Grupos privados e recursos públicos: a União Nacional dos Estudantes e a bestialidade governamental
Otávio Luiz Machado.
Algumas primeiras notícias começam a chegar sobre a doação de recursos públicos à União Nacional dos Estudantes (UNE) que, numa ação inédita, também incorpora uma série de privilégios a um grupo político que toma conta da entidade há cerca de duas décadas. Seu nome: União da Juventude Socialista do Partido Comunista do Brasil (UJS/PC do B). E a ditadura militar durou 21 anos.
O argumento acerca da memória do movimento estudantil, que foi a primeira grande tacada da UJS/PC do B, já consumiu cerca de R$2,3 milhões num único projeto, embora já solicitaram um pouco mais de R$2,2 como “continuidade”.
A segunda grande tacada da UJS/PC do B é a construção do futuro Museu da Memória do Movimento Estudantil, que na realidade é um argumento utilizado frequentemente pelo grupo para o repasse de quase R$40 milhões pelo Governo Federal.
A minha convicção é que tal intuito será barrado pela Justiça.
Primeiro, a responsabilidade ou autoria tanto do incêndio como da demolição não poderão ser associados ao Governo Federal. Documentos da UNE, que podem ser vistos no nosso blog, ajudam a compreender o assunto. É só consultar aqui: http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com/2008/07/documento-da-une-no-ps-golpe-de-1964.html
Segundo, como o projeto patrocinado pela Petrobras que totaliza R$2,3 milhões foi utilizado pela UJS/PC do B unicamente a seu benefício e não ao objeto dos termos acordados na documentação, com certeza haverá um pedido de ressarcimento de tal valor aos cofres do Governo Federal.
A pressa do Governo Federal em liberar os recursos em poucas semanas não impedirá que a Justiça barre o processo, sobretudo por estarmos em período ELEITORAL, bem como da ilegalidade da doação e da má utilização de recursos públicos por um grupo privado (com CNPJ e tudo).
Já tivemos uma grande amostra do que o grupo político fez em prol da memória nacional, conforme os argumentos abaixo. No caso de um projeto da UNE, que foi realizado em parceria com a Fundação Roberto Marinho, cujo título é "História da UNE" (ou geralmente chamado de Memória do Movimento Estudantil), na análise do produto final do mesmo – o livro “Memórias estudantis: da fundação da UNE aos nossos dias” (de Maria Paula de Araújo, 2007) – está muito claro o quanto a entidade deixou de contemplar a história do movimento estudantil brasileiro a partir da UNE para relacioná-la apenas aos interesses atuais do PC do B na direção da entidade.
Em 1964, o prédio da UNE foi incendiado por parte de setores de uma sociedade civil conservadora. Quanto a tal fato não há dúvida nenhuma. No mundo jurídico a autoria de um crime é o principal argumento para se condenar uma alguém a ressarcir via indenização, ser apenado e ser preso. O prédio foi incendiando pela sociedade civil organizada e a demolição do mesmo ocorreu pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Não foi o Governo Federal ou o Estado Brasileiro que promoveu tais atos.Não há condições jurídicas para que o Governo Lula assuma tal compromisso, o que é diferente nos casos de prisões, torturas e mortes de militantes de esquerda durante a ditadura, que comprovadamente o Estado terá que assumir ainda mais do que já assumiu. A UNE apoiava Goulart, que era odiado por setores da direita organizada. Quando os golpistas estavam prestes a tomar o poder foi natural que eles apoiassem o terror. E grupos da sociedade civil que partiram para incendiar a sede de uma entidade que representava naquela época a mudança e estava com sua imagem muito associada ao Governo Goulart.
A própria entidade, em parceria com a Rede Globo trouxe tais elementos, embora o foco de tal projeto foi mesmo com a intenção de promover a promoção de tal grupo. Ou a UJS/PC do B não leu o material reproduzido ou não deram o mínimo ao que os depoentes gentilmente falaram. Ou as duas coisas juntas.Vejam alguns trechos do material produzido pela UNE sobre o incêndio ao prédio da UNE:
1) Depoimento de Franklin Martins: "Boa parte dos estudantes que queimaram o prédio da UNE foram estudantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) da Faculdade de Economia".
