domingo, 27 de julho de 2008

Juiz Federal do Pará absolve comunicador comunitário

Fonte: lista de e-mails
Juiz Federal do Pará absolve comunicador comunitário


No dia 24 de julho de 2008 a jurisprudência brasileira mais moderna foi fortalecida com sentença proferida pelo Juiz Federal da Seção Judiciária do Pará, que declarou que “não constitui infração penal manusear Rádio Comunitária de baixa potência”.

O fato ocorreu com o comunicador Marcos Paulo Sousa Soeiro, da Rádio Pará FM (localizada na cidade de Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém), que estava sendo acompanhado pela assessoria jurídica do Fórum em Defesa das Rádios Comunitárias.

O Fórum em Defesa das Rádios Comunitárias foi criado em junho de 2007 e, pela primeira vez, obteve um resultado judicial que aponta no avanço da doutrina brasileira mais moderna. O Princípio da “insignificância” ou “bagatela”, que prega que o Estado não deve se ocupar com a repressão de crimes sem potencial ofensivo, está cada vez mais sendo utilizado para absolver comunicadores comunitários que se utilizaram de equipamentos de baixa potência nas Rádios Comunitárias.

Na audiência de Instrução e Julgamento do Processo n. 2007.701715- 2 (que apurou o crime de propagação ilegal de sinais de radiofreqüência) quando haveria oitiva de testemunhas de acusação e de defesa, o Juiz Federal Leonardo Aguiar – diante da ausência reiterada da testemunha de acusação (um policial federal) – resolveu fazer o que chamamos de julgamento antecipado da lide (com base no art. 386, III, CPP), e declarou o seguinte (texto completo):

SENTENÇA
“1. Relatório: Dispensado.

2. Fundamentação: No caso dos autos, é claro que não poderia a Rádio, ainda que de baixa freqüência, funcionar sem a devida autorização do poder público, pois os serviços de radiodifusão constituem, por definição constitucional, serviços públicos a serem explorados diretamente pela União ou mediante concessão (Lei 4.117/62) ou permissão (Lei 9.612/98). Assim, a conduta perpetrada é, indubitavelmente, ilícita.

A questão que se coloca, contudo, diz respeito à possibilidade de aplicação – ou não – do princípio da insignificância ao caso concreto, diante da provável baixa potência do equipamento utilizado, uma vez que segundo o Termo de Apresentação de fl. 22, o transmissor tinha potência de tão somente 25W.

Tendo em vista o aspecto da existência ou não de lesão significativa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, a insignificância (ou atipicidade material) não se aplica ao presente caso, por impropriedade teórica, eis que se trata de um “crime formal”. Ocorre que a jurisprudência pátria vem avançando significativamente na aplicação do referido princípio, de modo a englobar não apenas aquelas situações de atipicidade material, tal como a sua formulação roxiniana original, mas também para abranger situações que violem o princípio da subsidiariedade do Direito Penal.

Nesse sentido, veja-se a seguinte passagem do voto condutor do julgamento do RCCR 2005.35.00.014261- 8/GO, de lavra do Exmo. Desembargador Federal Cândido Ribeiro: “O princípio da insignificância encontra respaldo no nosso ordenamento jurídico, em virtude do caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal, isto é, não há de se falar de intervenção penal, quando a proteção das pessoas, da sociedade, enfim, dos bens jurídicos possam ser efetivadas por meio de outros ramos do Direito, que se mostrem suficientes para a repressão daquela conduta tida por ilícita”.

Ora, sob tal prisma, tenho que realmente a persecução penal, na espécie dos autos (propagação ilegal de sinais de radiofreqüência realizada com transmissor cuja potência não vai além de 25 W), violaria o princípio da subsidiariedade, eis que a atuação da esfera administrativa pelo efetivo exercício do poder de polícia mostra-se, por si só, suficiente para reprimir e coibir a conduta ilícita.

Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados do Eg. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. INSTALAÇÃO CLANDESTINA DE RÁDIO COMUNITÁRIA. BAIXA FREQUENCIA. PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA. 1.O crime de utilização de telecomunicaçõ es, previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, não se caracteriza quando o aparelho dado como instalado é de baixa potência (abaixo de 30 watts) e alcance, sem aptidão para provocar interferência de significação nas telecomunicaçõ es.2. Não é socialmente útil a apenação de tal conduta,que deve ser punida apenas na esfera administrativa. Não deve o aparelho punitivo do Estado ocupar-se com lesões de pouca importância, insignificantes e sem adequação social. O direito penal, somente deve incidir até onde seja necessário para proteção do bem jurídico. 3. Improvimento da apelação. (ACR 2002.33.00.023776- 4/BA, Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Terceira Turma, DJ 2 de 17/2/2006, p. 19.)”

“PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RÁDIO CLANDESTINA. POTENCIA DE 23,1 W. AUSENCIA DE PREJUÍZO. PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA. REJEIÇAO DA DENÚNCIA.
I – A doutrina e a jurisprudência têm recomendado a não-aplicação da sanção penal quando o crime for de pequeno montante, utilizando-se da teoria da insignificância social da violação da norma ou de crime de bagatela. II – No presente caso, o dano não pode ser considerado de modo expressivo, apto a ensejar a necessidade de reprimenda na esfera penal. III – Recurso desprovido. (RCCR 2005.35.00014261- 8/GO, Rel. Desembargador Federal Cândido Ribeiro, Terceira Turma, DJ 2 de 21/09/2007, p. 31.).”

Reafirmo que a fiscalização aferiu a potência do transmissor de fabricação caseira, principal equipamento utilizado para fazer funcionar a RÁDIO PARÁ FM, estando o mesmo inserido no nível de baixa potência, o que encontra amparo jurisprudencial na aplicação, no caso, do princípio da insignificância, tornando atípica a conduta do Denunciado. (grifo nosso)

3. Dispositivo: Pelo exposto, formo convicção de que a conduta do Denunciado, não obstante seja formal ou legalmente típica, carece de tipicidade material para se constituir em injusto penalmente punível, situação que leva ao fenecimento de justa causa para o desencadeamento da persecução criminal. Portanto, julgo antecipadamente a presente lide penal, e absolvo o Acusado, com base no art. 386, III, por não constituir o fato infração penal. (grifo nosso)

4. Intimados os presentes.”

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