* Especial para o blog
A MEMÓRIA É NOSSA
Otávio Luiz Machado*
*Pesquisador do PROENGE/UFPE. Co-organizados dos livros Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior, Movimentos Juvenis na Contemporaneidade e tantos outros trabalhos.
É fato que a história da juventude brasileira é pouco conhecida. Muitos episódios envolvendo atuações, movimentos e repressões aos jovens são desconhecidos do conjunto dos brasileiros e das brasileiras. Cabe ao Estado brasileiro garantir todos os meios para que os brasileiros conheçam a sua História.
Mas, estranhamente, o Estado age noutra direção, pois, com a doação de R$40 milhões do Ministério da Justiça para a construção de um prédio de treze andares na Praia do Flamengo no Rio de Janeiro para a União Nacional dos Estudantes (UNE), privatiza-se a memória do movimento estudantil, pois muitos fatos relevantes foram instrumentalizados politicamente ou “esquecidos” pela UNE no seu projeto Memória do Movimento Estudantil, mesmo com quase R$5 milhões vindos do Governo Federal.
Um projeto de lei, que se encontra no Congresso, além de justificativas fracas, comete um erro histórico: “A mobilização dos estudantes tem agora como objetivo a reparação dos danos causados pelo incêndio ocorrido em 1964, de modo a possibilitar a reconstrução de sua sede no terreno mencionado e de um espaço reservado à preservação da memória do movimento estudantil”.
O Estado não incendiou aquele prédio e não tem obrigação nenhuma de reconstruí-lo. Foi a multidão de pessoas da sociedade civil que apoiavam o golpe a responsável. Também não justifica a criação de um centro de memória do movimento estudantil por uma entidade que vem dando péssimos exemplos quando o assunto é o resgate e a publicização da história dos estudantes. O PC do B ganha impulso nesse resgate da UNE em detrimento dos outros grupos. Foram levados documentos do DCE da UFMG para o Rio de Janeiro, retirando assim o direito do pessoal local conhecer a sua história. Produziu-se um livro (muito mal feito) cujo valor é R$60,00 nas livrarias que, mesmo financiado com dinheiro público não visou o interesse público ou o acesso do cidadão ao “conhecimento”.
Não se constrói prédio para grupo político com recursos públicos. Documentos de organizações políticas com matrizes ideológicas diversas não podem ficar nas mãos de um único grupo político, como é o caso do PC do B, mas do Estado, pois não existe meia-verdade ou meia-história reconstruída quando tratamos do interesse público. O PC do B não teria interesse de reconstituir o atentado à bomba ao Aeroporto dos Guararapes de Recife, em 1966, quando inclusive membros da AP – que depois foram para o PC do B – são apontados como autores daquele episódio que matou duas pessoas e feriu 14, contribuindo para fragilizar os grupos de esquerda de então. Muito menos teria o interesse de resgatar as tentativas de derrota impostas aos outros grupos, as confissões (sob tortura ou não) que permitiram prender tantos militantes, as deserções, o aparelhamento de entidades estudantis, os acordos com os militares às escondidas, o boicote à anistia, além de tantos outros episódios envolvendo a própria UNE depois de sua reconstrução em 1979, que merecem ser conhecidas do povo brasileiro.
Concentrando-se a História dos movimentos estudantis num local comandado por grupos políticos e com a conivência do Estado, será que tais episódios alguns dias serão devidamente esclarecidos, com o direito à memória e à verdade como o próprio Estado está pregando?.
O Projeto de Lei que “reconhece a responsabilidade do Estado brasileiro pela destruição, no ano de 1964, da sede da União Nacional dos Estudantes - UNE, localizada no Município do Rio de Janeiro, e dá outras providências”, é inconstitucional e fere em cheio os preceitos da administração pública, pois o Estado na prática de seus atos deve zelar para que o interesse público seja alcançado. Após a análise de todos os princípios de Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade, Eficiência, Razoabilidade e Proporcionalidade que devem ser observados pelo agente público no referido projeto de lei, certamente descartarão a cessão de recursos públicos para o grupo político em questão.
Quando o Estado atua contra o interesse público, seja em regime autoritário, seja em regime democrático, cabe uma representação aos mais diversos organismos multilaterais internacionais. A memória é nossa. Não é de grupo político nenhum.
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