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23/09/2008 05:36
-->Tânia Bacelar -->
Por Zé Dirceu
23/09/2008 05:36
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Por Zé Dirceu
-->“Temos que completar o sonho de JK”A afirmação é de Tânia Bacelar, uma das maiores especialistas em desenvolvimento regional do país. Para concretizar o sonho de JK, Tânia sugere efetivo planejamento urbano e prioridade à educação.
"Temos que completar o sonho de JK" A afirmação é da economista, socióloga e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFP), Tânia Bacelar, considerada uma das maiores especialistas em economia e desenvolvimento regional do país. Formuladora de políticas com foco no desenvolvimento local, Tânia atuou por 30 anos na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e é autora de vasta literatura na qual aborda, além de sua especialidade, sociologia, geografia, urbanismo e política. Nesta entrevista, Tânia avalia o crescimento das cidades de porte médio e alerta para a urgência de uma organização de seus territórios e do transporte urbano. Segundo ela, o crescimento das regiões centrais do país mostra que caminhamos ao encontro do sonho do ex-presidente Juscelino Kubistchek (1955/1960), mas para atingi-lo "precisamos de um olhar" urgente para o nosso sistema de cidades, sob pena de, em curto espaço de tempo, não mais podermos salvá-lo. "Estamos na contramão da tendência mundial", constata Tânia, observando que o Brasil "entope suas cidades de carro", enquanto o restante do mundo investe em transporte público urbano de massa. Didática, a economista nos presenteia com um estudo que ilustra a situação do Brasil atual e revela a persistência de dois Brasis, onde as regiões Norte e Nordeste, apesar de melhoras, continuam como as mais carentes. Para a socióloga, o maior desafio do próximo governo é elevar a educação a outro patamar, com ensino integral e de qualidade, ao mesmo tempo em que se mantém atento ao desenvolvimento tecnológico e das bases produtivas locais. Para Tânia - secretária de Planejamento e de Fazenda no segundo governo de Miguel Arraes em Pernambuco (1987-1990) - o presidente Lula, depois de mais de 40 anos morador de São Paulo, no governo, ainda se mantém um autêntico "nordestino". Sobre as políticas do governo Lula e seu impacto nas transformações do Nordeste, ela considera que a grande transformação da região foi promovida pelas políticas nacionais que provocaram a dinamização do consumo e investimentos vultosos, atualmente, na região.[ Zé Dirceu ] Estamos no 6º. ano de governo Lula. Lutamos 20 anos das nossas vidas para que o PT, Lula, e os partidos nossos aliados históricos, chegassem ao governo. Como uma das principais, não só formuladora, mas também operadora das políticas de desenvolvimento do Nordeste, qual a sua avaliação das transformações na região com as políticas do governo Lula e com o próprio crescimento do país?
[ Tânia Bacelar ] O Nordeste foi muito beneficiado pelas políticas do governo. A região vive uma conjuntura muito favorável. Mas o interessante é que não foram políticas regionais. Quando fazemos o balanço de políticas regionais no governo Lula, os avanços foram muito pequenos. A recriação da Sudene é inexpressiva. Avançamos na concepção da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, mas não tivemos recursos. Ela seria financiada pelo fundo regional. Justiça se faça ao Lula: a primeira proposta de emenda constitucional (PEC) que passou na frente, ele incluiu esse fundo. Não tinha dois meses de governo quando aprovou a PEC da reforma tributária e colocou o fundo. O problema é que ele foi negociado pelos governadores que criaram uma espécie de Fundo de Participação dos Estados - 2 (FPE-2), mas ninguém ganhou. Nem o governo federal criou o fundo, nem os governadores criaram. Tiveram uma vitória de Pirro. Hoje tem seca no Nordestee ninguém ouve falarEntão, quando fazemos o balanço do Ministério da Integração e das políticas regionais clássicas, o avanço é mínimo. O Nordeste mudou pelas políticas nacionais. Elas beneficiaram a maioria da população, chegaram ao Nordeste e tiveram impactos muito relevantes. A primeira grande mudança na região foi a dinamização do consumo. Nisso, o peso do Bolsa Família é inegável. Teve um impacto muito grande, porque o Nordeste tem 28% da população do Brasil e a metade dos pobres do país. Recebe metade do Bolsa Família. O governo mudou de escala. O conjunto de bolsas da era FHC dava R$ 2 bi, e o governo Lula multiplicou isso por 5. No que você mudou de escala e o Nordeste é metade, ele puxou metade dos recursos. Então, o governo começou a desenvolver o Nordeste puxando pelo consumo. O que vemos hoje no Brasil, em termos de dinamismo do consumo das classes de menor renda, no Nordeste se expressou muito mais rápido com o Bolsa Família e com o salário mínimo. O mínimo já vinha crescendo, mas esse governo o consolidou para cima. No ano passado, o