FONTE (S) http://www.uff.br/obsjovem/mambo/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=208&Itemid=32
Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS
MEMÓRIA DE MILITANTES DO MOVIMENTO ESTUDANTIL EM PASSO
FUNDO (1978-1985)
Eliane Lucia Colussi1
RESUMO
O presente trabalho é parte integrante de um projeto de pesquisa mais ampla que analisa o
papel do movimento estudantil no município de Passo Fundo, especialmente na
Universidade de Passo Fundo, no período entre 1978 e 1985. Esta parte do projeto prevê a
constituição e organização de um acervo relativo à memória de lideranças estudantis que
estiveram à frente do Diretório Central dos Estudantes, dos diretórios acadêmicos e de
organizações ou correntes políticas atuantes na Universidade, no período delimitado. Nesta
perspectiva, foram localizados e listados em torno de 200 estudantes que, em algum
momento dirigiram ou lideraram essas entidades ou correntes políticas. Entre os objetivos
norteadores para a construção dessa proposta de pesquisa e que deverão, ao longo do
desenvolvimento da mesma ser alcançados, estão: analisar o período de reorganização do
movimento estudantil no quadro do fim do regime militar até a campanha das Diretas Já;
reconstituir parte da história do movimento de organização estudantil tendo como base a
disputa entre as correntes políticas dita de esquerda e de direita, presentes no período;
especificar os posicionamentos e as bandeiras de luta de cada corrente, identificando as
reivindicações de caráter geral e as específicas assim como as repercussões no âmbito da
instituição, entre outras questões
Palavras-chave: movimento estudantil, história oral, política brasileira.
ABSTRACT
The present work is a part of a wider research project that analyzes the role of the student
movement in Passo Fundo – a city in the country of Rio Grande do Sul - especially at the
University of Passo Fundo, from 1978 to 1985. This part of the project intends to constitute
and organize an amount of documents related to the students’ leaders’ memory who drove
the University Students’ Center, the Students’ School Centers and the political
organizations or groups which actuated at the institution in the delimited period. In this
perspective, it has located and listed around 200 students who had directed or led those
entities or political groups at some moment. Among the objectives which support the
construction of this research proposal and that will be reached along the development of
this work, are: to analyze the period of the student movement reorganization within a
framework starting at the military regimen to the Diretas Já campaign; to reconstitute part
of the history of the student organization movement from the dispute among political
groups which supported the government and their opposition; to specify the position and
the fights of each of those groups. It will be also identified their general claims and the
specific ones as well as the repercussions in the institution scope, among others questions.
1 Professora do curso de História da Universidade de Passo Fundo (RS). Doutora em
História do Brasil, endereço colussi@upf.br Anais do IX Encontro Nacional de História
Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS
2 Segundo MARTINS FILHO, João Roberto (org.). 1968. Faz 30 anos. Campinas:
Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp; São Carlos, Edufscar, 1998, p. 21, as principais
correntes políticas que atuaram na vida política e que deram origem aos grupos presentes
no ME foi o Partido Comunista do Brasil – PC do B uma das maiores dissidências do PCB,
criado em 1962; a Aliança Libertadora Nacional - ALN, cisão do PCB
Keywords: student movement, oral history, Brazilian politics.
1. O contexto particular do movimento estudantil em Passo Fundo e as suas
articulações no âmbito nacional.
O final do período militar no Brasil assistiu a eclosão de inúmeros movimentos e
organizações que aceleraram o processo de redemocratização do país. Entre esses, o
movimento estudantil (ME) se apresentou com destaque especial. No caso das
universidades brasileiras, cresceu o número de estudantes vinculados a correntes políticas
com orientações marcadamente de “esquerda”. Muitas destas organizações eram originárias
de grupos organizados durante os “anos de chumbo” da ditadura militar e que haviam se
desarticulado ou permanecido na clandestinidade desde o inicio dos anos de 1970.
