FONTE: LISTA DO AUTOR
ARTIGO PUBLICADO NA FOLHA DE PERNAMBUCO
CIDADANIA - 03/04/2009
Lei Maria da Penha
Marcelo Santa Cruz*
Esse é o nome pelo qual popularmente é conhecida a Lei 11.340/2006. Teve origem, infelizmente, na tragédia de uma cidadã brasileira. Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica, foi vítima de agressões que lhe deixaram seqüelas permanentes; no caso, paraplegia nos membros inferiores. Ela sofreu dois atentados praticados pelo seu marido à época, Marcos Antônio Heredia Viveros, professor universitário. O primeiro foi no dia 29 de maio de 1983. Ele disparou contra a vítima que dormia e depois tentou encobrir o ocorrido, alegando ter havido uma tentativa de roubo na residência do casal. Transcorridas duas semanas, após regressar do hospital, ela sofreu mais um ataque de Marcos Antônio, aproveitando-se da fragilidade da sua condição de convalescente, tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.
Entre a dupla tentativa de homicídio e a prisão do criminoso, seu ex-marido, transcorreu nada menos do que 19 anos e 6 meses, em função dos procedimentos legais e dos instrumentos processuais vigentes na época, que tornavam a Justiça ainda mais morosa do que hoje. Ele foi condenado e cumpriu apenas dois anos e alguns meses de detenção. E este caso não pode, de maneira alguma, ser classificado ôisoladoö. Estudo realizado pelo IBGE, no final de 1980, constatou que 63% das agressões contra as mulheres acontecem no âmbito doméstico, e seus agressores são pessoas com relações pessoais e afetivas com as vítimas. Já a Fundação Perseu Abramo, em estudo efetuado em 2001, constatou que 11% das brasileiras já haviam sido espancadas ao menos uma vez; e destas, 31% nos doze meses anteriores. Isto significava, então, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no País. Ou uma a cada quinze segundos.
A Lei Maria da Penha, de 7 de agosto de 2006, foi criada exatamente para tentar coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, além de agilizar e endurecer as punições. Ela permite que o criminoso apanhado em flagrante seja preso ou tenha sua prisão preventiva decretada. Acabou com o pagamento das penas em dinheiro ou em cestas básicas. Triplicou o tempo de detenção para esse tipo de crime, que costumava ser de três meses a um ano e saltou para seis meses a três anos. E caracterizou a violência psicológica como forma de agressão, além de determinar que as investigações passem a ser mais detalhadas, com depoimentos não só das vítimas e do agressor, mas também de testemunhas.
A Lei ainda contempla medidas de proteção e assistência para mulheres em situação de violência ou com a vida sob ameaça. Elas variam, conforme cada caso, e devem ser determinados pelo Juiz em até 48 horas. Podem incluir a saída do agressor do domicílio, a proibição de sua aproximação física da agredida e dos filhos, até o direito da mulher de rever seus bens e cancelar procurações. Por fim, estabelece medidas de assistência social, como inclusão das mulheres em situação de risco no cadastro de programas assistenciais dos governos federal, estaduais e municipais.
A Lei Maria da Penha é uma proposta inovadora, e por isso mesmo polêmica. Alguns dos seus dispositivos têm recebido severas críticas de juristas conservadores, protagonistas de uma sociedade machista. Há também quem a defenda apaixonadamente. Mas, o que não se discute é que ela resultou de um processo democrático. Representa a transmutação do clamor social em norma jurídica através de um belíssimo processo legislativo, pois houve grande participação popular no seu encaminhamento. Entidades e movimentos sociais se mobilizaram nesse debate, e a própria Maria da Penha se empenhou em fazer do seu drama pessoal uma bandeira de luta a favor das vítimas da violência.
Ressalte-se ainda que o Brasil, ao sancionar a Lei 11340, tornou-se o 18º pais da América Latina a contar com um diploma legal específico que se aplica em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que aumenta a responsabilidade política e jurídica de órgãos públicos, para garantir punição aos agressores. E por meio dela se instituiu a Prevenção e Assistência à Mulher Vítima de Violência (Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública) com suas respectivas competências.
O que foi feito acertadamente e onde se errou, nessa Lei, somente o tempo poderá nos mostrar com segurança. Mas, sem nenhuma dúvida, ela traduz o esforço conjunto da sociedade e das suas instâncias de governo, em busca de uma solução efetiva para um gravíssimo problema social. * Militante dos direitos humanos. Vereador PT-Olinda e Coordenador-Adjunto do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social - CENDHEC
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