FONTE: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=43893
24 DE SETEMBRO DE 2008 - 20h15
Ronald Rocha revela o PCdoB na UNE dos anos de Chumbo
O ano de 1968 entrou para história mundial como o ano da contestação juvenil. No Brasil as coisas não foram diferentes. Mas, quando se conta a história deste ano memorável e de suas lutas, geralmente esquecemos o papel desempenhado por inúmeras organizações revolucionárias, entre elas o PCdoB. Em entrevista ao historiador Augusto Buonicore, o vice-presidente da UNE entre 1969-1972, Ronald Rocha, conta as lacunas dessa historiografia.
Em qual escola você estudava e quando começou sua militância no movimento estudantil da Guanabara?
Ronald: Comecei a militar em Belo Horizonte, aos 19 anos, na Faculdade de Engenharia da atual UFMG, participando do processo eleitoral para o Diretório Acadêmico (DA) em 1962. Um ano depois, por motivos familiares, transferi-me para a então Escola Nacional de Engenharia (ENE), no Estado da Guanabara, onde me reintegrei ao movimento estudantil. Naquela época, ainda não era membro de nenhum partido. Em 1966 entrei na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFI). Prossegui cursando, ao mesmo tempo, a especialização em Engenharia Econômica, que funcionava no Largo de São Francisco. Aconteceu nesse ano o meu engajamento definitivo na esquerda organizada, que nunca mais cessou.
Quais foram as razões que o levaram a ingressar no PCdoB e não em outra organização de esquerda? Sua entrada teve alguma relação com a incorporação da maioria revolucionária do Comitê Regional do PCB em 1968?
Ronald - Minha primeira militância partidariamente organizada começou, na verdade, no Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1966. Nesse ano fui membro da primeira diretoria da União Metropolitana dos Estudantes (UME), recentemente reorganizada, e secretário de massas na organização de base da FNFI. Em 1967, a luta interna no PCB precipitou-se pelo choque de posições diferentes diante do processo eleitoral. O Comitê Regional apoiou Negrão de Lima, do MDB, e o Comitê Universitário optou pela campanha do voto nulo, sendo destituído por negar-se a aplicar a orientação superior. O setor universitário permaneceu unido e decidido a organizar uma frente de protesto contra a farsa eleitoral com a Ação Popular (AP) e a Política Operária (Polop). Dessa crise originou-se a Dissidência Estudantil da Guanabara, que passou a ser conhecida, simplesmente, como Dissidência. No final de 1967 sua direção buscou contatos com novos setores que, recém rompidos com o PCB, depois organizariam o PCBR. Reunimo-nos algumas vezes com Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e Mário Alves, debatendo uma possível unificação. As divergências sobre os rumos e métodos do combate ao regime militar impossibilitaram a fusão orgânica. No mesmo ano, estabelecemos contatos com a maioria do Comitê Regional (Guanabara) do PCB – que acabara de realizar uma crítica e uma ruptura com a matriz reformista de origem – e, também conversamos com o pessoal do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que no Rio de Janeiro era uma agremiação pequena. Em 1968, essas três correntes – Dissidência, Maioria do CR do PCB e PCdoB – fundiram-se e reorganizaram o PCdoB no Rio de Janeiro.
Qual era a força do PCdoB no Rio de Janeiro, especialmente no movimento estudantil, e quais eram as outras lideranças estudantis estaduais desse Partido?
