FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2205200908.htm
São Paulo, sexta-feira, 22 de maio de 2009
João Batista Araujo e Oliveira:
Um segredo de polichinelo
TENDÊNCIAS/DEBATES
Um segredo de polichinelo
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA
Para dar certo, é preciso ir contra o que manda a secretaria, mas a autonomia só se aplica a poucas escolas. Como enfrentar o paradoxo?
A ENTREVISTA do diretor Camilo da Silva Oliveira, ("Governo do Estado só me atrapalha", Folha, 4/5), de uma escola pública paulista com desempenho diferenciado no Enem, coloca em xeque a função das secretarias da Educação e sua relação com as escolas. Em síntese, e candidamente, ele diz que, para funcionar bem, uma escola tem que se proteger das orientações da Secretaria da Educação. O diretor está coberto de razão. Praticamente todas as escolas públicas brasileiras com resultados diferenciados -no Saeb ou no Enem- seguem regras diferentes ou regras próprias e, assim, escapam da vala comum. Se a exceção funciona e a regra não, a regra só pode estar errada. Todas as evidências científicas sobre "escolas eficazes", ou seja, escolas que apresentam desempenho diferenciado, confirmam a importância da autonomia escolar. A autonomia da escola é condição necessária -embora certamente não suficiente- para o sucesso dos alunos. O depoimento do diretor vai direto ao ponto: para funcionar bem, uma escola precisa ter compromisso com a aprendizagem dos alunos. Ele próprio deve ter perspectiva de longo prazo e ser capaz de "proteger" a escola da Secretaria da Educação, bem como administrar um programa de ensino claro, com conteúdos, estrutura e sequência bem especificados e professores bem formados. Um segredo de polichinelo. Mas o depoimento não para por aí. Uma coisa é a escola escolher o que fazer. Outra coisa é decidir o que não fazer. É preciso ter foco, e não se perder em modismos, plumas e paetês. E, sobretudo, é preciso não tirar o professor da sala de aula para capacitações inócuas e não perder tempo em infindáveis e improdutivas reuniões. Em síntese: para dar certo, a escola precisa fazer o contrário do que a secretaria manda. O diagnóstico é válido para praticamente todas as secretarias da Educação do país. Infelizmente, a receita da autonomia pura e simples não é aplicável à maioria das escolas. Uma empresa aérea não pode operar com pilotos corajosos -que pilotam à margem das regras ou contra elas. Da mesma forma, não é possível operar um sistema escolar apostando em diretores excepcionais. Seria irresponsável dar autonomia a escolas sem que o diretor tenha o elemento mais importante -professores qualificados e comando sobre eles. Isso é o que o Brasil tem feito em nome da autonomia. A secretaria faz pedagogia, e a escola faz política. Os resultados estão aí. Como enfrentar esse paradoxo? A evidência científica disponível sobre pedagogias eficazes mostra as vantagens do ensino estruturado -tanto para professores competentes quanto para os de formação deficiente, nesse caso, operando estratégia de apoio. Uma alternativa possível seria adotar estratégias gerenciais de autonomia escolar em dois tempos. Escolas com desempenho superior a um determinado patamar, comprovado em avaliações confiáveis, poderiam operar com autonomia. As demais seguiriam programas estruturados de ensino até atingir o patamar estabelecido, sob a liderança e a responsabilidade do diretor. Uma estratégia dessa natureza exigiria uma mudança radical na estrutura, função e forma de operação das secretarias da Educação em todo o país. Uma decisão crítica seria a dos programas e materiais de ensino estruturado -que deveriam ser escolhidos pela secretaria ou pelas escolas entre opções de comprovada eficácia. Não há por que inventar a roda com experimentos pedagógicos, materiais feitos em casa ou com a cor local. A outra seria estabelecer o patamar para que a escola adquira sua autonomia. Esse patamar teria que ser elevado, sob pena de desmoralizar o sistema: algo como 70% dos alunos atingindo os níveis 250 e 325 na Prova Brasil da quarta e oitava séries, respectivamente. A terceira seria iniciar um programa de atração de pessoas adequadamente qualificadas para o magistério. No dia em que isso começar -pois ainda não começou-, teremos esperança de um futuro mais róseo para os alunos da escola pública.
JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA, 62, psicólogo, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto. Foi secretário-executivo do Ministério da Educação (1995).
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Um comentário:
que blog fantástico!
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