2) Depoimento de Ferreira Gullar: "Nós voltamos para a UNE. Quando nós nos aproximamos, no carro, nós vimos que havia um tumulto muito grande em frente à UNE. E o carro foi avançando devagar, porque o trânsito não andava. De repente ficamos parados em frente à sede da UNE, e, em volta de nós, uma multidão furiosa, com bombas molotov e com revólveres, dando tiros e jogando bombas molotov na sede. Passavam pela nossa janela e eu, presidente do CPC, com medo de ser reconhecido e trucidado (riso). Enquanto isso, como eu soube mais tarde, o pessoal que tinha ficado na UNE fugiu pelos fundos do prédio, em face dessa investida dos lacerdistas e dos direitistas. Eu vi o momento e que a sede começou a pegar fogo. Então, nós voltamos para casa. Eu residia nessa época em Ipanema. Fomos atravessando todo o resto da Praia do Flamengo, o bairro de Botafogo, e entramos na rua Barata Ribeiro, que tinha bandeiras saldando o golpe. Era um clima bastante desagradável para nós. Havia um certo apoio, sobretudo da classe média, ao golpe, ao que estava acontecendo. Porque já tinha havido passeatas, manifestações da classe média, sobretudo, contra o governo João Goulart e, de certo modo, dando aval à sua derrubada".
3) Depoimento de Antônio Carlos Peixoto: "eu fui para o prédio da UNE. No prédio da UNE tinha uns trinta e poucos malucos fazendo coquetel molotov, umas garrafas cheias de gasolina, fazendo aqueles talhinhos na rolha... Para armar o coquetel molotov tem que ter um talho na rolha pra botar o pavio. Eu disse: "Vocês estão loucos, vocês vão morrer. Vocês vão ser trinta e poucos cadáveres dentro de muito pouco tempo. Aqueles que vieram aqui ontem de noite e metralharam, mas encontraram tropa da Aeronáutica aqui, eles vão voltar. E dessa vez não tem tropa da Aeronáutica não. Vocês vão morrer". Eu acho que talvez tenha sido a coisa mais útil que eu fiz na minha vida até hoje. Botei gente para fora de lá a ponta-pé e a pescoção, na base da autoridade, aos gritos: "Sai! Vai embora, some, desaparece!". Consegui convencer mais três ou quatro que me ajudaram nesta ingrata tarefa e aí eu fechei a porta da UNE, eu acho que eu fui a última pessoa que viu essa UNE. Fechei a porta e resolvi ir para casa. Também já tinha me mudado, estava morando na casa da minha avó, perto da Muda, na Tijuca. Então, em um primeiro arrastão, se eles não localizam dentro da casa onde o sujeito mora, não vão ter tempo de verificar a família, e tal. É preciso que estejam procurando especificamente aquela pessoa. Não ocorreu, nem ocorreria. Não era tão importante assim. E aí fui para lá, fui andando pela praia do Flamengo, começou a cair uma chuvarada, uma coisa horrorosa. Cheguei em frente à "estátua do índio" – o Monumento ao Índio Cuauhtemoc – debaixo de chuva e vi as primeiras labaredas saindo do prédio da UNE. Eles já o tinham incendiado. Nesse momento passa uma caminhonete, do Jornal do Brasil, e o indivíduo caridosamente – não sei se ele pressentiu alguma coisa, alguma solidariedade estranha que veio por fluidos esotéricos – me deu uma carona até a Praça da Bandeira. Passamos de longe em frente à UNE e eu a vi queimando mesmo. Então eu digo: "É, foi um pedaço da minha vida que foi embora". Depois disso eu vou tentar recompor os cacos, os pedaços, viajar para o interior do Brasil. Fui ao nordeste, percorri todos os estados do nordeste, desde o Rio Grande do Norte até a Bahia. Fui ao Rio Grande do Sul duas vezes, fui a Minas. Em junho, a direção do Partido me mandou para São Paulo, porque eu tinha uma cara muito manjada no Rio de Janeiro".Nos depoimentos que coletamos ou tivessos acessos com esses ou tantos outros personagens das cenas acima descritas confirmam a presença de grupos de civis na liderança do incêndio do prédio da UNE em 1964. E não o Estado Brasileiro.