Ronald - Antes da fusão orgânica, a presença do PCdoB no movimento estudantil carioca era reduzida. Depois cresceu rapidamente, reforçado pelos militantes da Dissidência e o retraimento das outras organizações no movimento de massas. Naquele momento eu fazia parte do Diretório Central dos Estudantes (DCE-UFRJ), que funcionava no “Pentágono”, assim apelidado, em contraponto jocoso com o equivalente estadunidense, por ser um aglomerado de cinco faculdades nas proximidades da Praia Vermelha. Um episódio marcou a correlação de forças em gestação no movimento estudantil carioca no início de 1968: o fim da FNFI. Todavia, os estudantes mantiveram a iniciativa e fundaram Centros Acadêmicos (CA) nas novas unidades. O mais forte, combativo e organizado foi o CA Edson Luís (CAEL) do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFICS). Fui presidente da primeira diretoria eleita: uma composição do PCdoB com a AP. Com o tempo, o PCdoB passou a ter vários militantes de maior ou menor expressão, como Bira, David, Kleber, Lincoln, Lúcio e Myriam no IFICS, Mauro e Noronha na medicina, José Roberto na Química, Criméia na Enfermagem, Rangel na Faculdade de Direito, Ciro Flávio, Antônio de Pádua (Piauí) e Arildo Valadão em faculdades já deslocadas para o Fundão como Arquitetura e Física. Esses são apenas alguns camaradas entre muitos outros, destaco, como exemplo, Adriano Fonseca, combatente morto no Araguaia, com quem morei um tempo na clandestinidade e de quem me orgulho ter sido amigo. Em suma, tratava-se de uma militância coletiva. Nos preparativos para o 30º Congresso da UNE foi possível organizar, pela primeira vez, uma bancada do Rio de Janeiro em torno da política do PCdoB.
Pelo que tenho estudado, houve um aumento expressivo na participação do PCdoB no movimento estudantil nacional entre 1967 e 1968.
Ronald - Houve um forte crescimento do PCdoB entre 1967 e 1971, especialmente no Rio de Janeiro, com a sua reorganização, no Ceará, com a emergência de um reconhecido e amplo trabalho de massas, e na Bahia. Em outros estados, como Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo, a construção orgânica na área estudantil ainda dava os primeiros passos em 1968. No Congresso de Ibiúna havia uma boa delegação do PCdoB, embora a AP e o bloco dos demais grupos estivessem com muito mais delegados. A correlação de forças ficou clara nas únicas votações havidas na plenária de abertura, em torno de questões de encaminhamento. Antes da irrupção das forças repressivas havia uma pequena maioria para a chapa AP-PCdoB, encabeçada por Jean-Marc.
Fale um pouco sobre a decisão de se realizar um congresso da UNE clandestinamente em Ibiúna? Qual foi a posição das correntes estudantis?
Ronald: No segundo semestre de 1968, a AP (Ação Popular) e o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) propuseram um congresso sustentado e protegido pela mobilização de massas. O PCdoB defendia o Crusp (Conjunto Residencial dos Estudantes da USP) como o melhor local. Lá, a repressão ao Congresso significaria a quebra da autonomia universitária. Todavia, o Conselho Nacional da UNE aprovou a proposta de realizar o congresso clandestinamente por exígua maioria de votos, o que esteve na origem da queda de Ibiúna, que quase desorganizou completamente o movimento. Tal assunto foi discutido dentro do presídio Tiradentes, com críticas à diretriz e às ilusões que facilitaram a ação ditatorial. Em votação realizada cela por cela, os delegados apontaram os erros de orientação que conduziram à derrota e aprovaram a proposta da aliança PCdoB-AP, que colocava em pauta a remontagem do 30º Congresso no início de 1969 como tarefa principal. Dessa decisão saiu a indicação de uma comissão organizadora para garantir a aplicação da proposta e inclusive garantir fugas. Houve uma tentativa fracassada no Centro de São Paulo, porque alguns delegados, desinformados, não se integraram ao plano e também porque a porta de emergência do ônibus, enferrujada, não abriu. Fomos, então, levados ao Dops. Pela foto recuperada no Arquivo Público do Rio de Janeiro, era 12 de outubro de 1968. Eu e Jean-Marc demos informações falsas no interrogatório e evitamos a identificação. Assim fomos remetidos, respectivamente, para Minas Gerais e Paraná, onde éramos desconhecidos. Nos beneficiamos das deficiências no sistema de informação, hoje impensáveis por causa da informática.