índice geral de inflação médio dá um pouco mais de 5% e o salário mínimo deste ano foi corrigido em 9,2%. Não é uma diferença pequena, é quase o dobro.Com 28% da população brasileira e metade dos pobres do país, o Nordeste tem, também, a metade dos trabalhadores que ganham um salário mínimo. Com o aumento de compra deste, metade do efeito foi para lá. Teve um peso importante no consumo. Junta-se o crédito, que também se ampliou e se democratizou no país, o resultado é que se estimulou o consumo. O Nordeste já tinha se beneficiado com a Constituinte quando ela ampliou a previdência rural. Hoje tem seca no Nordeste e ninguém ouve falar, porque lá no miolão do semi-árido chegou a previdência rural. Há, aí, uma transferência de grande significado financeiro. Em alguns municípios, a do INSS é maior do que a do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) que a União repassa às prefeituras. Segurou a população mais vulnerável do semi-árido, ela ficou no meio rural. Em cidades grandes não se nota isso, mas nas pequenas, que não tem base produtiva, o montante dessas transferências termina tendo peso econômico para aquele tamanho de economia. Pequena, praticamente inexistente, mas quando se joga essas transferências, elas dinamizam a economia local. É a farmácia, a padaria, a bodega da esquina, a feira que vendem mais. O pouco de economia dali é irrigado e dinamizado pelo recurso que vem de fora. Então, o que vemos hoje no Brasil, em termos de dinamismo do consumo das classes de menor renda, no Nordeste se expressou muito rápido com o Bolsa Família e com o salário mínimo. Tiveram um peso importante no consumo. Benefícios para o Nordestevieram das políticas nacionaisAgora, todo o desenvolvimento do Nordeste se dá sempre com políticas nacionais. Não foram políticas para a região, mas nacionais focadas para a população de mais baixa renda. Como o Nordeste tem a maior população de mais baixa renda do país, o impacto regional de uma política nacional, foi maior lá.Depois tivemos a fase seguinte do investimento. Hoje, ao fazermos um balanço, vemos o Nordeste de um outro jeito. A dinamização do consumo puxou o investimento mais ligado ao consumo da maioria. Grandes empresas de massas, biscoitos, etc, abriram fábricas lá. A Bauducco, Nestlé, Perdigão e Sadia estão lá para fazer embutidos. São produtos desse patamar de consumo. Temos uma segunda leva de investimentos, os de peso, que não tem a ver com a lógica do consumo. Por exemplo, a Petrobras. A empresa segue uma política nacional que beneficia o Nordeste. Até mudou essa política, resolveu fazer novas refinarias e vai implantar três na região - em Pernambuco, no Ceará e no Maranhão. São investimentos grandes com impacto. O de Pernambuco será de R$ 18 bi. Isso tem efeito multiplicador. Aliás, já o tem nessa fase de construção.No meu balanço, nós não tivemos políticas regionais, mas nacionais que tiveram um impacto regional, maior no Nordeste e no Norte do que nas regiões mais ricas do país.[ Zé Dirceu ] Você incluiria nesse rol de políticas nacionais que beneficiaram o Nordeste, a agricultura familiar?[ Tânia Bacelar ] Sim, o Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) também. Ele mudou de patamar na mesma dimensão que os outros programas sociais. Passou a ser 5 vezes mais.[ Zé Dirceu ] A agricultura familiar no Nordeste continua tendo um peso expressivo.[ Tânia Bacelar ] Esse é o nosso calcanhar de Aquiles. O Nordeste tem 45% da população economicamente ativa (PEA) agrícola nacional, mas responde por 14% da produção agrícola. Por isso, todas as vezes que fazemos o mapa da pobreza da população rural, é no Nordeste que aparece uma população clientela potencial do PRONAF. O programa era pequeno e quem conseguia acessar era a agricultura familiar do Sul, mais estruturada. No que aumentou muito o patamar (de recursos) e mudou algumas regras, o programa chegou ao Nordeste também. Petrobras levou indústriaque o NE nunca sonhou em terO Banco do Nordeste do Brasil (BNB) aplicou no último ano do governo FHC, US$ 250 milhões. Hoje atingiu o patamar de R$ 5 bilhões. A indústria naval também foi para lá. Frente à mudança da política de compras da Petrobrás, nós conseguimos levar uma indústria que o Nordeste nunca sonhou em ter, muito menos no porte em que chegou.[ Zé Dirceu ] A indústria naval brasileira é a 3º do mundo e a 1ª da América Latina. O Nordeste terá um estaleiro da Camargo Correa em Suape (PE). [ Tânia Bacelar ] É impressionante, é uma área enorme e tem relação com o velho tecido industrial de Pernambuco, a metalurgia, que nasceu junto com a cana. Antes da usina, quando havia só os engenhos, Pernambuco já tinha metalurgia. O investimento no estaleiro é privado, só que o mercado é a Petrobras.[ Zé Dirceu ] Em Suape tem outros investimentos além do estaleiro. Tem investimentos petroquímicos, industriais, de logística. É uma mudança fantástica.