Sob a égide da repressão política e ilegalidade das entidades de representação estudantil
várias organizações sobreviveram se sob novas siglas. Outras correntes políticas nasceram
no contexto histórico dos anos setenta tendo orientação política-ideológica desvinculada
daquelas organizações. Não se pode desconsiderar que do lado oposto à esquerda,
encontravam-se grupos ou lideranças que abertamente mantinham um discurso de apoio ou
adesão ao regime militar.
A partir de 1977 abriu-se um período decisivo no processo de enfraquecimento do regime
militar. Mesmo que se considerem as diferenças ideológicas das correntes políticas de
“esquerda”, atuantes no movimento estudantil, havia um inimigo comum que dava unidade
ao movimento: a luta pela democratização da política brasileira, pela anistia ampla geral e
irrestrita, a retomada das entidades de representação estudantil, então atuando na
clandestinidade.
As mobilizações em torno dessas questões contribuíram de maneira especial para o
desgaste dos militares, ganhando uma adesão crescente, juntamente com outras entidades e
organizações da sociedade civil brasileira2. A maior parte dos grupos e vertentes políticas
do movimento estudantil da década de 1960 mantiveram-se presentes nos anos de 1970.
Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS
surgida em 1967; Partido Comunista Brasileiro Revolucionário - PCBR, outra cisão do
PCB de 1968; O Movimento Revolucionário 8 de Outubro - MR-8; a Vanguarda Popular
Revolucionária – VPR; a Ação Popular - AP, de 1961, com a divisão da Juventude
Universitária Católica – JUC; a Organização Revolucionária Marxista-Política Operária –
POLOP, fundada em 1961; e o Partido Revolucionário – PORT, fundado em 1953. Tais
tendências revelam a persistência das organizações como a Ação Popular e MR-8, que no
ME atuava com a denominação “Refazendo” e o PCB com a denominação “Unidade”; o
Partido Comunista do Brasil, com a corrente “Caminhando”; cresceu também as correntes
trotskista, Centeia” e “Peleia”, a Convergência Socialista, denominada “Novo Rumo” e a
Liberdade e Luta, a “Libelu”.
Entretanto, cabe ressaltar que elas passaram por mudanças, alguns fazendo alianças,
trocando de sigla ou se fundindo a outros. Já na década de 1980, no processo de
redemocratização do país, surgiram novos grupos políticos com atuação no movimento
estudantil, tendo crescido gradativamente a influência do Partido dos Trabalhadores.
As correntes com orientação trotskista, que tinham uma maior bagagem e experiência no
movimento estudantil, filiaram-se ao PT. Outro fato que podemos considerar como
relevante nessa década foi a readequação da Juventude do PC do B, que fundou a União da
Juventude da Socialista (UJS).
A UJS atuou no movimento com a denominação de “Viração”, e esteve na direção da UNE
desde de sua reconstrução, em Salvador, 1979 até 1987, quando os estudantes petistas
chegaram à direção da entidade. Em 1981, em razão de divergências internas, uma facção
do PC do B desligou-se do partido fundando o Partido Revolucionário Comunista, o PRC.
O PRC adotou, para a sua atuação no meio estudantil a corrente “Caminhando” que, no Rio
Grande do Sul, denominou-se “Resistência”.
A Universidade de Passo Fundo, criada no período de consolidação da ditadura militar, no
ano de 1968, conheceu formas de organização estudantil predominantemente ajustadas as
novas condições políticas que restringiam a liberdade de manifestação e de autonomia das
representações estudantis.
Nos anos anteriores, Passo Fundo, e, portanto a região de sua abrangência, conheceu, a
participação de militantes de esquerda em diversas organizações de “esquerda”, inclusive
em ações de luta armada. Contudo, a maioria desses militantes era oriunda do movimento
secundarista ou, isoladamente, universitários de cursos superiores ainda na fase de
implantação na cidade.