Fale um pouco sobre esse processo de remontagem do congresso da UNE?
Ronald: Imediatamente, reencontrei-me com Jean-Marc e reiniciamos a remontagem do 30º Congresso. O cearense João de Paula também começou a desenvolver o mesmo esforço, com um périplo pelo país. No processo refeito, o cômputo dos votos foi realizado em sessões estaduais, pois, naquela conjuntura um encontro nacional com tantos delegados seria uma aventura e levaria a uma nova queda. A Plenária Nacional foi remontada no Rio de Janeiro em abril de 1969 – na região da Barra da Tijuca, perto da Lagoa de Jacarepaguá – em outros moldes, com um número mais reduzido de presentes. Os militantes do PCdoB que compuseram essa diretoria foram quatro: eu do Rio de Janeiro, Genoíno do Ceará, Helenira de São Paulo e Aurélio da Bahia. Só não lembro se esse último camarada foi eleito na Plenária Nacional ou se entrou depois, no início de 1970, como suplente substituto de Genoíno ou Helenira, que se deslocaram para o Araguaia no meio do mandato. Dois anos depois, em dezembro de 1971, realizou-se o 31º Congresso. Uma carta aos estudantes – escrita por mim e aprovada em reunião da diretoria – foi divulgada em todo o país. Os delegados foram eleitos em reuniões limitadas convocadas pelos DAs, que eram as únicas instâncias autorizadas a fazê-lo. Embora fossem as mais amplas possíveis, naquelas circunstâncias, quando já imperava o terrorismo de Estado, deveriam observar critérios de segurança mais rígidos. Portanto, foram eleitos em fóruns semi-fechados e não mais em assembléias abertamente convocadas. Os representantes à instância nacional, por sua vez, surgiram em Encontros descentralizados regionalmente, formados com delegados de um estado apenas ou aglutinando os vizinhos.
Como foi a participação das correntes políticas estudantis neste congresso clandestino?
Ronald - A correlação de forças entre o PCdoB e a AP ficou muito equilibrada. O PCB e as organizações vinculadas à guerrilha urbana não participaram. A Plenária Nacional ocorreu no Rio de Janeiro, numa casa de subúrbio. Foram eleitos onze diretores, a partir das sessões regionais: cinco da AP e seis do PCdoB. Fui indicado para a presidência. No final das contas, a AP ficou com o cargo, pleiteando a continuidade de Honestino Guimarães, que havia substituído Jean-Marc após sua segunda prisão, e o PCdoB ficou com a maioria dos onze diretores, sendo que dez na época denominados vice-presidentes e com responsabilidades regionais. Esses diretores eram eu do Rio de Janeiro, Marco Aurélio de Minas Gerais, Rufino do Ceará, Maria Emília da Bahia, Jorge Paiva de São Paulo e Luis Oscar do Rio Grande do Sul. Os da AP eram Honestino Guimarães, Humberto Câmara, Neuton Miranda e mais dois companheiros cujo nome não recordo. Com a prisão e assassinato de Honestino e Humberto, os militantes do PCdoB, já na clandestinidade, mantiveram a UNE funcionando, com a importante ajuda de remanescentes da AP e muitos companheiros independentes. Todavia, os vínculos da entidade com a ampla maioria dos estudantes já estavam sendo cortados pela repressão, sobretudo após o início das operações militares no Araguaia e a caçada aos militantes comunistas em todo o país.
O que diferenciava o PCdoB das demais correntes?
