pra mim, eu sou engenheiro de minas, está certo, eu mexo com bombas, vivo trabalhando com dinamite, mas com você? É um absurdo uma coisa dessas, porque eu acho que tu nunca viste uma dinamite. Tu já viste uma dinamite?". Eu disse não, até hoje, nem depois. [Risos]
[052 a 056 não transcreví]
Samarone- Agora..Bom...Aí, 69 né? Você está... [Ao fundo, palmas em um disco que Edinaldo tinha colocado antes]. Tem um negócio num trecho do livro do Paulo Cavalcante, que ele fala que você...aquilo me tocou muito pelo relato que ele fez, que eles começaram os mal-tratos, as torturas, lá você foi muito mal tratado, principalmente na... E tem um momento que ele fala que você ficou cantarolando um trecho de uma música, que você...
Edinaldo- Não, é verdade. Isso aí é um fato, o seguinte... O primeiro processo que eles moveram contra nós foi por tentativa de fundação de partido ilegal. Certo? [palmas ao fundo, vindas do disco]. E aí foi uma tática para ganhar tempo. Nós fomos condenados a um ano. Nesse período aí nós estávamos já cumprindo pena de um ano no Esquadrão de Cavalaria. [Inaudível] dizendo à gente inicialmente que ficou separado, do Esquadrão de Cavalaria, mas eu acho que no mês de janeiro, o auditor e o procurador, que era Francisco de Paula Acioly, foram ao Esquadrão de Cavalaria ver a gente. E então comunicaram ao comandante do quartel que nós tínhamos direito a prisão especial, que ele determinasse uma área para nós circularmos. Nós não poderíamos ficar... Quebrou a incomunicabilidade, ele disse que nós não poderíamos ficar...
Samarone-O auditor, né?
Edinaldo- É, o auditor, o juiz. Aí então nos foi dito. Foi destinado uma área lá e a gente passou [Inaudível]... Quando a gente acho que já estava condenado pela Justiça Militar de um ano, a Aeronáutica ficou pressionando. Então vez por outra vinham buscar a gente no Esquadrão de Cavalaria e levava pra lá. E era tempo da denúncia que Maurílio fez [refere-se ao então deputado federal pernambucano Maurílio Ferreira Lima] sobre a Operação Para Sar, que a Aeronáutica estava pegando gente, [inaudível] ... botava num avião e jogava no mar. Então a gente passou por uma tensão muito grande por conta disso. Recebí um telefonema ou os caras chegavam no quartel, a gente telefonava para o advogado ou o auditor, para comunicar que estavam levando a gente, que era para evitar qualquer coisa deste tipo...
Samarone- E eles levavam lá pra..
Edinaldo- Eu vou baixar um pouquinho...[088]
Samarone- Não... está bom...
[intervalo]
Samarone- Sim, e aí...
Edinaldo- Bom, então nós tínhamos muita coisa. Depois veio a fuga do Zarattini. O Zarattini fugiu do Esquadrão de Cavalaria...
Samarone- Quando eu conversei com ele parece que ele falou inclusive que você estava próximo já de terminar sua pena, né? Sua...
Edinaldo- Não, na verdade, eu acho que hoje a gente pode dizer com tranquilidade, eu achava também que um pouco...o fato de eu ter sido preso com o Zarattini, que já estava sendo procurado, que tinha uma atividade política muito conhecida. Porque a minha atividade política não era conhecida pela Polícia e pelos órgãos de segurança, eles passaram todo o tempo formulando hipóteses que eu seria... eu fui preso com programas de três partidos diferentes, então eles achavam porque tinha inclusive documento do PCBR, que eu era do PCBR, mas não tinham certeza, porque...tá certo? E eu também disse que não pertencia a nenhum. Eu neguei que pertencesse a qualquer partido, e que aqueles programas me mandavam pelos correios e coisas deste tipo.
Então eu achava também que o fato deles terem jogado a questão do Aeroporto, que era um negócio pesado demais para as circunstâncias em que a gente tinha sido preso e tudo isso... [106- Inaudível] era resultado de duas coisas - uma deles não saberem absolutamente nada de mim, não saberem sobre minha militância, nenhum fato que pudesse me levar a uma condenação. Segundo lugar [palmas ao fundo] - eles achavam, por um documento que caiu, que eu era um sujeito perigosíssimo, e que estava...o jeito delicado...muito mais, como é que se diz...extrovertido...e eu um sujeito mais calado... eles achavam que eu era o crânio [Neste momento, um grupo chileno começa a cantar uma música que marcou o governo Salvador Allende. A entrevista fica um pouco "perturbada", entrando em outro nível], o intelectuador, o intelectual da coisa...
Samarone- Bonito, né?
Edinaldo- É, bonito. E bonito é.."Unidos"....[inaudível]. "El pueblo, unido, jamás será vencido", que é outra coisa deles que... Mas eu tinha a fita aí e perdi.
(continua....p.5/12)
(continuação p.5/12)
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Samarone- Ah, isso que se diz muito...é...
Edinaldo- É de uma música deles. Porque era uma palavra de ordem [inaudível]
Samarone- Aí eles achavam que...
Edinaldo- Eles achavam isso aí. Ai então eu digo.. Bom... Tudo isso é pelo fato de eu ter sido preso [inaudível], de certa forma. Que é por eles ficarem sabendo do envolvimento dele [do Zarattini] e não sabem nada a respeito de mim. Então eu acho que se de certa forma a gente se separa, o Zara foge eu não fujo, eu fico, eles não terão como levar esse inquérito adiante. Eu me equivoquei. Ele levaram o inquérito adiante. A pressão era muito grande e muito forte sobre mim, porque eles não sabiam nada de mim. O Zarattini eles teriam como condenar, de certa forma tinham o depoimento de outras pessoas, mas de mim não. Ninguém sabia, não tinha caído ninguém...[a filha de Edinaldo chega]... Não pegaste essa chuva não, né?
[Intervalo]
Edinaldo- Foi por isso que eu não fugí. Mas com a fuga de Zarattini...
Samarone- O Zarattini fugiu em que época, foi em 69, não foi...Que mês?Edinaldo- Março ou abril, uma coisa assim...
Samarone - Ai ele foi, você...
Edinaldo- Ele foi, eu fiquei.
Samarone-Teve oportunidade de você ir também ou não? [139]
Edinaldo- Teria, se eu quisesse...Eu queria fugir também, mas [inaudível]
Samarone- Mas a sua avaliação foi de...
Edinaldo- A minha avaliação era diferente. Foi essa que eu disse a você. Se eu fico, é provável que os caras não levem esse negócio adiante. Se...
Samarone- Zarattini chegou a tentar te...
Edinaldo- Não, a gente conversava e ele colocava isso aí... E ele sabia que eu não iria. Bom, essa é a avaliação que eu acho que na época eu fiz pra ele e acho que se você...[inaudível] ... e eles não vão levar o processo adiante. E daí eu fui transferido, no dia da fuga dele eu fui transferido para o Comando Geral da Polícia Militar... Nesse período eu desapareci, minha família me procurava por todo canto, ninguém dizia onde eu estava. Advogado também atrás...
Samarone-Ficaram putos, né?
Edinaldo- É. E me esconderam lá, certo? Até que me transferiram, depois do Comando Geral da Polícia Militar, fui levado para o comando do quarto Exército, acho que sétima região militar, quarto exército, e depois me mandaram para o R.O. de Olinda, e lá me colocaram numa cela sozinho, certo? Nessa cela, eu passei muito tempo, até que o processo do Aeroporto começou a...
Samarone-... a ganhar...
Edinaldo- A evoluir. Tá certo? [161] [inaudível] dos caras aí, eu já não saía mais para ir para a Aeronáutica, o pessoal do Exército não deixava. Iam me interrogar lá. Mas praticamente nada foi acrescentado durante esse período todo. Quando se aproximou da denúncia, os caras iniciaram um processo de tortura porque eles não podiam mais tocar em mim. Certo?