O ano de 1978 marcou o inicio da reorganização da esquerda estudantil em Passo Fundo,
agora numa universidade já constituída e em expansão. A partir desse momento cresceu a
presença e a participação dos estudantes em todos os espaços políticos, dentro e 3 Dia 18
eleições diretas para o DCE/UPF. O Nacional. Passo Fundo, ano 55, n. 15.197. 01/10/1979,
p. 2.
4 Chapa Renovação venceu as eleições ao DCE da UPF O Nacional. Passo Fundo, ano 55,
n. 15.214, 20/101979, p. 1.
fora da universidade. Desse modo, a difusão de conceitos e de posicionamentos acerca de
ser identificado como “de esquerda” ou de “direita”, “pelego” ou “subversivo”, entre
outros, tomou as salas de aula, os corredores, auditórios, bares da universidade e da cidade.
A organização da representação do movimento estudantil até então se dava nos quadros da
legalidade imposta pelo regime militar. O processo de eleições para o Diretório Central de
Estudantes (DCE) e para os Diretórios Acadêmicos (DA) não ocorria por meio do voto
direto. A eleição para a diretoria do DCE era realizada través de um colegiado integrado
por representantes dos diferentes diretórios acadêmicos. Observava-se também uma
proximidade política no relacionamento entre os dirigentes das entidades estudantis e a
administração da Universidade.
Em 1979, depois de 11 anos e muita mobilização, os acadêmicos da Universidade de Passo
Fundo, conquistaram as eleições diretas para o Diretório Central de Estudantes. Foi nesse
processo eleitoral que se evidenciou a disputa entre dois grupos de caráter mais amplo: a
situação, chamada então de “direita” e a oposição, congregando algumas das correntes de
esquerda ou de oposição ao regime militar. As correntes políticas de abrangência nacional
alcançaram os universitários da UPF.
Neste novo contexto histórico, a primeira eleição direta para o DCE correu no dia 18 de
outubro de 1979. Observa-se que nesta eleição, ao lado da chapa de situação “Renovação”
que tinha como base de sustentação um bloco de diretórios acadêmicos, particularmente o
da Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis, a Faculdade de
Engenharia, Educação Física, Direito, Ciências Biológicas e o Instituto de Artes. A chapa
“Rever”, de oposição, foi constituída principalmente por acadêmicos dos cursos de
Agronomia, da Medicina, da Psicologia, da Pedagogia e da Odontologia3.
A chapa vitoriosa nessas eleições foi a “Renovação”, liderada por Olvir Favaretto,
acadêmico da Faculdade de Direito. A apuração dos votos revelou o clima acirrado e de
grande disputa: votaram 3297 estudantes, sendo que a “Renovação” obteve 1632 votos e a
oposição 1574. Uma diferença de apenas 42 votos, fato que se repetiu nos anos seguintes.4
A oposição, derrotada nas eleições para o DCE, manteve durante o ano de 1980 intensas
atividades por meio dos diretórios acadêmicos sob sua influência. Assim em 5 de novembro
de 1980, quando se realizaram novamente eleições para o DCE, o quadro político sofrera
alterações.
Na ocasião, houve muita mobilização por parte dos noves diretórios acadêmicos então
existentes. Aproximadamente 4.800 acadêmicos votaram, elegendo a chapa “Construção”,
representando a corrente “Caminhando”, que no Rio Grande do Sul denominava-se
“Resistência” liderada por André Luiz Agostini. As outras duas concorrentes foram a chapa
considerada de “direita”, a “Reação”, liderada por Álvaro Luis Correa, e a “Novo Rumo”
representando a Convergência Socialista, liderada por Cícero Marcolan.
A disputa revelou um novo momento político do ME, quando o grupo considerado de
“direita” manteve-se unificado e o da “esquerda” dividiu-se em dois: a chapa “Construção”
de orientação marxista-leninista e a “Novo Rumo” vinculada a vertente uma trotskista.