Ronald - Apesar das diferenças havia um senso de unidade diante do regime militar. Na chamada Sexta-Feira Sangrenta, que aconteceu na semana anterior à “Passeata dos Cem Mil” e na qual foram assassinados cerca de dez populares e feridos centenas, o comando da manifestação de três militantes tinha a seguinte composição: eu (do CAEL e membro do DCE-UFRJ), Marcos Medeiros (do PCBR e membro do DCE-UFRJ) e Cid (do recém fundado MR-8). As opiniões e polêmicas se manifestavam, obviamente, nas políticas, propostas, posturas e métodos de trabalho. Contudo, as guerras de palavras de ordem eram quase sempre obra de uns poucos militantes envolvidos em querelas sectárias, jargões forçados e demarcações ininteligíveis pelos estudantes e populares. As diferenças eram, esquematicamente, as que seguem. O bloco PCdoB-AP investia na luta de massas, inclusive por reivindicações específicas, centrava o ataque no regime militar, tratava a resistência armada como expressão da luta popular e defendia uma aliança democrática, progressista e antiimperialista ampla. As correntes políticas que caminhavam para a auto-militarização procuravam cingir o movimento estudantil à luta contra a política educacional do governo, mostravam-se muito divididas na questão de como tratar o regime militar, passavam a defender a realização imediata de iniciativas armadas por pequenas células e tratavam as alianças, exclusivamente, como acordos entre organizações revolucionárias unidas com base na “prática” das ações militares. Depois, aos poucos, começaram a abandonar as mobilizações de massas. Ao fim e ao cabo, passaram a encarar o movimento estudantil como ambiente destinado a gerar quadros para a revolução social, retirando-lhe o papel que desempenhava na luta pelas reivindicações específicas das forças vivas da universidade e no combate político contra o regime militar. O PCB, cada vez mais enfraquecido desde 64, via as mobilizações de massas como aventura, era contra o lema “pela derrubada do regime militar”, tratava a luta democrática como o simples aproveitamento dos espaços legais extremamente exíguos, rechaçava terminantemente a perspectiva da resistência armada e centrava suas alianças nos entendimentos com os setores liberais. Essa linha deixou seus militantes à margem do movimento real e fora do 30º e 31º Congressos.
Qual a importância e qual a autoria do documento sobre o movimento estudantil lançado pela direção nacional do PCdoB em junho de 1968?
Ronald: Em minha opinião, esse documento teve pouca incidência. O trabalho estudantil do PCdoB crescia rapidamente em 1968, mas ainda não havia uma fração que organizasse e centralizasse sua política em todo o país. Só no segundo semestre, portanto alguns meses antes do Congresso de Ibiúna, houve uma articulação nacional. Isso aconteceu a partir de uma reunião em São Paulo, com a assistência de Diógenes Arruda Câmara, na qual camaradas com funções dirigentes no movimento estudantil de Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará se encontraram pela primeira vez. Esse encontro discutiu a resolução estudantil que já estava aprovada. Provavelmente, o texto foi redigido pelo próprio Arruda que o apresentou na ocasião em nome do Comitê Central. Ali também foi pautado outro texto, de autoria da Comissão Executiva, deve ter sido redigido igualmente por Arruda, que gerou algumas polêmicas. Com algumas modificações, a “Contribuição ao 30º Congresso da UNE” acabou sendo impressa em São Paulo e assinada por mim, identificado como “presidente do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais”, João de Paula Monteiro, nomeado como “ex-presidente do DCE da UFC” e “presidente do DA da Faculdade de medicina da UFC”, e Nair Y. Kobashi, apresentada como “Secretária de Intercâmbio da AURK” que, se não me falha a memória, era a entidade representativa dos estudantes do CRUSP.
Como se deu a elaboração da tese ao 30º Congresso da UNE e qual sua repercussão no movimento estudantil brasileiro?