Samarone- Depois que fosse...
Edinaldo - Depois que eu estava lá, eles não podiam mais tocar, eu estava cumprindo pena, estava sob responsabilidade da Justiça. Aí eles iniciaram um processo de tortura através de ruídos, e eu acredito também drogas...
Samarone- Na alimentação...
Edinaldo- Na alimentação, nessa coisa todinha. De forma, que disso aí resultou numa espécie de uma neurose, de um desajuste mental, que eu passei a ouvir vozes, parei de falar... o que é também uma reação. Como os caras estavam forçando para eu falar, essas vozes, essas coisas...
Samarone- Isso é uma coisa que se estende pela noite...[inaudível]
Edinaldo-Exato. [180] Depois o negócio teve uma evolução só. Eu tinha visões. Também via coisas, apareciam pombos, esse negócio, uma série de coisas desse tipo. Durante esse processo ai, como eu disse, foi uma reação também para não falar, que eu terminei achando que... quase mudo...Falava muito pouco...E achando que quando eu pensava, os caras estavam captando meu pensamento. Então, por exemplo, se eu fosse falar com você, permaneceria calado aqui, pensando e achando que você estava entendendo. E eu ficava dialogando sozinho aqui na minha cabeça. Eu mesmo fazia minha pergunta, suas respostas, respondia às suas perguntas que eu mesmo formulava, no final das contas, tá certo? Ficava com os olhos fixos e simplesmente olhando. Foi um... acho que uma defesa do próprio organismo. Foi nesse período aí que eu já estava num processo digamos neurótico bastante desenvolvido, quando os caras resolveram se livrar de mim. Transferiram...
Samarone- Foi nessa época aí que...
Edinaldo- Que aconteceu aquele negócio...
Samarone- Era uma sonata que você...
Edinaldo- Não, eu vou lhe dizer qual... Então me transferiram do R.O. para a segunda companhia de guardas. Me transferiram. Bom, e durante esse período todo eu não sabia para onde ia, essa coisa toda, nem queria, como eu lhe disse, pensar principalmente no nome das pessoas etc. Quando chegaram na segunda companhia de guardas me amarraram ou me algemaram na porta da grade, e era o xadrez onde estavam alguns presos políticos. Entre eles, o irmão de Cristóvão, Sérgio Buarque, que era quase que um irmão meu, e que falou - "Edinaldo, sou eu, Sérgio". Então, para não falar no nome dele e essa coisa todinha, ele queria conversar comigo, eu não queria conversar, eu achava que o que eu estava pensando estava saindo, então eu começei a acompanhar na cabeça, no pensamento, ao invés de pensar, eu começei simplesmente a... vamos dizer...não é solfejar, é como seu eu estivesse [imita com a voz] "A Pequena Serenata de Mozart", o tempo todo na cabeça, durante todo o tempo que passei ali. E não disse absolutamente nada para Sérgio, não respondí nada do que ele perguntou, não conversei com ele... Foi isso aí que fez com que o pessoal percebesse - foi uma das coisas que fez com que o pessoal percebesse que eu não estava normal. Que eu estava doente, estava num processo... Hoje eu costumo dizer que eu sobrevivi a um câncer, uma loucura e duas ditaduras. A loucura é essa aí. [222] Tá certo? Porque isso aí durou muito... aí foi mobilizado...quer dizer...o pessoal levou para as famílias, as famílias levaram para minha família, que já estava achando o negócio esquisito, eu também não conversava, eles iam lá e eu não conversava com meu pai e com minha mãe, ficava escutando o que eles tinham a dizer. E então...os advogados conseguiram transferir a gente para a Casa de Detenção do Recife. E aí o auditor, segundo me informaram, não sei até onde é verdade...
[Interrupção]
Edinaldo...o auditor informado de que eu estaria fora de mim, quer dizer, desequilibrado, porque os caras tinham me desequilibrado, também não parecer uma medida parcial, ao invés de me transferir, no dia em que me transferiu, transferiu todos os presos que estavam em quartéis no Recife.
Samarone- Para a Casa de Detenção...
Edinaldo- Para a Casa de Detenção.
Samarone- Tu lembra...Iso foi em 69...
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Edinaldo-Isso aí deve ter sido mais ou menos...eu me lembro que na parada de 7 de Setembro eu ainda estava no R.O. Eu devo ter passado um...É interessante. Esse processo é iniciou e eu marquei, uns três dias antes mais ou menos do dia 11 de julho, uns três dias antes da data nacional francesa, que eu escutava num radinho, eu tinha comigo, a rádio difusão francesa, no programa que transmitiam para o Brasil - e outras emissoras estrangeiras - e por ai eu sabia de muita coisa que não se sabia no Brasil, porque também não me deixavam ler jornal, quando eu lia jornal os caras tiravam todas as notícias que vinham sobre...cortavam o jornal todinho...é...Então mais ou menos deve ter sido aí uns três dias antes do 14 de julho, portanto dia 11, dia 10, dia 12 de julho mais ou menos, que esse processo de ruídos iniciou. Aí era ruído de pingo d'água, uma caixa de descarga que tinha em cima da cela, que dava descarga e enchia a noite todinha, dava descarga e enchia de novo a noite todinha, dava descarga...
Samarone- Repetição...
Edinaldo- É...uma lata de baixo com um pingo com um [imita o ruido do pingo] "tem""tem"tem", que era um negócio que ia crescendo, ia crescendo, daqui a pouco parecia uma porrada na cabeça, entendeu...Uma espécie de hipnóse, que eles batiam na parede da cela e coisa...e ai entra uma porção de...
Samarone-Vários mecanismos...
Edinaldo- De técnicas de tortura. Além disso, como eu lhe disse, eu desconfio que ia tóxico também, porque eu fazia regularmente o 5DX, que é uma ginástica canadense, e eram 11 minutos que eu levava.
Samarone- Ah, sim, eu conheço...
Edinaldo- Então...por exemplo, esse negócio começou, um ou dois dias depois que esse processo começou, eu me lembro que eu fiz todo o coisa em dez minutos ou nove minutos, uma coisa assim, e fiquei espantadíssimo. Que eu fazia, estava no meu limite, fazia em 11 minutos e às vezes passavam uns segundinhos, eu fazia o maior esforço. De repente eu fiz esse negócio todo em nove minutos, dez minutos. Aí eu fiquei assustado. [inaudível]. De noite não conseguia dormir. Tá certo? Era impedido de dormir. Queria dormir mas não podia. Ficava como se estivesse dopado...
Samarone- Aceso, né?
