terça-feira, 20 de novembro de 2007

Venezuela: polarização por longo tempo

FONTE:
http://www.secom.unb.br/artigos/at1107-04.htm

Venezuela: polarização por longo tempo
Virgílio Arraes*

No último dia 10 de novembro, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o rei de Espanha, Juan Carlos I, tiveram um entrevero verbal durante a 17ª Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo. A causa foi o modo inadequado com que o dirigente venezuelano referiu-se a José María Aznar, ex-primeiro-ministro da Espanha. Ele aludia, desta maneira, ao apoio do governo espanhol, por meio do titular da embaixada, ao efêmero governante venezuelano Pedro Carmona, conduzido por um golpe de Estado em abril de 2002 – que teve o fracasso por desfecho dois dias depois.
Enfastiado, o soberano espanhol solicitou a ele que se calasse. Lá, nenhum dos dois chefes de Estado esteve com a razão. O primeiro-ministro José Luis Zapatero, ainda que por justificativa protocolar em decorrência da sua função, manifestou-se de forma mais contida e, por conseguinte, mais apurada, destacando-se positivamente em relação aos dois pela ponderação ali necessária.
Comunicativo, o presidente Chávez costuma impressionar as platéias para as quais se dirige por meio de floreios verbais marcantes, embora nem sempre expressos de maneira comedida. Em setembro de 2006, ao discursar no plenário da Organização das Nações Unidas (ONU), o dirigente venezuelano alcunhou o presidente George Bush de “diabo”. Em março daquele mesmo ano, Chávez já tinha o chamado, em uma aparição televisiva, de imoral. Deste modo, não surpreende mais o estilo do venezuelano, principalmente para quem acompanha a sua trajetória política dos últimos anos.
Na realidade, a desinteligência diplomática serviu para se chamar mais uma vez a atenção para a situação política interna – onde Chávez, graças aos programas sociais governamentais robustos, mantém a força eleitoral para o furor da oposição. O comportamento de seus oposicionistas variou em pouco menos de uma década de flagrante desrespeito à ordem constitucional, com o já mencionado golpe de abril de 2002; o locaute, entre dezembro do mesmo ano e fevereiro de 2003, dos altos funcionários da estatal PDVSA – responsável por uma queda significativa no produto interno bruto -; e o boicote nas eleições legislativas em dezembro de 2005.
Desnorteada, a oposição clama à comunidade internacional apoio político para influenciar o jogo interno de forças, a ser mensurado mais uma vez no referendo – marcado para o início de dezembro e autorizado pelo Congresso – relativo à reforma política, econômica e social da Constituição. No total, 69 de 350 artigos podem ser modificados. Com o intento de atrair a atenção regional ou mesmo mundial, fala-se na possibilidade de fraude no processo eleitoral ou se classifica o referendo como a ratificação de um golpe de Estado em andamento.
Contudo, a parte mais preocupante para a oposição é a modificação no tempo do mandato presidencial – seis para sete anos – com a possibilidade de candidaturas sem limites. Além do mais, propõem-se a redução da idade dos eleitores: dos atuais 18 para 16 anos – como é o caso do Brasil; e a ampliação dos poderes dos conselhos comunais – os quais, por seu turno, reduziriam o dos municípios e dos estados e, por conseguinte, da burocracia.
Os opositores afirmam que isto desvalorizaria os partidos políticos contrários ao governo, e ligaria os conselhos diretamente ao poder central. Acrescente-se que, na pauta, há a possibilidade de redução da jornada diária de trabalho para seis horas e a eliminação da chamada autonomia do Banco Central.
Quanto ao primeiro aspecto, a França dispõe de sistema próximo, com um mandato presidencial de cinco anos, e os Estados Unidos, no âmbito estadual, também. Bill Clinton governou o Arkansas por cinco gestões consecutivas, e George Pataki, o estado de Nova York por três consecutivas, por exemplo. Até meados do século passado, não houve nos Estados Unidos limite para os mandatos presidenciais.
Até o início de dezembro, forças políticas extremas venezuelanas vão se digladiar (espera-se apenas) nas urnas, a fim de delinear o novo perfil do oitavo produtor de petróleo do mundo. Contudo, a Venezuela, apesar da retórica do socialismo do século 21, ainda se distancia muito do modelo pretendido. De fato, a ampliação do Estado na economia ao nacionalizar progressivamente o setor de telecomunicações e o de produtos eletrônicos e investir mais nas áreas de saúde e de educação em 2005, Chávez obteve o Prêmio Internacional José Martí, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) por causa da diminuição do analfabetismo. Portanto, até o referendo, a efervescência política perdurará.


*Virgílio Arraes é professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). É mestre e doutor em História pela UnB, e revisor da Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI).

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