Ronald: A “Contribuição” não era uma proposta ao Congresso, com pretensões de ser submetido à aprovação, mas um instrumento para unir e mobilizar a militância do PCdoB e seus aliados. A AP também fez o mesmo. Portanto, não houve uma tese nacional do PCdoB ao 30º Congresso de Ibiúna. Também não houve uma tese na remontagem do 30º Congresso, que foi encarado, claramente, como conclusão do processo interrompido em Ibiúna. A Plenária Nacional, em abril de 1969, recebeu por consenso, entre as diversas entidades e correntes, a incumbência de analisar a nova situação política, definir as tarefas do movimento estudantil, balancear o resultado das votações nas sessões estaduais, homologar o resultado totalizado e empossar os novos diretores. A chapa PCdoB-AP foi eleita, com Jean-Marc na presidência, contra a coalizão dos demais grupos, que indicavam a candidatura de Muniz, do MR-8 no Rio de Janeiro. O certo é que, depois de Ibiúna, os textos nacionais para o movimento estudantil de caráter externo e em nome da UNE, sempre conjuntos – aliança PCdoB-AP –, eram redigidos por mim e Jean-Marc. A partir da prisão de Jean-Marc, por mim e Honestino, que assumiu a Presidência por decisão da diretoria. Os documentos de caráter interno, por Ozeas Duarte e, às vezes, por mim.
Parece que diante das ameaças reais de divisão do movimento estudantil, os militantes do PCdoB constituíram, em 1968, o chamado Movimento de Unidade e Ação (MUA). Esta foi uma ação regional (CE) ou teve caráter nacional?
Ronald - O MUA, apesar de o nome assim o indicar, não era um movimento organizado propriamente dito, mas uma política e uma forma de abordagem pautada pela proposta de unidade diante das divergências, da escalada do sectarismo e da ameaça de divisão em 1968, especialmente nas entidades estudantis paulistas. Dessa maneira o PCdoB ganhou alguma autoridade, estabeleceu novos contatos e acumulou força. De fato, foi uma política nacional, expressa num texto redigido pela Comissão Executiva do Comitê Central, mas assinado por militantes cearenses. Durou, porém, pouco tempo, pois a centralidade da disputa se deslocou para a preparação do 30º Congresso. Com certeza, não houve a organização de um movimento estável com esse nome no Rio de Janeiro e nem no Ceará, onde o PCdoB trabalhava diretamente com as entidades estudantis e não com tendências ou correntes. Nesses Estados predominava a política de construir a unidade nos DAs, DCEs e UEEs. Aliás, o clima de repressão desaconselhava métodos que expusessem demasiadamente os militantes, embora nem todas as organizações políticas levassem em conta tal situação.
Você conheceu Helenira Resende? Fale um pouco sobre ela.
Ronald - Com Helenira, mantive contatos permanentes desde que passou a integrar a fração estudantil do PCdoB e a diretoria da UNE, a partir do 30º Congresso remontado em 1969. Militamos juntos por muito tempo e na clandestinidade. Havia afinidade e confiança mútua entre nós. Helenira foi uma revolucionária dedicada, corajosa e serena, pela qual todos os diretores da UNE tinham grande carinho e respeito. Quando nos encontramos pela última vez antes de deslocar-se para o Araguaia, percebi que deixaria um vazio. O nome de minha primeira filha, Elena, foi escolhido em sua homenagem. Assim, com essa grafia parcialmente misteriosa e cúmplice, assinava os bilhetes que me enviava.
Buonicore - Como era o trabalho clandestino da UNE após o AI-5?