Edinaldo- Então apesar dos ruídos, do [inaudível] , eu não sei se era isso, se era...não tenho condições de dizer, se era isso, se era droga...tá certo...que dava aquele tipo de coisa, tipo né...Enfim, foi todo um processo que durou aí...durante o mês de julho, né, e que aí eu perdi o senso do real e do que era...tá certo? Perdi mesmo... Isso aí com todas as consequências de que eu lhe falei. Quando chegou no dia ....aí...mais ou menos, por essa época, julho de 69 ou 70...é, julho de 69 ou 70...não me lembro bem...é, acho que foi 70...deve ter sido feita a denúncia. De maneira que no dia 7 de agosto, que é o dia do meu aniversário, embora eu estivesse neste estado, eu fui, como é que se diz, intimado a depor. Fui depor na auditoria, nesse processo do Aeroporto, está certo? [309]. Na auditoria, eu repeti o depoimento que eu tinha dado na Polícia, que é exatamente esse de que eu não tinha nada a ver com a história, que estava dormindo na hora que aconteceu a coisa, que acordei, que alguém tinha me dito, mas que eu não me lembrava quem era que tinha me ...e pronto. É...depois do meu depoimento, e aí não sei precisar quanto tempo, eu sei que deve ter sido muito pouco...Isso dia 7 de agosto eu saí ainda acho que do R.O. para depor, certo, e foi aí que fizeram a transferência para a 2ª Companhia de Guardas, e aí me botaram com alguém. Foi quando aconteceu isso. Depois eu fui transferido para a Casa de Detenção. Na Casa de Detenção, minha família conseguiu, quer dizer, minha família e os amigos, né, conseguiram através de um estudantes e de uma psiquatra que foi com minha mãe lá, ia me visitar com minha mãe como se fosse uma tia, ou algum parente etc. Ela diagnosticou e medicou. Nós tínhamos um companheiro que era médico, e que os remédios eram passados por ele através de um estudante de Medicina que estava fazendo estágio na Casa de Detenção. Ele levava os remédios, e o Erico, que era um médico do Rio Grande do Sul que estava preso com a gente, me medicava, certo? E aí mais ou menos em dezembro...e todo este processo de cura, de tratamento, conseguiu me fazer novamente dormir, porque a essas alturas eu não dormia mais, passava a noite toda [inaudível] etc e o desajuste se agravava. Então depois que passou para a Casa de Detenção, houve consições de fazer o tratamento e ai fiz um tratamento, em dezembro mais ou menos, me lembro que estava até em época de natal, eu tive alta médica. Quer dizer, estava...desse problema ai eu estava curado. E então esse problema é uma descida ao inferno. Porque eu me lembro de muita coisa, muita coisa dessa que acontecia, era compulsória, mas ela tinha um nível de consciência, de certa forma... eram umas coisas mais ou menos conscientes. Então isso aí, só este períodozinho aí, dava um romance, essa loucura...e eu estou ainda para escrever isso... Essa fase da...Só para lhe dizer o peso das coisas aí, [inaudível], que eu achei que todo aquele pessoal que eu estava vendo, que conhecia, como eu estava pensando e as coisas estavam saindo eu achei que ele tinham...que eu tinha dedurado eles, então me deu uma ...uma sensação que eu era um...um sentimento de que eu era um...um delator, né...e eu tentei o suicídio. [371] Que...esse médico chegou na hora e evitou...ainda [inaudível] ... com gilete, eu tentei cortar o pulso. Mas aí é que está a história...durante esse corte, durante essa tentativa, eu pensei que por mais filho da puta...e vacilei...por mais filho da puta que eu fosse, eu tinha uma história pra contar e um negócio que eu não tinha nada que guardar, e que as gerações deveriam tomar conhecimento, de todo o processo e nessa vacilada, foi exatamente que o cara chegou e tomou a gilete da mão e acabou-se. Isso foi...isso foi uma primeira tentativa de suicídio. A segunda foi que eu dei uma...uma tapa na cara do chefe de guarda da Casa de Detenção, que era uma figura violentíssima, um homem que andava com um revólver deste tamanho...[392] Depois dessa tentativa eu achei que não tinha coragem de me matar, que não era um tipo suicida mesmo...
Samarone- Talvez fazendo com que...
Edinaldo- Pois é...Eu vou fazer com que ele me mate, porque inclusive ai, como eu não ia sobreviver mesmo, porque eu sou um [inaudível]
Samarone- Ah, você achava o...
Edinaldo- É.. o cocô do cavalo do bandido. E aí eu digo - ele me mata porque além disso serve à revolução. Tá certo? Quer dizer, a Imprensa vai dizer...
Samarone- Assassinou...
Edinaldo- Assassinou o cara preso etc, sem defesa. Cheguei na frente dele e dei uma tapa na cara dele. Pá! [inaudível] Tomou um susto assim...a felicidade minha... primeiro...que era o cara mais manso da Casa de Detenção. [409]
Edinaldo- Pois bem, o que aconteceu foi o seguinte - ele estava cercado pelo pessoal, estava conversando com o pessoal, e estava inclusive dizendo o seguinte - "Não, vocês presos políticos, hoje estão presos aqui, amanhã estão no governo, já aconteceu coisa desse tipo aqui...presos de 45 etc e que depois sairam daqui praticamente para ser secretário da Segurança ou secretário da Justiça, e eu fiquei dependendo deles". [inaudível] ...aquela conversa, né e tal... Aí eu fui me aproximando, como eu estava assim, como estava doente, o pessoal tinha muito medo de mim...aí foram se afastando... ai eu cheguei frente a frente com ele assim e vi o pessoal olhando, sem entender bem, e ele continuou falando, né? "[inaudível]...daqui uns dias vocês vão ser soltos etc...vai se provar que vocês não têm nada a ver com isso". Ai eu passei-lhe mão...
Samarone- Deu-lhe uma...
Edinaldo- [inaudível] Ele tinha...um preso Cláudio me pegou...e ficou na minha frente e saiu me levando, e os outros cercaram ele, para ele não...não se mover dali, sabe? Ele ficou perplexo assim...[inaudível] A sorte que isso foi testemunhado...Porque era na hora de banho de sol, essa coisa, tinha...foi no pátio, tinha preso [inaudível]...e o fato era rapaz, que depois dessa data, naquela época [inaudível]...os presos passaram a me respeitar pra burro...
Samarone- Foi mesmo?
Edinaldo- Porque o negócio ali é violência, né? A lei alí é da violência. Então cabou! Tu dá uma tapa na cara do chefe de guarda que mata, que tortura, que pinta miséria com todo mundo, esse cara é macho demais... Ou então é doido... Os presos passaram a me respeitar pra caralho.[021] Mas em dezembro eu estava bom...entendeu...Em dezembro o tratamento se consumou...
Samarone- Deu certo...
Edinaldo- Mas isso foi só para dizer a você que esse período foi terrível...né? Por causa dessas condições todas... Tem muitas outras coisas aí...Foram meses e meses de..uma tortura que seguia por sí mesma, que era exatamente...
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Samarone- Que ia crescendo...
Edinaldo- É...compulsões, essas coisas...não dormia...então...
Samarone- E o fato de não dormir também gera uma série...
Edinaldo- É...claro...as coisas...com os próprios presos políticos...
Samarone- E também o fato de...essa sensação de achar que entregou, né?Edinaldo- É, isso depois teve fim, né? Porque...a loucura é uma coisa interessantíssima. Acho que é uma experiência...não é absolutamente desejável, mas sem dúvida, é uma experiência terrível, porque você tem momentos assim de depressão, de que o negócio é [inaudível], que você tem momentos de euforia, certo? E no momento de euforia, pronto...você...também sai da realidade, não é? Também voa. Voa e vai se embora, e descola, quer dizer, não é só a angústia dos momentos de depressão, essas coisas. Você volta e encasqueta uma coisa na cabeça e eu sou um filho da puta e acabou-se. Não. Também teve momentos em que "não, eu sou um arretado mesmo, e acabou-se e pronto e sou o maior e..." Doido é doido, né? "Sou o líder na revolução mesmo e acabou-se". Também vendia essas coisas.
Samarone- Bom Edinaldo, mas aí...dezembro...mais ou menos...70, por aí... Sim, aí foi feita a denúncia...
Edinaldo- Foi feita a denúncia, o processo foi e durou até a sessão de julgamento, que aconteceu no dia 11 de fevereiro de 1971. E uma coisa...Durante o primeiro julgamento, da acusação de...de acusação de formação de partido político, essa coisa toda...grupos militares clandestinos, durante esse processo aí...no dia do julgamento, tava lá todo o Dops e também toda a oficialidade da Aeronáutica, para no caso de a gente ser absolvido, ser preso imediatamente. Inclusive os advogados alegaram que o fato de a gente ter sido condenado a um ano de prisão tinha se dado exatamente porque não adiantava soltar a gente. Se soltasse eles prenderiam e a gente só ia para a área da Justiça e os riscos eram muito maiores. Então os juízes colocaram um ano , assim a gente permaneceria sob a responsabilidade da Justiça, e eles não poderiam...quer dizer...mais...a linha mais dura, né? ....pegar a gente e voltar por exemplo a torturar...Poorque seria uma nova prisão, na frente de todo mundo, inclusive da Justiça...Mas eles queriam, estava sob a vigência do AI-5, eles queriam um tempo. E a essas alturas a repressão já estava muito mais...