Por outro lado, a derrubada do prédio da UNE foi organizada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. No depoimento do ex-Presidente da UNE Ruy Cesar está muito claro ao projeto UNE/Rede Globo:
"No dia seguinte à nossa visita ao prédio da UNE, apareceu na reitoria e na diretoria da escola que funcionava no prédio um laudo de que o prédio estava condenado. Os engenheiros da Prefeitura chegaram à conclusão de que o prédio cairia e que ele tinha que ser desocupado naquele momento. Então, os estudantes foram arrancados das carteiras. De repente, tinha um bando de estudantes e professores no meio da rua olhando para um prédio vazio. Todos foram retirados rapidamente. A Associação dos Engenheiros do Rio de Janeiro disse que não havia nenhum problema com o prédio. Eles queriam fazer um outro laudo, mas nem a polícia nem a Prefeitura deixaram a Associação entrar para fazer o outro laudo, e a gente começou a organizar manifestações. A imprensa começou a divulgar que a Prefeitura demoliria o prédio imediatamente, e a situação ficou bastante difícil. Nós começamos a organizar um conjunto de forças no Rio de Janeiro, e a polícia cercou o prédio com batalhões. Acho que havia quase três mil soldados na porta do prédio, fechando o prédio para que a gente não conseguisse acessar. E nós do outro lado, em frente, na Praia do Flamengo, com também outros três mil estudantes e parlamentares. Nós vivemos uns cinco dias de confronto, em frente a esse prédio, observando-os colocar as bombas para a implosão, tentando invadir. Fizemos várias tentativas de romper o cerco policial. O máximo que conseguimos foi pendurar uma bandeira numa sacada. Alguém me levantou, eu subi na sacada, e um guarda me puxou pelos pés. Nós fizemos uma batalha campal em frente à Praia do Flamengo. Heloneida Studart foi jogada da pista para o aterro, lá embaixo – acho que são uns quatro metros. Eles a pegaram pela cabeça e pelos pés e a jogaram na rua, de onde ela saiu toda ferida. Ela já era uma senhora. Raimundo de Oliveira teve o braço quebrado. Ele era deputado. Teve muita gente ensangüentada e que saiu perseguida pela polícia. Fomos parar na ABI, onde o presidente Barbosa Lima Sobrinho manifestou apoio. No dia seguinte, conseguimos dobrar o número de pessoas em frente ao prédio. Mas foi um episódio bastante frustrante, porque nós assistimos ao prédio cair. Eles implodiram o prédio na nossa frente. Na frente do prédio se travava uma verdadeira batalha, brutal. Policiais e estudantes brigando. Toda hora vinha um choque, jogavam bomba. Já havia um desejo de confronto. Nós estávamos desesperados. A gente queria invadir aquele prédio de qualquer jeito. O prédio desabou, toda a frente e o miolo, e ficaram aparentes somente o fundo e a abóbada do teatro. Foi um episódio extremamente doloroso. Acho que foi uma agressão à história do Brasil, um atestado de ignorância não só dos militares, mas também dos dirigentes do governo e da Prefeitura do Rio de Janeiro. Uma incapacidade da opinião pública de reagir, um bando de estudantes solitários brigando pela preservação de um espaço, de um patrimônio, de uma forma completamente isolada".----A ditadura civil-militar realmente conseguiu o seu intento: transformou a UNE 40 anos depois num Diretório Nacional dos Estudantes. É uma entidade silenciosa, arrogante, atrelada de corpo e alma ao Governo Federal e sem projeto para o Brasil. É uma UNE que ficou no seu canto deixando o Congresso manter Renam Calheiros na Presidência do Senado. Várias emendas parlamentares e os apoios financeiros dos irmãos de Renan à UNE pesaram enormente. A UNE também não apresentou nenhuma crítica ao Governo Federal desde 2003. O apoio financeiro das estatais, dos Ministérios e do Governo Federal como um todo contribuiu enormemente para a tomada de posição que envergonhou o movimento estudantil e o fez retirar o apoio à UNE.O apoio ao Governo Lula por esssa gente tem um motivo apenas: mais recursos públicos. Não é um apoio gratuito, desinteressado ou baseado numa ideologia política. É puro interesse financeiro.Sem a luta de setores do povo brasileiro que luta, dos cerca de 40 milhões de jovens brasileiros - e não a presença de uns poucos mil membros do PC do B - ou o interesse que muitas políticas públicas na área de social que contempla ou seja bem vista por significativa parte dos quase 200 milhões de habitantes do nosso País a agenda social não estaria na ordem do dia.Se hoje, a UJS/PC do B que tem sua imagem muito associada ao Governo Federal tocar fogo na sede dos partidos dos seus opositores como o PSOL ou o PSTU não significaria que o Estado apoiou tal atitude. Quando os militantes da UJS/PC do B partem para cima dos seus opositores com porrada não significam que eles estão falando em nome do Estado, porque se eles quiserem se tornar membros do Estado precisam prestar concursos públicos ou serem eleitos pelo voto universal do povo brasileiro. É bom dizer que nos congressos da UNE a direção não é eleita pelo voto universal dos seus representados (os estudantes). Então eles não entendem muito bom o jogo democrático.A direção da UNE é considerada pelos estudantes brasileiros como vendida, chapa-branca, baba-ovo e outros termos menos amenos que não seria bom registrar aqui. E ainda: correia de transmissão do PC do B no movimento estudantil. Mas não é por menos. O Partido que comanda a UNE há quase vinte anos – o PC do B – já está de casa nova. O PC do B recebeu doação de cerca de R$600 mil da empresa que presta serviço à UNE na confecção das carteirinhas estudantis (a STB).