Ronald - Mesmo depois do AI-5 havia mobilizações de massas e reuniões relativamente amplas. Lembro-me, por exemplo, de quando fizemos, no centro do Rio de Janeiro, um ato público contra a invasão do Camboja por tropas estadunidenses. Considerando uma foto na qual eu estava discursando, recuperada no Arquivo Público do Rio de Janeiro, a manifestação foi no dia 5 de junho de 1970. Em outra ocasião, quando o regime militar ordenou que o IFICS fosse fechado, realizamos assembléias gerais nas instalações físicas de outras faculdades durante meses, especialmente no “Pentágono”. Todavia, as manifestações de rua começaram a ser reprimidas à bala. Passamos, então, a realizar comícios relâmpagos, mas a divulgação tinha que ser reservada e dirigida apenas aos estudantes organizados em núcleos dentro das salas de aula. Ainda assim continuamos a manter ativa, no Rio de Janeiro, cerca de mil pessoas, a grande maioria de independentes, sem que a repressão pudesse evitar. Logo depois de iniciadas as ações estudantis, porém, os locais escolhidos eram transformados em verdadeiras praças de guerra, que resultavam, invariavelmente, em prisões, ferimentos e mortes. O próprio ingresso nas faculdades tinha que ser breve, o que dificultava o contato com a maioria dos estudantes. Em setembro de 1970 tive que sair do país para participar de um congresso internacional de jovens a ser realizado na Albânia, por ocasião dos festejos comemorativos de uma importante vitória guerrilheira contra as tropas alemãs estacionadas nos Balcãs. Retornei ao Brasil sem ser detectado. Aliás, esse fato nunca ficou conhecido pelos órgãos repressivos. A partir de 1970, a diretoria da UNE, mesmo reunindo-se periodicamente, teve que limitar seus contatos com os estudantes a incursões de surpresa, a reuniões com entidades intermediárias e à divulgação do jornal “Movimento”, editado em mimeógrafo até meados de 1972. Em face das dificuldades crescentes, decidimos realizar iniciativas ainda mais amplas, como a comemoração do cinqüentenário da Semana de Arte Moderna, que reuniu milhares de estudantes em várias capitais e nos deu oxigênio numa época de asfixia. No entanto, a arrecadação de finanças para ajudar a garantir a vida dos dirigentes, as viagens e a comunicação impressa foi se estrangulando, até se limitar à profissionalização de alguns pelas suas organizações, à solidariedade de amigos ou familiares e à importante ajuda de artistas de esquerda. Faço, aqui, um agradecimento público a Maria Bethânia e João do Vale, que ajudaram as entidades até quando foi possível continuar resistindo. Com o tempo, os diretores tiveram que abandonar os estudos para evitar a prisão ou, como no meu caso, foram expulsos de suas universidades com base no famigerado decreto 477. Nunca, porém, tomamos a decisão de cerrar as portas da entidade ou renunciar aos mandatos. Estou convencido de que essa atitude de resistência, sem capitulação e sem derrota definitiva, facilitou a reorganização da entidade alguns anos depois, sem uma lacuna abissal que liquidasse a tradição e a memória coletivas.
Por fim, você chegou a integrar a União da Juventude Patriótica? Ela era regional ou nacional? Qual era o seu objetivo naquele momento?
Ronald - Acompanhei a UJP desde o início, mas nunca me integrei à sua estrutura, pois, como diretor da UNE e membro do Comitê Central, seguia a orientação expressa de manter uma relação organicamente estanque. Esse movimento só existiu no Rio de Janeiro. Foi criado como projeto piloto, que mais tarde, a depender da experiência, poderia ser estendido a todo o país. O seu objetivo era, no momento em que as entidades de massa legais ou semi-legais estavam sendo duramente reprimidas e dispersadas, organizar os jovens combatentes – trabalhadores, estudantes e de outras camadas populares –, majoritariamente sem partido, mas que concordavam com um programa popular, democrático e antiimperialista, em uma frente única clandestina sob a direção do PCdoB. Reuniu, assim, cerca de 600 participantes. A Comissão Executiva Estadual foi composta por três militantes do PCdoB: o Lincoln (Secretário Político), a minha companheira Myriam (Secretária de Organização e responsável pela imprensa) e mais um quadro, cujo nome legal eu desconhecia. Depois ouvi comentários de que se era filho de Mário Alves, embora não possa confirmar com certeza essa informação. Desses, apenas Myriam sobreviveu, uma vez que, após minha prisão, conseguiu manter-se segura em nossa residência clandestina, no Grajaú, que não foi detectada pelos órgãos repressores, para depois abandonar seu trabalho e deslocar-se para o interior do estado, onde se alojou em casa de conhecidos até reencontrar-se comigo anos depois.
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