Samarone- Forte, né...
Edinaldo- Muito mais forte, né? Então se resolveu isso ai...Condenou a gente a um ano...No segundo julgamento, eu não acreditava que...
Samarone- Que era relacionado com o...o...
Edinaldo- É. Que era relacionado como o Aeroporto, eu não acreditava que pudesse haver absolvição..
Samaroone- Foi quando o segundo?
Edinaldo- Foi fevereiro de 71. O primeiro foi em março mais ou menos, foi antes da fuga de Zarattini.
Samarone-Em 70...
Edinaldo- Em 69...
Samarone- Sim, sim, sim.
Edinaldo- O segundo foi...a sessão de julgamento mesmo foi...em fevereiro, 11 de fevereiro de 71.
[Intervalo]
Edinaldo- Desse aí...
Samarone- Você achava que...
Edinaldo- Que não teria possibilidade de absolvição, essa coisa toda...mas me surpreendeu bastante...parte desse processo, na instrução desse processo eu tinha respondido inclusive uma...como é que se diz...desastrado, né? [conferir. Audição muito ruim]. Mas eí, surpreendentemente, o Conselho decidiu pela absolvição, e eu sai dai para ir buscar as coisas na Casa...o alvará de soltura para ir buscar as coisas na Casa de Detenção. Foi quando eu sai. É... a coisa se deu...e um voto contra que parece que foi do juiz auditor. Que votou contra e não explicou o voto. Ele não justificou o voto dele.[110] O conselho me absolveu, digamos, de não quantos a um.
Samarone- Quase a unanimidade, né?
Edinaldo-É. O próprio promotor, na época, fez um libelo contra a família de Régis, que tinha utilizado a coisa...explorado politicamente a coisa...[inaudível] Não fez nenhuma acusação a mim. Porque...a nível de Justiça os fatos levantados no processo eram completamente insubstanciados. Tá certo?
Mas pela Lei de Segurança Nacional, o promotor era obrigado a recorrer em qualquer caso de absolvição a um Superior Tribunal Militar... E o voto do juiz tinha se dado exatamente com essa finalidade. [inaudível] Porque se fosse a zero, por unanimidade a absolvição, parece que não podia haver apelação. Uma dessas coisas...um desses detalhes processuais, tá certo? E lá no Superior Tribunal Militar o processo...Bom, eu saí da prisão, passei um período afastado, não sabia de nada, tá certo? Não dava cheque...
Samarone-71 né?
Edinaldo- Foi um período de 71...mais ou menos no final do ano, depois eu fui para Carpina, lá em Carpina eu fiquei, foi quando em julho de 71 me apareceu...antes disso me apareceu a notícia e posteriormente estourou nos jornais a questão de Raimundo, da morte de Raimundo e que, como você viu né...a situação na Casa de Pernambuco, implicado no...o autor da Bomba do Aeroporto é preso, essa coisa toda...AP, Ação Popular é responsável pelo atentado, que eu não gravei muito, nem achei de imediato que Raimundo seria mesmo. Achei apenas que era um fato interessante para mandar para o advogado no Rio para a apelação, mais um fato mostrando que o cara não tem nada a ver com isso. Quer dizer, que ainda hoje estão acusando gente pelo negócio do Aeroporto...Já era 71, cinco anos depois né...Eu já tinha saido e tudo. E de fato eu mandei. [inaudível] ... o requerimento da auditoria daqui do relator do processo que era Alcides Carneiro, certo? [142] E a resposta do Redivaldo [Redivaldo Aciolly, delegado] dizendo que não, que não era bem assim, que coisa, que não sei o que mais...Bom, mas aí quando houve a condenação do STM, porque antes disso, houve um julgamento em que eu fui condenado, está certo? Antes de mandarem esse papel, essa coisa toda...
Samarone- No STM, não é?
Edinaldo-Houve um julgamento no STM e fui condenado. Quando eu enviei esse negócio, já estava no Rio. E aí já foi por intermédio de terceiros, porque daqui eu fiz chegar às mãos do advogado Nilo Batista lá, essa coisa...Nesse ínterim, o Nilo tinha embargado, porque a diferença na votação para condenação foi de um voto...
Samarone-Tinha sido quatro a três né?
Edinaldo- É...um resultado assim. Foi um voto. Um voto de desempate do presidente. Aí ele embargou. Embargou... Aproveitando o embargo, foi que eu...porque quando houve a condenação, eu já estava trabalhando, estava trabalhando [inaudível] ...e aí eu [inaudível]...
[intervalo]
Edinaldo- Nesse ínterim, o Tribunal muda para Brasília, o STM muda para Brasília. E ai atrasa o julgamento do processo. Eu depois que sai do [inaudível] passei um período aqui, que era para mudar a cara, deixar o bigode crescer - foi a partir daí que eu começei a usar bigode. [inaudível] ... que aí eu mudei de cara...
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Samarone- Isso aí já estava entrando em 72, né?
Edinaldo- E viajei... isso aí já foi em 72. Viajei para o Rio [Rio de Janeiro], e do Rio ...o tempo que passei no Rio, mais ou menos um ano, o STM [inaudível] quase toda semana o processo. Na próxima semana julga, vai julgar, vai julgar, vai julgar...Ai mudou...
Samarone- Para Brasília...
Edinaldo- Para Brasília. Ai ele levou mais um tempo para julgar, depois de quase...um ano...dois anos...Quase um ano já tinha levado de 71 a 72 quando eu fui sair, está certo? E em 72, quando eu saí de Recife que eu fui para o Rio - passei quase um ano no Rio, menos de um ano...
Samarone- Já está chegando quase em 73, né?
Edinaldo- É...logo que chegou em 73, aí foi julgado. [inaudível] o negócio foi julgado e a condenação foi confirmada, porque não tinha me apresentado para cumprir os 10 meses de pena que faltava - eu fui condenado a dois anos , já tinha cumprido dois anos e dois meses, aí faltava 10 meses para cumprir, porque o total de penas era um ano da primera condenação, e dois anos da segunda. Dava três anos....Eu passei dois anos, dois meses e um dia na prisão. Não fui absolvido, aí sai. Como fui condenado a dois anos, faltariam 10 meses para cumprir. Quando eu não me apresentei para cumprir esses dez meses, os caras não tomaram conhecimento do embargo. A alegação técnica foi essa daí, tá certo? Então eu permaneci condenado, e foi ai que eu fui para o Chile. Foi mais ou menos março...
Samarone- De 73...
Edinaldo- De...de 73.
Samarone-Sim, agora voltando um pouquinho. O...eles jogam para a Imprensa... Como é que eles jogam para a Imprensa "Tá aí o pessoal do Aeroporto", dessa explosão?
Edinaldo- Uns dois o três dias...uns cinco dias talvez depois da prisão. Primeiro eles jogaram aquele negócio...Não espera aí... Não, eu acho que para a Imprensa, não sabiam... Nos prenderam e no dia seguinte eles já jogaram para a Imprensa isso aí. A gente não viu o jornal, viu o jornal depois, mas eles já jogaram que nós éramos os responsáveis. Depois começaram a arranjar as coisas, aí inclusive uma mulher que me reconheceu, essa coisa toda...
Samarone- Aí depois jogaram mesmo o...