A partir deste contexto se acirrou a disputa no movimento estudantil entre as diversas
correntes políticas. A corrente “Caminhando”, manteve a hegemonia no DCE e na maioria
dos diretórios acadêmicos da UPF até as eleições as eleições de 1984. Em 1981, venceu
com a chapa “Canto Geral’, liderada pela acadêmica de Medicina Ana Escobar. As chapas
derrotadas foram a “Consciência” liderada por Arno Buhler, representando a “direita” e a
chapa uma chapa de vertente trotskista liderada por Luiz Muller Fogaça.
As eleições para o DCE gestão 1982/83 ocorreram nos dias 20 e 21 de novembro de 1982,
com apenas duas chapas disputando: a “Nossa Voz”, liderada por Paulo Zílio e “Unidade”,
liderada por Ricardo Pedra. Uma terceira chapa “Despertar à Luta” acabou por retirar a
candidatura em apoio à chapa “Nossa Voz”: Esse episódio pode ser explicado pelo perigo
eminente de que a esquerda viesse a ser derrotada, tendo suas lideranças avaliadas como
fundamental não dividir a esquerda e manter a união dos estudantes buscando o
fortalecimento do DCE naquela conjuntura.
A chapa Nossa Voz liderada por Paulo Zillio, acadêmico do curso de Filosofia, foi a
vencedora, recebendo 2057 votos, contra 1206 dados à chapa Unidade liderada por Ricardo
Pedra, do curso de Direito. Mantinha-se assim a hegemonia da vertente marxista-leninista-
“Caminhando”, diga-se PRC, na direção do DCE e dos diretórios acadêmicos da UPF. O
quadro de hegemonia do grupo que assumira o comando do movimento estudantil em 1980,
a “Caminhando”, sofreu sua primeira derrota nas eleições de 1984, momento em que
entregou o DCE e muitos diretórios acadêmicos para um grupo liderado pelo PC do B.
Alexandre Rodrigues foi eleito presidente do DCE representando a chapa “Viração”.
Explica-se esta virada no comando do movimento estudantil a partir das mobilizações das
“Diretas Já” e da sua derrota para as eleições no colégio eleitora.
Nesta perspectiva, todos os grupos de esquerda e os partidos de oposição uniram-se na
mobilização da campanha das Diretas Já em 1984. O desfecho histórico com a eleição de
Tancredo Neves eleito no Colégio Eleitoral deixou repercutiu nas mudanças na direção do
movimento estudantil no Brasil assim como em Passo Fundo. A esquerda dividiu-se em
duas vertentes: uma liderada pelo PC do B e outras forças políticas favoráveis à saída das
eleições via colégio eleitoral e a vertente que se manteve contrária à saída da “conciliação”.
Esses últimos, ainda apostavam na saída revolucionária para a democratização do país.
Foram derrotadas pela “tradição” da política brasileira, conduzida, vias de regra, por uma
elite que se assustava frente à possibilidade de radicalização política.
A vitória do grupo liderado pelo PC do B ganhou adesão da maioria dos estudantes,
refletindo a tendência da maior parte da sociedade brasileira que ficou satisfeita com a saída
de transição do regime militar para a democratização.
No ano seguinte, a chegou ao DCE a chapa “Pés no Chão”, encabeçada por Beto
Albuquerque que solidificou um novo momento no ME em Passo Fundo. Este grupo
venceu as eleições não só para o DCE como também para a grande maioria dos diretórios
acadêmicos. Dentre os 3081 votantes nas eleições para o DCE neste ano, 1976 votaram na
chapa “Pés no Chão” e 1756 para chapa “Refazendo”, que representava o grupo
“caminhando”, aliado a forças mais de esquerda.
Nem direita nem esquerda, os estudantes optaram pela chapa que apresentou um programa
voltado par as questões específicas do movimento estudantil. Discutir conjuntura nacional,
não pagamento da dívida externa brasileira, a possibilidade ou não da revolução socialista
foi ficando para trás assim como a queda do Muro de Berlim em 1989. Fechava-se um ciclo
na história política da organização do movimento estudantil na Universidade de Passo
Fundo.
