FONTE: MACHADO, Otávio Luiz & ZAIDAN, Michel. Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior. Recife: Editora Universitária UFPE, 2007.
O MOVIMENTO ESTUDANTIL E O PCB: UM BREVE DEPOIMENTO
AIRTON QUEIROZ
Eu comecei a estudar graças ao empenho de minha madrasta. E estudando sempre em escolas públicas Fiz depois a admissão no Colégio Padre Felix. E foi nesse colégio que consegui uma bolsa de estudos. E foi graças a essa bolsa de estudos que eu pude concluir o que se chama hoje de secundário. Fiz esse estudo e, ao chegar ao final dele, a Sudene havia sido recém-instalada em Recife. E ela instituiu um concurso para estudantes carentes, e os que passavam nesse concurso, terminavam por ganhar uma bolsa pra fazer um cursinho num vestibular de uma escola técnica qualquer. E quem por acaso passava, ou seja, conseguisse nesse vestibular entrar na Universidade, a Sudene assegurava uma bolsa para todo o período do curso superior.
Eu me esforcei muito. E só assim consegui passar não somente para fazer esse cursinho, como no vestibular da Escola de Engenharia, em 1965. E comecei fazendo Engenharia de Minas. Estudei o 1° ano durante o ano de 65 e o 2° ano em 1966, mas a partir daí, devido ao meu posicionamento político e as perseguições intensas da repressão militar, acabei abandonando o curso
Nesse período de início do curso eu já era membro do PCB. E a repressão sobre meu partido e sobre os demais partidos que lutavam contra o governo da ditadura foi intensa. Mas o início da minha militância, no Recife, ocorreu ainda quando eu era estudante do colégio Padre Felix.
É até difícil precisar bem este início, porque o clima político de Recife era muito envolvente. Nós, enquanto estudantes, participávamos de várias campanhas políticas. Isto quando eu estava ainda no Colégio Padre Felix. Eu me incluía naqueles grupos de estudantes que participavam de campanhas pelas mais diversas coisas.
E quando me dei conta eu já era membro do Partido Comunista (Brasileiro) sem que tenha havido uma cerimônia ou um ato formal. Eu me recordo de um determinado dia quando alguém chegou e propôs a minha entrada no Partido. Ou seja, quase que fui – digamos assim – absorvido, tanto eu como muitos outros, num processo de doutrinação. Quero dizer que não aconteceu somente comigo, mas com muitos outros estudantes, também. Foi mais ou menos isso.
Então, a minha entrada no PCB não foi diretamente, não. Foi algo como nós fazíamos normalmente via recrutamento. Houve época que se fazia o recrutamento e chegava para pessoa – depois que se verificava que ela já tinha uma consciência política elevada coisa e tal – e a chamava para integrar ao Partido. Tudo isso depois de uma sondagem, evidente, porque era uma época em que o medo era muito grande. Portanto, só podíamos fazer um convite desses a uma pessoa quando já sabíamos que era quase certo que essa pessoa estava disposta a realmente integrar os quadros do partido e que nós podíamos confiar nela.
O Partido naquela época era muito grande. E a Escola de Engenharia de Pernambuco era uma das maiores bases que nós tínhamos em Pernambuco. Era uma Escola que exercia uma atração política.
E nós lutávamos para que as condições de estudos fossem as melhores possíveis. Uma das preocupações que nos levaram a muitos movimentos durante os anos 65, 66 e 67 foi a transferência forçada da Escola da Rua do Hospício – que ficava no centro da cidade – para a Várzea. Percebia-se que lá era um lugar bastante distante da vida universitária, mas que somente tinham prédios que ainda não estavam prontos. Não havia sequer instalação de água. E essa mudança foi feita na marra, porque o governo tinha interesse em afastar os estudantes, principalmente os estudantes que tinham aquele nível de participação política – como nós tínhamos –, para uma região bastante distante onde nós dificilmente teríamos condições de fazer as passeatas que costumávamos fazer.
Assim não teria como influenciar o povo que passava nas pontes do Recife. Então nós fomos forçados – no meio do curso – a esta transferência lá do centro da cidade para aquela cidade afastada. E para um local, como eu já disse antes, aonde não havia nem se quer as instalações básicas mínimas. Mas fomos na marra, porque os professores foram pra lá deslocados, e nós tivemos que ir. E até tinha um ônibus que nos levava pra lá.