Edinaldo- Aí já...o negócio foi jogado para a gente dessa forma que ele...[Aqui Edinaldo refaz o diálogo entre os delegados quando decidiram incriminá-lo. Repete as mesmas frases usadas anteriormente] "Não foi ele não? Não acha ele parecido com o homem do Aeroporto? ". "É mesmo". Aí eu digo: "Brincadeira tem hora"..."Que brincadeira o que, rapaz, nós estamos aqui para brincar!". O negócio pra gente, pra mim, foi jogado assim. Mas a essa altura, eles já tinham articulado e nós...
Samarone- [Mostra uma foto de Edinaldo estampada na primeira página do Jornal do Comercio] Naquela foto que tem alí do jornal... alí é uma primeira página de um...
Edinaldo- Você tem perfeitas condições de ver isso. Porque foi muito rumorosa a prisão da gente...Quer dizer, no outro dia eu estava no jornal, com um alarde muito grande... e a gente foi preso no dia 10. Então... é pegar o dia 10 de dezembro de 68 se ver se eles começaram a jogar isso no dia 10, no dia 11, no dia 12, no dia 13, 14 ou 15, enfim...
Samarone- Agora o que eu falo é o seguinte...Porque naquela foto alí está uma foto de primeira página, né? Parece. Bom...eles abriram assim para repórter entrevistar vocês...o pessoal...
Edinaldo- .[trecho inaudível]... e tem uma foto daquela, eu acho que é aquela mesma, que eu estou moído. Aí eu não mexo nem com os braços, estou sentado numa cadeira e os braços abaixados assim porque eu não tenho força para ... Se tivesse repórter me entrevistado naquela hora, eu teria denunciado, que estava sob tortura, que a minha situação era essa...Mas nem isso! Eles simplesmente abriram uma sala, entrou uns repórteres , pum meteram fotografias e foram embora.
Samarone- Sim, agora... Como é que isso chegou assim...É difícil... De repente você estava sendo apontado como uma das pessoas que colocou...
Edinaldo- Sim, você quer...O que eu sentí com a acusação.
Samarone- Sim, porque...
Edinaldo- O negócio inicialmente... a minha reação foi essa - "brincadeira tem hora". Quer dizer que é um negócio de incredibilidade total, não tem nenhuma seriedade nesse negócio. Depois me levaram uma mulher, que me botaram na frente dela, eu e ela sozinha, um delegado e outro policial, que disse "é ele". Ridículo, né? Simplesmente eu olhei para a mulher e disse- "minha senhora, a senhora está fazendo um negócio muito sério. A senhora se certifique bem do que a senhora está fazendo. Porque a senhora está comprometendo a vida de uma pessoa, que é uma coisa que eu não tenho nada a ver". E a mulher - "é ele"...Eu saí dali meio perplexo e bom...Os caras estão dispostos a fazer a coisa e vão arranjar testemunhas. Agora...de certa forma eu achava e...sem dúvida eles teriam, como tiveram, maneiras de arrumar coisas deste tipo, que marcam...Eu pensei até que fossem arrumar mais. No final da história, essa...não sei se foi a mesma mulher ou se foi outra mulher, está certo?...Mandaram para o Esquadrão de Cavalaria, no final apareceu uma mulher dessa que não foi nem na Justiça como testemunha, ela não foi nem considerada testemunha, foi considerada informante. Somente...desqualificaram como testemunha porque ela caiu em contradições terríveis. A mulher se esqueceu...nas alegações da defesa tem inclusive isso...A única pessoa que foi categórica na afirmação é uma pessoa que não sabia coisas elementares...[inaudível] ... essa coisa todinha...Quer dizer.. que estava lá no aeroporto, que tinha visto a pessoa que tinha ido levar a maleta e que não sei o que...
Samarone- Aí quando estava na prisão você já ...Já estava circulando na grande Imprensa que vocês eram..."São eles", né? Tu e o Zarattini, né?
Edinaldo-É. Depois, na época do processo, tá certo? O Zarattini não figurou na época do processo, só quem ficou fui eu. Porque eu tenho a impressão que na época do processo, o Zarattini tinha sido preso de novo durante o período que eu estava no R.O. em São Paulo...Quem foi me dar a notícia foi o major Glasner da Aeronáutica, e dizia ele -"bom, agora a gente não tem mais dúvidas e você vai ver, ele vai vir aí e vai abrir tudo"... Mas pouquissimo tempo depois dessa prisão do Zarattini em São Paulo, houve o rapto do embaixador americano e ele foi incluído...banido... Certo? De maneira que ele nem figurou no processo.
Samarone- Então, no final das contas...O negócio da explosão ficou em cima de você...
Edinaldo- É. Do ponto de Justiça sim. Do ponto de vista de sociedade, eu fui absolvido, você não vê, ninguém fala no meu nome nos jornais. Todo mundo acha que eu não tenho nada a ver. Mas de fato, materialmente, juridicamente, sou eu que sou o responsável. De maneira que eu tenho que fazer uma revisão processual, tenho direito a uma revisão processual em qualquer época, certo? E daí o fato da gente estar tirando isso a limpo. A outra coisa é o seguinte - Zarattini não participou nem do processo, certo? Mas socialmente, é o sujeito que é acusado, que é responsabilizado. Então, toda vez que alguém fala do negócio... "você não tem nada a ver com aquilo, eu tinha certeza"...
Samarone- Ah, as pessoas...
Edinaldo- As pessoas dizem para mim. "Agora: o Zarattini tem". Eu digo: "não tem". O negócio hoje já está público. Que aquilo partiu de AP, nem eu nem Zarattini éramos de AP, a gente não tem nada a ver com isso... [inaudível] ele não tem. Então, queira ou não queira, nós...
Samarone- Há uma sombra pesada, não é?
Edinaldo- Há uma sombra muito pesada. Que depois de toda... de certa forma as agressões, as perseguições, as discriminações que eu sofri, por exemplo na Universidade- o pessoal de direita, essa coisa todinha - tem por base o preconceito aí. Sabe? Todas as discriminações que Zélia, a mulher de Zarattini sofre também lá na Universidade, tem por base também a coisa ai, está entendendo?
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Samarone-Edinaldo, depois que... você falou, né, que foi para o Chile...aí passou um período lá, depois veio o Golpe, né?
Edinaldo- É.
Samarone- Aí você foi para a França.
Edinaldo- Fui para a França.
Samarone- Certo. Agora... Aí você volta para o Brasil...
Edinaldo- No Chile eu fui preso de novo...
Samarone- Foi preso no Chile?
Edinaldo- Fui. Depois do Golpe.
Samarone- Logo depois do Golpe?Edinaldo- Passei uns quatro dias na ilha...[inaudível]... Depois saímos, quatro dias depois...
Samarone- Outros brasileiros ou pessoas...
Edinaldo- Não...todo mundo. Em Santiago era no Estádio Nacional [inaudível]...No Concepción, onde eu estava, os chilenos eram presos num estádio de Futebol de Concepción. E os estrangeiros que estavam no Chile normalmente eram presos e os... dizem também... mas a maior parte estrangeiros, eram levados para a ilha de [inaudível] ... que era uma base naval. Fica ao lado do Pacífico, na frente Tacauã [inaudível]... passou quatro dias lá, foi interrogado aí saímos...
Samarone- Só interrogatórios, não é? Não teve maus tratos não...
Edinaldo- Não, não. A gente passou apenas uma noite desgraçada numa cela. Umas dez pessoas numa cela que só cabia um. E no dia seguinte, sem comer, sem porra nenhuma, no dia seguinte a gente saiu, num frio desgraçado, final de inverno...
Samarone- E vocês foram mandados para onde?