Ao buscar dar publicidade ao próprio projeto da Globo com a UNE, ao grupo que comanda a entidade há vários anos e não à história da UNE de fato, o que indica mais uma vez o monopólio de toda a história do movimento estudantil de forma muito estranha. Eis a explicação da autora logo no início:
“Este livro pretende recuperar um pouco dessa história e dessa memória recorrendo, de um lado, ao amplo acervo de depoimentos de antigos e atuais militantes e dirigentes da entidade, coletados e organizados pela equipe do Projeto Memória do Movimento Estudantil; e, de outro, à historiografia mais recente, que discute a história do Brasil contemporâneo e o papel dos estudantes nessa história” (Araújo, 2007, p. 18).
Num livro que traz como subtítulo “da fundação da UNE aos nossos dias”, cremos que a eliminação de estudos clássicos sobre a história da UNE é algo muito sério, sobretudo com a valorização extremamente positiva do Governo Lula e totalmente desfavorável aos seus antecessores. É o caso da Gestão Itamar Franco, que não apareceu nem na parte chamada “pequena Cronologia da História da UNE”. E muito menos citou-se o trabalho de Itamar Franco na devolução do antigo terreno da sede da UNE, o apoio à reconstituição histórica do movimento estudantil com o livro “UNE: reencontro do Brasil com sua juventude” .
A autora também deixou de recorrer aos acervos do PROEDES (UFRJ) – apoiando-se apenas nas fontes secundárias dos livros produzidos por sua coordenadora. Também não utilizou o rico acervo de entrevistas do CPDOC /FGV (Rio de Janeiro), que guarda relevantes entrevistas de José Talarico (que vivenciou os primeiros tempos da UNE), de Roberto Gusmão (Presidente da UNE em 1947) e de tantos outros. Nem fez mérito ao acervo do Edgar Leuenroth (Unicamp), sem falar nas inúmeras teses, dissertações e monografias produzidas a partir das universidades. Centrou as imagens do livro em sua brutal maioria nos arquivos no Rio de Janeiro (sobretudo do Jornal O Globo), omitindo imagens fantásticas de jornais como Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, Estado de Minas, Jornal do Commercio (Recife) e tantas outras referências. O mais impressionante é o descaso com as fontes, pois a autora abandona autores e fontes preciosíssimas da própria história da UNE, como o livro de depoimentos publicado por Jalusa Barcelos, o livro “UNE: Reencontro do Brasil com a sua Juventude”, o “História da UNE” (Nilton Santos) e o trabalho precioso de Dulles que trata da história da Fundação da UNE, também. Com tal atitude, o projeto da UNE/FRM quis apenas mostrar que os seus produtos são originais e os melhores já produzidos no Brasil. Ao buscar fugir do formato acadêmico, onde o debate, o compartilhamento de saberes e o rigor técnico são próprios da produção do conhecimento, a UNE/FRM também em nada ajuda a contribuir com um dos princípios das Diretrizes originais do Programa Memória do Mundo da Unesco, que é o de garantir o acesso universal e lutar pela preservação dos documentos. Quando é dada publicidade a um conjunto documental raro – que consideramos tratar quando falamos do movimento estudantil – se está contribuindo para alertar governos e a sociedade de modo geral quanto aos riscos de perda e de sua importância como patrimônio documental.
A própria parceria de setores do movimento estudantil com a Rede Globo é questionável, pois as organizações do jornalista Roberto Marinho historicamente combateu o movimento estudantil e tantos outros movimentos que lutavam contra a ditadura civil-militar. Pois a Globo tratou a UNE durante a ditadura como “Ex-UNE”, os militantes como “terroristas” e a militância política como “subversão”. É a mesma empresa que apoiou a ditadura, que não divulgou os primeiros momentos da campanha pelas “Diretas” e deu um golpe na redemocratização do país ao tornar a campanha de 89 como uma nova chance das elites do País de continuar no poder com a vitória do empresário Collor contra o operário Lula. ou ainda ressaltar a cobertura da Globo no movimento dos “cara-pintada” e na queda de Collor, que sobrevalorizou a contribuição do movimento estudantil justamente como argumento conveniente para as elites, pois com essa versão da história retira-se a imagem do reacionarismo histórico de nossas elites. Retira a imagem de que a elite é golpista e que sempre tem o interesse de derrubar presidentes eleitos na hora que quiser.