5 ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV,
2004.
6 Ver, entre outros, FERREIRA, Marieta de Moraes. “História oral: um inventário das
diferenças”, In: FERREIRA, Marieta de Moraes. Entre-vistas: abordagens e usos da
história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1994, p.1-13; ALBERTI, Verena (org.). História oral:
desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Fiocruz, Casa de Oswaldo Cruz, Cpdoc/-
Fundação Getúlio Vargas, 2000, p. 47-65.
2. A história oral como possibilidade de reflexão da importância do movimento
estudantil na transição do regime militar para o Brasil democrático
A metodologia orientadora desse estudo fundamenta-se basicamente na história oral
entendida como metodologia de pesquisa e possibilidade de construção do conhecimento
histórico da política brasileira pelo olhar e lembranças das lideranças estudantis militantes
no período de 1978 a 1985.
O grupo de líderes estudantis da Universidade de Passo Fundo participou ativamente das
organizações políticas presentes naquele contexto histórico articulando-se intensamente
com movimento estudantil assim como as mobilizações político-sociais nacionais. Portanto,
neste caso, os seus depoimentos constitui-se numa das possibilidades de recuperação do
passado conforme concebido pelos que a viveram5.
Esta opção pela técnica de história oral possui, entre outras especificidades, de ser
efetivamente uma fonte documental importante. Além disso, o caráter oral do depoimento,
fornece ao pesquisador outras possibilidades de investigação, no que diz respeito às
particularidades e recorrências do discurso do entrevistado, ao registro de suas hesitações,
ênfases, autocorreções, etc. Tudo isso, conforme os propósitos da pesquisa e as indagações
que se faz o pesquisador que consulta um documento de história oral, pode conter dados
significativos, além de permitir uma análise de discurso propriamente dito.
Assim, parte-se do pressuposto que a história oral é uma fonte legítima que se diferencia de
outras em alguns aspectos como, por exemplo, quando a versão do passado torna-se uma
representação ou ideologia em movimento sendo possível “reconstituir” ou reinterpretar um
fato.
Além dos aspectos apontados, a história oral permite introduzir o pesquisador na
construção da versão, “o que significa introjetar no documento produzido o controle
sistemático da produção da própria fonte”6.
7 ALBERTI, idem.
8 DE DECCA, Edgar. “Prefácio”. In: BURKE, Peter. Veneza e Amsterdã, um estudo das
elites do século XVII. São Paulo: Brasiliense, 1991; HEINZ, Flávio M. Considerações
acerca de uma história das elites. Logos. Canoas. Vol. 11, n. 1, p. 41-52, 1998; MARRE,
Jacques Leon. História de vida e método biográfico. Cadernos de sociologia. Porto Alegre,
v. 3, n. 3, p. 89-141, jan./jul./1991; SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia: um gênero de
fronteira entre a história e a literatura. In: RAGO, Margareth e GIMENES, Renato Aloizio
de Oliveira (org.). Narrar o passado, repensar a História. Campinas: Editora da Unicamp,
2000, p. 193-202.
A metodologia leva em consideração um aspecto fundamental para o desenvolvimento do
estudo: estabelecer com cuidado os personagens que serão entrevistados. Neste sentido, o
aspecto qualitativo torna-se mais relevante que o quantitativo, pois importa principalmente
a posição que o entrevistado ocupou no grupo de lideranças estudantis e o significado de
sua experiência7.
Assim, os prováveis entrevistados foram dirigentes das entidades estudantis e das correntes
políticas atuantes no período em questão. Denominamos a listagem de 200 estudantes
nestas condições como “entrevistados em potencial”. Na medida em que o processo de
desenvolvimento das entrevistas estiver em execução, poderão ser eliminados ou
acrescentados outros nomes.