Edinaldo- Era setembro, final de inverno, começo de primavera, a noite é muito fria... Aí no dia seguinte a gente...botaram a gente num ônibus, levaram para Tacauã, de Tacuã numa barca a gente foi para a ilha de [inaudível]. Passamos quatro dias lá, fomos interrogados, recebemos salvo-conduto e voltamos para Concepción. Nós nos inscrevemos já numa relação que estava sendo feita a nível do arcebispado, do Conselho Mundial das Igrejas e a ONU, através do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, que já estava em Santiago, e juntando o pessoal de refúgios, a gente viajou ... ainda passamos um ou dois meses em Concepción, novembro, dezembro... fomos para Santiago, ficamos no refúgio [inaudível], aí ficamos até fevereiro de 74, quando fomos para a França.
Samarone- E você passou um bom tempo na França...
Edinaldo- Na França eu cheguei em 74, saí em 80.
Samarone- Aí volta para o Recife...
Edinaldo- Passei seis anos. Acho que no começo [inaudível]... voltei para o Brasil em dezembro de 79.
Samarone- Que foi com a Anistia, né?
Edinaldo- Mas eu não fui anistiado antes porque eu já tinha decidido que voltaria... com ou sem Anistia eu voltaria no final de 79, porque eu tinha entrado com uma ação de prescrição de pena, minha pena já havia prescrito. Eu já tinha inclusive tirado... o problema todo era tirar o passaporte de volta. O passaporte que eu tinha, que era dado pela Comissão de Genebra, eu não poderia voltar ao Brasil. Então antes de voltar ao Brasil tinha que devolver meu passaporte dado pela França, né? Mas para fazer isso eu tinha que tirar um passaporte brasileiro. Então foi preciso que as situações dos consulados, não é...eles recebessem autorização para dar passaporte aos...ao pessoal que estava refugiado. Quando isso aconteceu, eu tirei o meu passaporte em Marseille e marquei viagem para o Brasil. Aí voltei em dezembro de 79. Cheguei no dia do aniversário de minha filha - 12 de dezembro de 1979. Ela estava completando três anos.
Samarone- Ela nasceu lá, né?
Edinaldo- Nasceu lá.
Samarone- Edinaldo, tem um episódio que o Zarattini falou... não sei se foi o Zarattini...Que há algum tempo o Diário [refere-se ao Diário de Pernambuco] publicou uma matéria, não é. Que o assunto estava mais ou menos...sobre a explosão...mais ou menos, havia ficado...o tempo passando...e houve uma matéria que, onde parece, onde o nome do Zarattini aparece em manchete...
Edinaldo- Exatamente por ocasião... Isso aconteceu por ocasião da abertura dos arquivos [refere-se aos arquivos do DOPS]. No governo Carlos Wilson, você lembra?
Samarone- Lembro, o final do governo...
Edinaldo- É. Foram abertos os arquivos. Então Ayrton Maciel acompanhou...você conhece Ayrton...
Samarone- Conheço.
Edinaldo- Que é gente boa, fez sem a menor intenção. Fez uma bobagem, mas...sem se dar conta de... dos envolvidos e da dimensão que a coisa tinha atingido. Então ele quis fazer um negócio como se fosse... pegou o dossiê...
Samarone- O prontuário, né?
Edinaldo- O prontuário relativo ao Aeroporto, e lá ele leu, viu os jornais, naturalmente, essa coisa toda, essas manchetes, e resolveu reproduzir uma matéria da época. Ele coloca "Zarattini procurado pela bomba do Aeroporto". Como manchete principal. E isso aí...Ricardo ficou puto e com razão. Falou de mim também...Não liguei não. Quem viu o contexto da história...meu nome estava lá... Mas o que ele transcrevia era o que estava lá, era o prontuário e que não tinha nada...
Samarone- Que era a versão oficial.
Edinaldo- Que era a visão oficial. Eu entendia a coisa assim, conhecia Ayrton já... Ele é quem, apesar de me conhecer... [inaudível] ... Ayrton é muito [inaudível], né?
Edinaldo- [trecho inaudível] ...que iria processar Ayrton e que iria processar o jornal, que aquilo era muita irresponsabilidade. Tentei convencê-lo [convencer Zarattini] de que Ayrton não tinha feito ... [trecho interrompido]. Mas... ele não se convenceu... e realmente tentou processar o jornal.
Samarone- Agora isso teve alguma repercussão a nível de Universidade?
Edinaldo- Na Universidade, pegaram esse negócio, tiraram uma fotocópia do jornal, grifaram o meu nome e os trechos onde eu estava... escreveram uma série de coisas, eu tenho até aí...
Samarone- Distribuíram assim...
Edinaldo- Distribuíram não. Colaram nos pilares do meu departamento. Então quando eu cheguei lá, olhei a coisa, achei engraçado, né? Os inimigos, né? Mas não tomei nenhuma providência não.
Samarone- Você não ficou abalado...
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Edinaldo- Não. O...Porque tem um negócio, é isso que eu digo a você. No fundo, no fundo, a minha segurança é muito grande porque socialmente estou absolvido. Quer dizer, eu não encontrei uma pessoa que tivesse dúvida a respeito de mim, está entendendo? [012]
Samarone- "É esse aí", coisas assim...
Edinaldo- Pois é. No caso do Zarattini, todo mundo diz que foi ele, entendeu? Aí então...quer dizer, do ponto de vista de coisa, eu sou...sou o mais tranquilo a respeito disso, apesar de estar condenado, certo? Até materialmente estou numa situação pior do que a dele... Na história dos preconceitos aí, pesa muito, tá certo? Aí aparece um idiota desse, covarde, que prega esse negócio, faz tudo isso, prega na parede, mas não aparece.
Samarone- O anônimo, né?
Edinaldo- O anônimo, né? Bota pra lascar aí mas...nessa intenção. Mas também não consegue, porque a Polícia [incompreensível]... quantos anos fazendo isso? Sem eu poder dizer nada... E não colou. Está certo? Manchete de primeira página, retrato de primeira página, reportagens as mais fantásticas, né? Estavam dizendo que eu era o cão... Todo mundo me conhece, quer dizer, eu sou um cara que tem uma vida pública, sempre tive, isso antes de coisar, porque...apesar de ser um cara de partido, etc , eu nunca fui muito do conchavismo, do aparelho, do grupinho ali que ninguém conhece. Não, pelo contrário, toda vida eu atuei como líder de massas. Quer dizer, eu ocupei vários cargos eletivos, quer dizer, as pessoas estão votando em mim, estão conhecendo, estão vendo meu desempenho, estão...
Samarone- A Lucinha Moreira disse... eu estava conversando com ela, ela disse...[026] "Foi tão absurdo quando se levantou a hipótese"... Ela disse assim... Como se fosse uma pessoa capaz de aglutinar as pessoas, de...entendeu... de...mas de atos daquele tipo, ela disse que...
Edinaldo- Pois é. Porque isso... Quer dizer, a minha atividade toda vida foi uma atividade política aberta. Mesmo a reação - tinha gente de reação na Escola de Engenharia -, que dizia: "Olha, esses comunistas daqui tudinho eu fuzilava todo mundo. Só não, só tem um comunista aqui que eu acho arretado - Edinaldo". Porque eu conversava com todo mundo, eu não tinha preconceito, entendeu... O cara "não, porque fulano é de direita"... então, aquelas agressões...Eu nunca tive com ninguém. Eu sempre fui um cara que...respeitei todo mundo, entendeu? E as opiniões, você tem todo o direito de ter uma opinião contrária à minha...E eu acho que você, na verdade... o partido até me explorava...Eu ser da diretoria do Diretório Acadêmico, isso não acontecia com ninguém. No quinto ano da Escola, no último ano da Escola, você fazer parte da diretoria do Diretório, não acontecia com ninguém. Por que não acontecia? Porque as pessoas no quinto ano estavam mais cuidando do fim do seu curso, etc, esse negócio todo, não estavam mais tão engajadas na política. Mas, tinha um nome que tinha um peso eleitoral muito grande na Escola de Engenharia. Está certo? Que o partido dava como missão - pronto, estou fazendo parte da chapa porque...entendeu? Era uma pessoa bem conceituada, respeitada por todo mundo...que carreava votos até de gente de direita. Está certo? Para a chapa.