Por tais motivos muitos jovens brasileiros protestaram na PUC-SP quando da ocorrência de um seminário do projeto da UNE/Rede Globo por lá. A direção da UNE também não consultou suas bases quando da realização da parceria, o que gerou reação através de várias reclamações apresentadas nos congressos da entidade. Obviamente nunca considerados ou debatidos entre a direção da UNE e base estudantil. Em qualquer projeto de pesquisa é fundamental a escolha dos parceiros.
Outro aspecto é a escolha das fontes. No caso dos depoimentos, a escolha das pessoas que serão entrevistadas ocorre em função dos objetivos claros e definidos do projeto. É para se questionar que, ao se gastar tempo e recursos para entrevistar depoentes que porventura seriam importantes para a “história da UNE”, o projeto tenha escolhido os ex-presidentes que estiveram recentemente na UNE: Gustavo Petta (Presidiu a entidade entre 2003 e 2007), Felipe Maia (2001-2003), Wadson Ribeiro (1999-2001), Ricardo Capelli (1997-1999), Orlando Silva Júnior (1995-1997), Fernando Gusmão (1993-1995). Ou ainda Mauro Guimarães Panzera, que foi presidente da UBES em 1990, bem como Felipe Chiarello, o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) de 1999 a 2001, que também participou de campanhas contra o corte de bolsas do Programa de Educação Tutorial, juntamente com a Coordenadora Técnica do Projeto da UNE/Rede Globo, Angélica Muller.
O mais enigmático dos entrevistados “selecionados” é Marcelo Britto da Silva, o Gavião, que foi Presidente da União Juventude Socialista (UJS) em 2007 e da UBES em anos anteriores, que garantiu mais uma vez a continuidade do PC do B na direção da UNE, pois para ele, “a UJS é uma entidade que tem uma responsabilidade para com a UNE muito grande. Tratamos a entidade com muito carinho e atenção no cotidiano do conjunto da nossa militância”.
Mas é importante questionar se a entrada de tais depoentes seria em função de uma possível que teriam com o PC do B ou com a sua União Juventude Socialista (UJS), levando-se em consideração que nada possuem de contribuição para a reconstituição da história da UNE. Nesse aspecto o projeto UNE/Globo peca sensivelmente. Além do fato da instrumentalização do esquecimento, o projeto da UNE/FRM está mais ligado à instrumentalização política da história.
Como alguns autores já trataram, a instrumentalização do esquecimento é uma arma política contra as democracias. Apoiando-se no projeto da UNE/Globo, o passado é utilizado pela direção do PC do B na UNE para massacrar o que pesquisadores, instituições e o próprio país têm produzido em termos de história do movimento estudantil. Ademais, a UNE ao associar-se à Rede Globo, também pautou-se no desperdício dos recursos públicos pois: 1) A produção em vídeo acabou beneficiando muito mais a parceira do que a UNE, pois se montou um acervo importante para novos produtos da empresa; 2) O apoio da Globo ao projeto foi reduzido, pois não doou muito sua estrutura ao projeto; 4) como é próprio da televisão apenas nomes consagrados vão para a telinha; 5) E nomes consagrados não produzem novidades, pois já falaram milhares de vezes em tantos e tantos veículos.
Um outro aspecto foi a estranha campanha de arrecadação de documentos da UNE, bem como o levantamento feito visando a produção de um guia de fontes, que o projeto UNE/FRM divulgou a todo canto que daria publicidade às fontes existentes e contribuiria para o acesso as mesmas.
Por fim, o que mais chamou a atenção do Projeto "História da UNE" foi o obscurecimento ao invés de um maior esclarecimento sobre a data de criação da UNE, pois o Projeto sempre recorreu a alguns argumentos pouco convincentes. Se tivessem consultado realmente os novos estudos sobre o movimento estudantil poderia ter refletido um pouco melhor sobre a origem da UNE. E não ficaria nos argumentos vazios apresentados.
