terça-feira, 15 de julho de 2008

Ensino sem demagogia (por Dermeval Saviani)

FSP de domingo

Ensino sem demagogia
DERMEVAL SAVIANI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Professor da Unicamp ataca discurso vazio do governo na área e propõesoluções para a educação no Brasil



Os mais variados diagnósticos põem em evidência o estado atual altamenteprecário da qualidade da educação pública brasileira. E o mais recenteprograma de enfrentamento da situação, o PDE [Plano de Desenvolvimento daEducação], se propôs a atacar de frente exatamente o problema da qualidadedo ensino, mas tem um calcanhar-de-aquiles: o insuficiente investimento.Tal situação agora repercute de forma ampliada por efeito da greve dosprofessores da rede pública estadual de SP [iniciada em 16/6], que põe emevidência o problema das condições precárias de trabalho que dificultam aação dos professores e afetam a formação, desestimulando a procura peloscursos de preparação docente.Tanto para garantir uma formação consistente como para assegurar condiçõesadequadas de trabalho, faz-se necessário prover os recursos financeiroscorrespondentes.Eis o grande desafio a ser enfrentado. É preciso acabar com a duplicidadepela qual, ao mesmo tempo em que se proclamam aos quatro ventos as virtudesda educação, as políticas predominantes se pautam pela redução de custos,cortando investimentos.Impõe-se ajustar as decisões políticas ao discurso imperante. Trata-se,pois, de eleger a educação como máxima prioridade, carreando para ela todosos recursos disponíveis.*Questão crucial*Não se trata de colocar a educação em competição com outras áreasnecessitadas, como saúde, segurança, estradas, desemprego, infra-estruturade transporte, de energia, abastecimento, ambiente etc. Ao contrário, comoeixo do projeto de desenvolvimento nacional, a educação será a via escolhidapara atacar de frente todos esses problemas.Se ampliarmos o número de escolas, tornando-as capazes de absorver toda apopulação em idade escolar, se povoarmos essas escolas com todos osprofissionais de que necessitam, em especial com professores em tempointegral e bem remunerados, estaremos atacando o problema do desempregodiretamente, pois serão criados milhões de empregos.Estaremos atacando o problema da segurança, pois estaremos retirando dasruas e do assédio do tráfico de drogas um grande contingente de crianças ejovens.Mas, principalmente, atacaremos todos os demais problemas, pois estaremospromovendo o desenvolvimento econômico, uma vez que esses milhões de pessoascom bons salários irão consumir e, com isso, ativar o comércio, que, por suavez, ativará o setor produtivo (indústria e agricultura), que irá produzirmais e contratar mais pessoas.De quebra, a implementação desse projeto provocará o crescimento daarrecadação de impostos, maximizando a ação do Estado na infra-estrutura enos programas sociais.Enfim, com esse projeto será resolvido o problema da qualidade da educação:transformada a docência numa profissão atraente em razão da sensívelmelhoria salarial e das boas condições de trabalho, para ela serão atraídosmuitos jovens dispostos a investir recursos, tempo e energia numa altaqualificação obtida em graduações de longa duração e em cursos depós-graduação.Com um quadro de professores altamente qualificado e fortemente motivadotrabalhando em tempo integral numa única escola, estaremos formando oscidadãos conscientes, críticos, criativos, esclarecidos e tecnicamentecompetentes para ocupar os postos do mercado de trabalho de um país queviria a recuperar, a pleno vapor, sua capacidade produtiva.*Falta de coerência*Estaria criado, por esse caminho, o tão desejado círculo virtuoso dodesenvolvimento. Trata-se de uma proposta ingênua, romântica? Não. Elaapenas extrai as conseqüências do discurso hoje dominante, cobrandocoerência aos portadores desse discurso.Está lançado o desafio aos formadores de opinião, aos empresários,dirigentes dos vários níveis e dos mais diferentes ramos de atividade e, emespecial, aos políticos.Ou assumimos essa proposta ou devemos deixar cair a máscara e pararmos depronunciar discursos grandiloqüentes sobre educação, em flagrantecontradição com uma prática que nega cinicamente os discursos proferidos
DERMEVAL SAVIANI é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp) e autor de, entre outras obras, "Política e Educação no Brasil"(ed. Autores Associados).

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