Samarone- Isso era...
Edinaldo- Isso era fundamental. Depois é o seguinte - outra coisa também que...foi muito obstáculo. A minha cidade, né? Todinha. O negócio era absurdo. A minha cidade que tinha me visto nascer, praticamente crescer, tudo. Onde eu tinha uma admiração muito grande, essa coisa também. Então ninguém acreditava que eu pudesse ter participado de um negócio daquele. "Aquele não, é um absurdo". A cidade em peso. Teve um cara que... era um bosta, complexado lá...esses...
Samarone- Sempre tem...
Edinaldo- É ...Que para ser do contra, metido a ser do contra, disse: "Não, aquilo foi ele mesmo etc". Ficou mal visto pela cidade inteira, está entendendo. O único cara, que foi o filho de Vasconcelos da Farmácia... foi o único cara. E assim mesmo porque ele era meio despeitado, porque meu irmão tinha namorado com a irmã dele, eu tinha namorado com a outra irmã dele ... então ele era meio despeitado com a gente. Então resolveu na época, no fogo mesmo, o jornal publicando todo dia aquele negócio etc, ele resolveu...
Samarone- Abrir a boca para...
Edinaldo- Abrir a boca para fazer um comentário desse. Mas ficou...
Samarone- Mal visto...
Edinaldo-Mal visto pela...
062-[interrupção]
Samarone- Sim, Edinaldo, tem uma coisa que eu estava querendo...é... tinha uma coisa que é assim, eu fico... De todas as coisas que aconteceram na época, muita coisa já está sendo esclarecida, né? Por exemplo, eu já estou levantando esse negócio do Mata Machado, do José Carlos da Mata Machado, que...
Edinaldo- Que você soube alguma coisa a mais, aquele negócio da militância do cara, quando o cara entrou, um cunhado do Mata Machado...
Samarone- Sim, a gente fala já sobre isso...Bom, a explosão do Aeroporto é um dos grandes tabus assim que...
Edinaldo- Ninguém pode falar...
Samarone- Você assim... Por que é tão difícil explicar?
Edinaldo- Eu acho que é difícil explicar exatamente por causa disso. [069] Porque a essas alturas, os acontecimentos... a essas alturas você tem o seguinte. Pelo lado de direita, certo? Vamos... não interessa à direita. Por que? Porque a direita, no final da história, executou a mim. Está certo? Então puxar esse negócio pra cá, mesmo...mesmo que Raimundo tenha participado disso, tem a morte dele que é uma farsa. Ele foi assassinado por alguém [078]. Certo? Então não interessa à direita puxar esse negócio por aí, porque vai acabar saindo quem executou Raimundo, essa coisa toda. Por outro lado, eu já levantei hipótese com você, como o Zarattini já levanta na entrevista que ele deu, a possibilidade de ter infiltração, está certo? Uma outra hipótese que nós estamos levantando é precisamente que o Raimundo pode ter descoberto esta infiltração. Naturalmente essa infiltração era alguém que dava informação para a direita.
Samarone- E quando soube...
Edinaldo- E quando ele soube nos interrogatórios no tempo que passou no Exército, essa coisa todinha, queimaram o arquivo, né? Foi assassinado. Queimaram o arquivo e ia livar o coisa...ia livrar essa infiltração. E isso aí seria problemático para a direita explicar também. Não só a morte, como - e a infiltração?
Samarone- Que ia dar no...
Edinaldo- Não interessa à direita. Por outro lado, a esquerda, ou as esquerdas também, os elementos que fizeram isso dentro da AP, sem dúvida continuam fazendo política. Tá certo? E devem estar ligados às coisas aí...aos partidos...
Samarone- E tocar nesse assunto...
Edinaldo- Por que não se fala com mais facilidade? Por que não se diz...não, foi fulano...foi...se diz... O Jacob Gorender diz - "foi um dirigente que veio, que reuniu um grupo, está certo, tomou a iniciativa de fazer a coisa". Mas por que não se diz "foi o dirigente fulano de tal"? Foi um, foi dois, foi três, foi quatro... Dizer que foi iniciativa de um só é praticamente dizer que foi obra de Raimundo.
Samarone- E aí abafar a coisa...
Edinaldo- E pronto! E encerra esse negócio, porque os outros morreram. Estão vivos? Se estãoa vivos, onde é que estão? Pede-se - como o Zarattini fez um apelo -, espero que as pessoas que fizeram, que participaram da coisa, elas estão anistiadas...Não vai mais acontecer nada com elas. O que eles tinham que pagar, nós já pagamos...
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Samarone- E pesado...
Edinaldo- E pagamos muito pesado. E estamos pagando, continuamos pagando pesando. Enfrentem pelo menos a opinião pública e o povo que eles pretensamente queriam defender com aquele tipo de atitude, com aquele tipo de ação. Eles não acreditavam que estavam defendendo o povo? Agora eu não acreditava que aquele tipo de ação servisse à revolução. Por que é que eu que não acreditava na coisa tenho...e sou realmente, como o Zarattini também, responsabilizados, e eles que acreditavam, não assumem...
Samarone- É uma grande contradição, não é?
Edinaldo- Não é? Se eles acreditavam no que estavam fazendo, digam ao povo, o povo julga. A história vai julgar, está certo? Por outro lado, é notório que a coisa não foi feita com a intenção de matar ninguém, que foi um acidente a morte das pessoas, foi um...alguém desviou a mala de onde ela estava e levou para o meio do povo... está certo? Então foi esse acidente que provocou a morte das pessoas. Então saiam, porque, de qualquer forma, as famílias dos mortos também merecem uma satisfação. A Justiça...já está em tempo de fazer. Nós estamos fazendo aí, querendo punir responsáveis. A essas alturas eles não são puníveis, mas a História tem que julgar...se o que eles fizeram realmente foi correto ou não foi correto. Né? Eles têm que assumir essta responsabilidade. Por outro lado, nós não vamos descansar enquanto essa coisa permanecer culpa da gente. Ou eles pegam, ou eles esperam que a vida toda a gente vá ficar calado, esperando...
Samarone- Que apareça algum deles...
Edinaldo- Não, ou então até morrer assumindo uma culpa que ninguém tem. Só eles devem responder por ela. Nós queremos punibilidade, queremos responsabilidade, queremos ética na política. Mas que ética é essa, que quem acredita e faz determinados atos, não assume os atos? Quem não acredita é forçado a assumi-los. Que ética esses cidadãos tão envolvidos na campanha de ética na política...se estão, qual é a deles?
Samarone- Exercer, né?
Samarone- Sim, Edinaldo, só para a gente terminar, tem duas coisinhas...você conhecia alguém da AP assim mais próximo, mais ...
Edinaldo- Conheci, eu como lhe disse, morei com quatro pessoas. E lhe digo mais o seguinte - uma das primeiras vítimas desse atentado, foi uma das pessoas que morava comigo, e que é um dos desaparecidos, Rui Frazão Soares.
Samarone- Eu entrevistei a cunhada dele.
Edinaldo- É... Alaécia...
Samarone- Alaécia.
Edinaldo- Você...quando você entrevistou ela?Samarone- É...tá com uns quatro meses já...
Edinaldo- Uns quatro meses? Pois é...ela não lhe disse isso não, né? Que isso aí é uma conclusão minha. Depois eu vou conversar com Alaécia também, a respeito disso. Mas foi uma das primeiras vítimas. Rui teve, por causa disso, ele não estava sabendo, ele não estava nem aqui. Ele estava na Bahia, em Poções, com os outros três companheiros de AP que moravam num apartemento - estavam em Poções fazendo um estágio. E quando ele voltou, porque era mês de férias, era julho - quando ele voltou, ele soube desse negócio e mais ou menos em agosto ou setembro, ele deixou o curso de Engenharia, no último ano, faltando dois ou três meses para terminar o curso. Ele não fez Engenharia, e muito provavelmente mudou a vida dele, está certo...esse...essa saída da Escola etc,fez com que ele sem dúvida nenhuma mudasse um pouco o rumo da vida dele e terminasse por ser um dos desaparecidos.
