FONTE: JB E LISTA
O pós-lulismo
Gilson Caroni Filho
SOCIÓLOGO
Talvez 2009 seja a hora e a vez de Augusto Matraga para o campo progressista. Tal como no conto de Guimarães Rosa, o presente ano traz em si um convite à reflexão sobre conflitos internos e discussões que não deveriam ser adiadas. É preciso realizar o inventário de erros e acertos. Não parece um bom caminho adiar a discussão necessária, usando como argumento os bons números das pesquisas. Eles refletem o êxito obtido, mas não garantem que a agenda liberal-conservadora tenha sido sepultada em alguma esquina do passado. Os que aprendem com a história sabem que uma política de reversão de quadros é sempre uma possibilidade viva.
Como já destacou Emir Sader, o Partido dos Trabalhadores "precisa revigorar-se social e ideologicamente, para voltar a desempenhar um papel importante no campo político e ideológico do país". Ignorar tal exigência ou protelá-la, como tem sido feito, pode levar a uma perigosa junção: o otimismo ingênuo do pensamento coincidindo com a paralisia da ação.
Lula já assegurou seu lugar na história. Foi o fiador bem-sucedido de um novo projeto de país. Sob seu comando o Brasil cresceu, possibilitando o ataque imediato aos problemas de exclusão social, incorporando dezenas de milhões de brasileiros ao mundo do consumo. Mantendo a estabilidade, operou de forma consistente processos de redistribuição de renda que, contribuindo para a ampliação do mercado interno, tiveram função irradiadora sobre o conjunto da economia.
Mas não se pode esquecer que a crise de 2005 enfraqueceu o partido que um dia se definiu como pós-comunista e pós-social-democrata. Muito menos que a ilusão de modificar a sociedade a partir do Estado foi o principal erro de uma direção que, descolada dos movimentos organizados, centralizou o poder e interditou o debate com outras tendências.
E esse é um processo que ainda precisa ser superado. Para tanto, o PT não pode se confundir com sua principal liderança que, na percepção do eleitorado, se autonomizou do partido. A legenda vive o dilema de não poder permanecer a reboque de Lula e muito menos a ele se opor em qualquer questão. Essa fragilidade revela o quê? Incapacidade de formulação estratégica? Ausência de novas lideranças carismáticas? Ou uma conjunção mais ampla de variáveis?
Ousar compor, durante o processo eleitoral, e mesmo fora dele, com setores que historicamente se situaram no campo oposto ao da esquerda democrática, foi um gesto de ousadia. Como afirmou Plínio de Arruda Sampaio, em entrevista ao JB, em 2005: "Há plena consciência, em todos os setores da esquerda, de que o PT chegou ao governo, mas não ao poder".
A interlocução com atores conservadores continua necessária se queremos obter êxito no repactuamento reivindicado por amplos setores da sociedade civil. Mas, no interior desse bloco, cabe ao PT reafirmar seu papel de esquerda socialista. Compete a ele dialogar com o MST e outros movimentos sociais. Há uma reforma agrária por fazer, um latifúndio intocado e uma militância a ser reanimada através da práxis.
Resgatar um projeto hegemônico requer lucidez. A ação da esquerda nos marcos democráticos deve conciliar a política institucional com a dinâmica dos movimentos sociais dos quais se origina. Lutar pela conjugação de forças dos mundos do trabalho e da cultura é imperativo. Mais importante é reconhecer o lulismo como expressão de um momento vitorioso, mas que precisa ser superado dialeticamente e não vivido de forma messiânica.
Politicamente interessada na desestabilização do governo, a oposição sabe dos riscos e do alto grau de incerteza de um quadro de completa desagregação política. Contudo, a falta de um projeto alternativo a leva a querer construir o pós-Lula com o odor de terra arrasada. De desconstrução de políticas públicas implementadas nos dois mandatos e de restabelecimento de uma agenda externa submissa. Para enfrentar esse cenário, o PT precisará se reinventar olhando para sua própria história.
JORNAL DO BRASIL Segunda-feira, 23 de Março de 2009 - 00:00
segunda-feira, 23 de março de 2009
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