Ademais, a própria Coordenadora Técnica do Projeto MME, Angélica Muller, que inclusive produziu dissertação de mestrado que passa pela origem da UNE e é clara que a UNE faria 70 anos em dezembro de 2008, tem seu próprio trabalho sumido de tudo que o projeto da UNE produziu. É frustrante a omissão da autora diante da história oficial da UNE, a entidade que encomendou o projeto MME à Fundação da Rede Globo.A partir daí, cremos que o marketing dos 70 anos da UNE foi a forma encontrada para a captação de recursos públicos aos milhões, pois a UNE sequer estudou as conclusões do Projeto MME sobre a data correta de fundação da UNE. A Coordenadora Técnica do Projeto afirmou à Revista de História da Biblioteca Nacional que a UNE foi fundada oficialmente em 1938. Ao ser questionada sobre o pôrque da UNE divulgar que a data de fundação foi agosto de 1937, Muller novamente confirma a data da criação, mas sem questionar a data fictícia da entidade:
“Porque naquele ano a Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, criou o Conselho Nacional de Estudantes. Foi, de fato, a principal origem da UNE, mas, pelo seu estatuto, o Conselho não podia ter fins políticos. Inclusive proibia os membros de abordar assuntos políticos. Quando houve o Segundo Congresso Nacional dos Estudantes, em dezembro de 1938, militantes do Partido Comunista já haviam tomado conta do Conselho e conseguiram aprovar uma pauta explicitamente política. Com isso, deram outro perfil à iniciativa e propuseram a criação de um novo órgão: a União Nacional dos Estudantes do Brasil. A carta-circular que menciona a UNE pela primeira vez é datada de dezembro de 1938” (http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1089).
Da história da Fundação da UNE, é lamentável que um único nome que ali não se trabalhou adequadamente foi o de Antônio de Franca, sobretudo no que se refere ao tema da sua tese apresentada ao II Congresso da UNE: a “criação da UNE”. Que são questões já exploradas em trabalhos de fôlego como os de Arthur José Poerner (O Poder Jovem) e John Dulles (A Faculdade de Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas: 1938-1945).
Um outro aspecto a considerar é o seguinte: um projeto sobre o movimento estudantil que não seja devidamente debatido perde sua legitimidade perante os futuros leitores, sobretudo quando tal projeto é financiado com recursos públicos. O interesse público precisa ser considerado quando o Estado investe seus recursos em entidades privadas.
Dos recursos arrecadados ou solicitados pela UNE nos últimos anos, inclui-se basicamente recursos de estatais e de emendas parlamentares. Só ao projeto "Memória do Movimento Estudantil - complementação" foram solicitados R$1.586.700,00. Em outro projeto, intitulado "Pesquisa Cultura na UNE: 1999 a 2007", o valor foi de R$351.210,00. O projeto "Atividade de Cultura e Arte da UNE" foi o mais interessante, pois arrecadou cerca de R$1.875.902 apenas de emendas parlamentares. Só o Projeto “História da UNE” (ou Memória do Movimento Estudantil ) já consumiu R$2,3 milhões de recursos patrocinados pela Petrobras via incentivo fiscal.
O projeto sobre a história do movimento estudantil que recentemente a UNE aguarda recursos intitula-se "Sempre Jovem Sexagenária", cujo objetivo é o seguinte: "recuperar e organizar as informações sobre a história, através do levantamento de dados, organização de um acervo de documentos, coleta de depoimentos orais de ex-militantes, pretende ainda publicar um livro e um documentário, objetivando desenvolver a arte em geral envolvendo a área da leitura"[1].
Com valores de emendas ao tesouro feitas por parlamentares e totalizam R$650.000,00, que a nova investida da direção da UNE sobre mais um projeto de história da UNE surge. As emendas foram dos seguintes deputados do PC do B: Alice Portugal (R$ 200.000,00); Inácio Arruda (R$ 200.000,00) e; Renildo Calheiros (R$ 250.000,00).
É com base no destino que o PC do B está dando aos mais de R$4,5 milhões obtidos e exigidos do Estado para a reconstituição histórica da UNE, por meio do Projeto “História da U.N.E.”, que apoiamos nossos argumentos, pois não se produziu nada de significativo para a cultura brasileira. O maior beneficiário foi o PC do B, que centrou o projeto no registro e na sobrevalorização das últimas gestões do grupo no controle da UNE, e na propaganda de defesa do Governo Lula e dos seus próprios interesses de arrecadação de recursos públicos eternamente. E o pior: manipulou dados históricos adequando-os aos interesses do PC do B.
[1] Fonte: http://www.cultura.gov.br/salic4/index.php?pronac=0710778.
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