Neste estudo, estabeleceu-se como primeiro passo um estudo por meio do método de
biografia coletiva. A biografia coletiva deve servir como representação do grupo maior,
mesmo não esgotando a diversidade destes estudantes e mostrar as ligações entre passado e
presente e o individuo e a sociedade. Como informações importantes que serão coletadas
são: origens sociais e familiares, formação escolar e trajetória profissional8.
Neste mesmo sentido, outro pressuposto a ser levado em conta é de que, no conjunto dos
estudantes universitários da Universidade de Passo Fundo, o que os dirigentes e lideranças
das diversas correntes do movimento estudantil compunham um grupo de elite. Os
entrevistados podem então ser definidos como um grupo especial que os distinguia pois
mesmo sendo minoritários tinham influência decisiva na condução dos acontecimentos do
período estudado.
Diante do tema e das questões que norteiam a pesquisa é importante que o pesquisador
estude as versões que os entrevistados fornecem acerca do objeto em análise. Tais versões
devem ser elas mesmas objeto de análise. Se o emprego da história oral significa voltar à
atenção para as versões dos entrevistados, isso não quer dizer que se possa prescindir de
consulta as fontes já existentes sobre o tema escolhido. Essas fontes servem como apoio e
instrumento de análise das entrevistas. Reflexões e ponto de vista pessoal sobre a
experiência vivida no período estudado.
Em termos de memória do movimento estudantil, as entrevistas serão conduzidas no
sentido de valorizar as lembranças em torno do sentido de pertencer a organizações ou
correntes políticas, a maioria de esquerda. Temas em pauta eram, entre outros, a luta pela
democratização, a anistia ampla geral e irrestrita, a reconstrução da UNE e da UEE, a luta
pelo ensino público e gratuito e, por fim, a campanha das diretas-já, as greves, o espaço do
lazer. Ao final do estudo, a biografia coletiva, uma espécie de memória coletiva, e os
depoimentos estarão conectados com vivências e experiências pessoais contemporâneas.
Referências
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Fiocruz, Casa de Oswaldo Cruz, Cpdoc-Fundação Getúlio Vargas, 2000, p. 47-65.
ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
CHAUVEAU, TÉTART, Ph. (org.). Questões para a história do presente. Bauru: Edusc,
1999.
DE DECCA, Edgar. “Prefácio”. In: BURKE, Peter. Veneza e Amsterdã, um estudo das
elites do século XVII. São Paulo: Brasiliense, 1991.
FÉLIX, Loiva Otero. História e memória. A problemática da pesquisa. Passo Fundo:
Ediupf, 1998.
FERREIRA, Marieta de Moraes (Coord.) Entre-vistas: abordagens e usos da história oral.
Rio de Janeiro: FGV, 1994.
FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos e abusos da história oral. Rio de
Janeiro: Editora da FGV, 2001.
FERREIRA, Marieta de Moraes. História oral: um inventário das diferenças, In:
FERREIRA, Marieta de Moraes. Entre-vistas: abordagens e usos da história oral. Rio de
Janeiro: FGV, 1994, p. 1-13.
GOMES, Ângela de Castro. Escrita em si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
HEINZ, Flávio M. Considerações acerca de uma história das elites. Logos. Canoas. Vol.
11, n. 1, p. 41-52, 1998.
MARRE, Jacques Leon. História de vida e método biográfico. Cadernos de sociologia.
Porto Alegre, v. 3, n. 3, p. 89-141, jan./jul./1991.
MARTINS FILHO, João Roberto (org.). 1968: Faz 30 anos. Campinas: Mercado de Letras;
São Paulo: Fapesp; São Carlos :Edufscar, 1998.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 4ª ed. São Paulo: Edições
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POLLACK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
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SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia: um gênero de fronteira entre a história e a literatura.
In: RAGO, Margareth e GIMENES, Renato Aloizio de Oliveira (org.). Narrar o passado,
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TEDESCO, João Carlos (org.). Usos de memórias (política, educação e identidade). Passo
Fundo: Ediupf, 2002.
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