Samarone- Ah, você chegou a morar com o Rui?
Edinaldo- Cheguei. Moramos juntos. O Rui foi o meu primeiro companheiro, quando a gente...entrou no primeiro ano, a gente foi morar numa pensão lá da rua da Imperatriz,[173] encontrou-se na mesa do restaurante da Escola e ele era do Maranhão, eu daqui, a gente estava morando numa pensão, cada um insatisfeito, porque era muito distante...a dele lá na rua Dom Bosco, a minha era a Pensão de Otília, lá no...onde eu fiquei logo que fiz vestibular. Lá no...na rua da Aurora, onde é "O Buraco de Otília".
Samarone- Ah, eu sei onde é.
Edinaldo- Pois bem, então...estava muito longe da Escola, então a gente resolveu sair procurando juntos, né? - uma pensão. Aí fomos para uma pensão...domingo...nós combinamos isso na mesa do restaurante e marcamos para um domingo...sábado, domingo, final de semana...a gente procurou uma pensão. Terminamos encontrando uma pensão na rua da Imperatriz, aí fomos morar nessa pensão na rua da Imperatriz, num quarto na frente assim da pensão, dava mesmo para a rua da Imperatriz, mas a pensão não tinha banheiro, o banheiro era de cuia, a gente não durou muito não, passou um mês, um mês e pouco e depois saímos...[risos] ...da pensão. Foi quando nós voltamos para... aí a gente já conhecia mais gente...
Samarone- Aí...
Edinaldo- A gente voltou para a rua da...Gervásio Pires...uma pensão lá que era de esquina, onde depois foi o...a Secretaria de Planejamento. Foi a Phillips também. É Gervásio Pires esquina com rua Corredor do Bispo.
Samarone- Ah, sim...
Edinaldo- Não é? Alí tinha uma casa de primeiro andar que era uma pensão, a gente morou lá. Quando a gente saiu aí, foi aí que a gente foi pro...também passou um período lá, depois a gente se mudou, alugou um apartamento kitinete no edifício...como é?...Riachuelo. Fica na rua do Riachuelo, ela é mesmo detrás da Escola de Geologia e...da Escola de Engenharia. O edifício, é um edifício alto...
Samarone-Juntinho...pertinho do local mesmo...
Edinaldo- Eu morava parece que no 23º andar, um negócio assim...
Samarone- Certo...além do Rui Frazão, da AP...
Edinaldo-Eu morava com o Helton...
Samarone- Também da AP?
Edinaldo- [204 - Trecho inaudível]. Carlos Eugênio Gomes saiu...[ruído]... eles não estão mais por aqui... [inaudível]. O Rui é o mais famoso e os outros, desses outros, só um praticamente ainda passou algum tempo na AP, ainda...entendeu? Os outros eu acho que devem ter se afastado...bastante.
Samarone- Certo. Sim, só para terminar, Edinaldo é...o...Numa entrevista que eu fiz...assim, conversando com várias pessoas...
Edinaldo- Mas não bote o nome desse pessoal não...
Samarone- Não...
Edinaldo- Eu acho que não vale a pena...quer dizer... não vale a pena de maneira nenhuma...O grande estalo que eu tive, esse negócio de relacionar Rui, é porque a gente morava no mesmo quarto...
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Samarone- Eu não sabia não...
Edinaldo- No Cais José Mariano. É...E...e então essa saída do Rui nunca, nunca foi explicada ...
Samarone- Ele resolveu sair...
Edinaldo- É, ele de repente ele disse "eu vou me embora, não vou fazer mais Engenharia"...
Samarone- Conversou contigo assim?
Edinaldo- Conversamos. Conversamos lá no apartamento com o pessoal..."Não, mas você é louco, falta dois, três meses para a gente terminar o curso, como é que você vai deixar agora"... E ele disse: "Não eu não vou, eu não vou mesmo fazer engenharia, não sei o que lá e coisa"... - mas nós morávamos em cima de uma transportadora e à noite os caminhões é...chegava muito caminhão. E...ele se levantava, dava aqueles pulos da cama que eu me acordava, porque o Rui era um sujeito alto, era grandão, o pezão deste tamanho, e quando ele pulava, morávamos no quinto andar, era um negócio, um "bum"...e eu me acordava [229]. Era ele assustado, ía para a janela ver, achando que era a Polícia que estava lá. O Rui era uma das principais lideranças de AP daqui do Recife, mas eu nunca liguei esses fatos, está certo? - ao negócio.Agora, só depois que eu venho a saber que o negócio foi de AP, essa coisa todinha e tal, é que eu fiz a ligação de que na verdade, o problema é que quando ele chegou do estágio, ele deve ter sabido. E aí, haviam muitas prisões na época etc - e ele temeu que pudesse ser descoberto, naturalmente como ele era uma das pessoas mais visadas, já tinha sido preso etc. Certo? E na medida em que, quando ele fosse preso, soubessem que era de AP, ou...sei lá...ele sabendo mesmo da coisa não aguentaria as torturas, porque era um cara que já conhecia tortura...tinha sido preso antes. A Polícia já tinha o local onde ele morava, coisa... Então ele ficou muito assustado e deixou o curso.
Samarone- E isso aí mudou...[247]
Edinaldo- E é claro que exatamente pela época, quer dizer, quando ele deve ter saído mais ou menos eu me lembro que era agosto, setembro, logo na volta das aulas, né? E que era um negócio também que ficou muito estranho para nós todos, né? Porque "Rui, um sujeito inteligente, um sujeito que tem uma capacidade enorme..." Não é fácil você dedicar uma vida toda para se formar numa coisa, e quando faltava dois meses, você não deixa se não for por uma razão muito... Eu levanto esta hipótese e tem tudo para ser verdadeira, eu preciso confirmar com pessoas que viveram na intimidade, talvez saibam melhor do que eu... como a Alaécia ou Felícia, para confirmar se isso aí realmente era verdade, é verdade, mas sem dúvida, para mim, foi a primeira vítima desse negócio...
Samarone- ... parece que há muito mais vítimas do que a gente imagina...
Edinaldo- Mas sem dúvida! Se você ver o número de pessoas que foram presas, foram torturadas etc - antes e depois de mim- com base nesse negócio, é enorme. Certo?
Samarone- Sim Edinaldo...
Edinaldo- E os que não foram presos mesmo, não é...e que... o caso dele, não é? E tiveram que...
Samarone- Que mudar a vida completamente...
Edinaldo- Que mudar a vida completamente...
Samarone- Enfrentando até o último...
Edinaldo- Enfrentando tudo por aquilo que eles acreditavam. Isso é bonito, é glorioso. Ninguém morre infeliz nessas condições.
Samarone- Não há nada de...nenhuma relação com... assim...foi em vão, alguma coisa...
Edinaldo- Não. Para eles não. E sem dúvida, a população, quando essa história for escrita, seguramente reconhecerá isso, o que é uma felicidade. Muitos dos sobreviventes não podem dizer isso.
Samarone- Mas alguns dizem, não é?
Edinaldo- É. Nem sofreram isso...Pelo contrário, estão se escondendo por debaixo da cama...Isso é que é terrível. São incapazes de assumir o que acreditam. Eles...assumiam o que acreditavam, e por isso é que morreram...[336]. Eu vou fazer um cafezinho...
Transcrição concluída na manhã fria de 03 de junho de 1997.
São Paulo-Brasil
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