E foi um dos movimentos dos mais sérios que nós fizemos. E resistimos até as últimas conseqüências e no que foi possível de resistir. Para impedirmos a transferência fizemos greve e até nos resistimos em assistir aula lá na Várzea. Mas finalmente tivemos que ir, porque os professores não vinham dar aula e eram forçados também a irem dar aula lá na Várzea.
Várias pessoas foram presas nesse momento como Alexandre Magalhães, Rui Frasão e outros. Várias pessoas eram pegas, detidas durante alguns dias. No caso do Aécio, não. Ele ficou detido durante um tempo muito longo. Eu não posso precisar que tempo foi esse, mas a prisão dele fez com que nós participássemos de muitas greves e passeatas pedindo sua libertação.
Eu pessoalmente, como outros membros do partido e outras organizações, sofremos tudo o que se possa imaginar. Foram vários inquéritos que fomos chamados várias vezes para depor, além das detenções. Eu particularmente fui preso em uma noite, que eu não me recordo exatamente o dia, em outubro de 67, juntamente com a estudante de Medicina chamada Rosa. Fomos presos quando participávamos de uma pichação nas ruas de Recife contra a presença das tropas americanas no Vietnã.
E eu fui solto quando o delegado do DOPS ficou surpreso ao saber que eu era filho de Augusto de Albuquerque Queiroz, que era um dos guardas de polícia. Ele ficou surpreso por dois motivos. Primeiro, porque como é que era possível um estudante de Engenharia ou estudante universitário, que naquela época detinha uma quantidade pequeníssima de estudantes universitários, que eram quase todos eles filhos de gente rica do país, ser estudante filho de uma pessoa pobre e de um policial? Segundo, a surpresa foi maior por eu já ser conhecido como agitador de marchas apesar de ser gago. Eu era um agitador de marchas. E ainda filho de um colega de profissão deles.
E foi graças a isso, creio eu, que supondo se tratar de apenas mais um elemento útil que os outros espertalhões do partido usavam, eles me soltaram na esperança de que eu viesse poder depois me tornar quem sabe um informante deles. Então eu fui solto naquela mesma noite. E o delegado que me soltou me pediu pra que eu fosse lá no dia seguinte. E me pediu que eu o visitasse na tarde daquele outro dia de maneira mais calma.
Foi então que eu procurei membros do partido. E revelando o que tinha acontecido comigo e com Rosa, eu fui aconselhado a deixar o Recife, porque já não tinha mais condições de continuar lá. Até porque já tinha havido quedas ou prisões. E já tinha havido prisões de outros membros do partido naquele momento.
A minha saída de Recife ocorreu depois dessa tal soltura que eu aqui mencionei. Eu havia procurado alguns membros do partido. Uma pessoa que teve uma importância muito grande nas decisões fundamentais da minha era membro do comitê estadual de Pernambuco do PCB, que era a médica Doutora Naíde Teodósio, que morreu agora há poucos meses atrás.
A professora Naíde Teodósio, que foi uma grande médica, deu uma contribuição muito grande à Medicina de Pernambuco. Então eu estive na casa dela na noite daquele mesmo dia que eu havia sido solto. E contei o que havia acontecido comigo. E ela então aconselhou-me que eu deixasse o Recife e procurasse um outro local. Se possível que eu saísse para um outro estado qualquer. E aconselhou-me inclusive que eu não dissesse a ninguém – nem a membros do partido – para onde eu iria, como iria e quando iria. Ajudou-me dando inclusive algum dinheiro.
E eu então segui os conselhos dela e procurei durante alguns dias ir pra casa de uns parentes meus em Jaboatão, que é uma cidade próxima lá do meu Recife. E em alguns dias depois eu tomei iniciativa sem avisar a ninguém de ir até a rodoviária do Recife e comprar uma passagem de ônibus para o Rio de Janeiro. Foi assim. Isso foi nos finais de outubro ou no começo de novembro de 1967. Foi quando eu vim para o Rio e aqui fiquei. Vim concluir depois Economia aqui no Rio de Janeiro. E hoje em dia eu sou economista.
terça-feira, 1 de abril de 2008
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Um comentário:
Sou engenheiro civil, estudei na UFPE entre 1965 e 1969, fomos a primeira turma que iniciou e terminou na Cidade Universitária e não me recordo de termos ido para lá forçados e que não tinha infraestrutura.
Conversa de agitador mesmo.
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