[ Tânia Bacelar ] Há o anúncio mais recente de algumas siderúrgicas, também investimentos de peso. A Vale anunciou uma no Maranhão e outra no Ceará. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) anunciou uma em Pernambuco. O Nordeste nunca teve siderúrgicas, elas foram sempre de Belo Horizonte para baixo. E o setor metalúrgico sofreu muito com a privatização, quando acabou o processo, Pernambuco e Ceará que tinham um setor de metalurgia interessante levaram uma paulada muito forte.[ Zé Dirceu ] No Nordeste, temos ainda a Transnordestina, mas parece que há um impasse. Ela é uma extensão de ferrovia já existente, é a sua modernização e a ligação entre os portos de Suape (PE) e Pecém (CE). Depois, ela desce para o sul do Piauí, para uma região que tem calcário. É uma ferrovia complexa, pública e privada. Já existe parte dela, de propriedade da CSN. Essas ferrovias acompanham as siderúrgicas, a Vale e CSN compraram com a privatização e transformaram na logística delas.[ Tânia Bacelar ] A Transnordestina é difícil de fazer. Seu arranjo institucional é complicado.É o turismo internoque tem peso[ Zé Dirceu ] Você vê o turismo realmente como uma fonte importante de criação de empregos e de desenvolvimento do Nordeste? Eu o vejo como um elemento importante de desenvolvimento, fonte de empregos e oportunidades para a juventude que pode trabalhar e estudar ao mesmo tempo, ter uma renda média e um trabalho mínimo. Se duplicar a Natal- Salvador-Rio até 2010, haverá uma mudança grande para o turismo interno. O turista interno hoje é obrigado a pegar avião. Se tivermos a rede que São Paulo tem de rodovias ligando o Sudeste ao Nordeste, haverá um fortalecimento muito grande no turismo, na movimentação dos 40 milhões de turistas internos e 8 milhões de externos. Isso pode ser ajudado, também, pela interligação das bacias.[ Tânia Bacelar ] A Transnordestina, a melhoria das BRs 101 e 116, que ligam o Sudeste com o Nordeste, e a interligação de bacias são as três obras de infra-estrutura mais importantes para o Nordeste. [ Zé Dirceu ] Com essas obras a demanda de aeroportos, terminais e de logística de empresas de aviação também será muito grande. O governo anunciou agora a Ilhéus-ferrovia Norte-Sul, a chamada Ferrovia do Oeste..[ Tânia Bacelar ] Na modernização dos aeroportos, importante para o Nordeste, ainda tem muito a fazer. O turismo é uma oportunidade para nós. Existe um modelão que está na cabeça do povo que é o do turismo internacional, meio segregador. Ele não deslancha, porque quando você vai ver os números, na verdade é o turismo interno que tem peso. O grande potencial turístico do Brasil hoje é você juntar o potencial que temos na beira da praia com o potencial de cultura da região. [ Zé Dirceu ] Turismo no mundo inteiro é cultura. País que não tem cultura, não tem turismo hoje. O turismo vai ser um elemento importante para o Nordeste e para o Brasil todo, principalmente o interno. O de negócios, e o turismo propriamente dito, que precisam de uma estrutura eficiente.[ Tânia Bacelar ] Eu também acho.Dois Brasis[ Zé Dirceu ] Com toda a sua experiência nessa área, e pensando no próximo governo - espero que consigamos fazer o sucessor - o que falta em termos de política, não só regional, mas dirigida ao Nordeste como um todo? [ Tânia Bacelar ] Quando a gente olha os mapas do Brasil, temos um Brasil de Belo horizonte pra cima e outro de Belo Horizonte para baixo. (Clique na imagem abaixo)
Esse (mapa p.12) é um mapa do IDH. O que está em azul é melhor, em vermelho é pior. Esse aqui (mapa p.13) indica a baixa escolaridade. O interior da Bahia, por exemplo, é um desafio. Já esse aqui (mapa p.14) é o inverso, é o mapa da alta escolaridade. Esses mapas mostram dois Brasis. Por isso o próximo governo terá como desafios o Norte e o Nordeste. Minha aposta é de novo em políticas nacionais, em uma política nacional de educação. O que há hoje nessa área é inaceitável porque bloqueia tudo.[ Zé Dirceu ] A baixa escolaridade é mais grave do que o IDH e a discussão da renda. [ Tânia Bacelar ] Essa baixa escolaridade poda oportunidades. Das políticas nacionais estratégicas nós avançamos um pouquinho na educação, e já se teve esse impacto. Nós apenas começamos.[ Zé Dirceu ] No caso da educação precisa uma política diferenciada para o Nordeste?[ Tânia Bacelar ] Não. Pode ser políticas nacionais, mas elas precisam privilegiar essas regiões (vermelho e laranja, p. 12). Em termos de educação, se olharmos universidades e terceiro grau, o Nordeste está bem nesse governo. Ficamos com 4 das 10 novas universidades criadas pelo governo e a região não tem 40% dos jovens. Em termos de escolas técnicas também. No programa de centros federais de educação tecnológica (CEFETs) o Nordeste teve uma participação boa, ganhos importantes. Mas está começando agora.[ Zé Dirceu ] Em educação rural a participação do Nordeste é muito maior.[ Tânia Bacelar ] Aí está o grande problema: no Nordeste tudo é concentrado no litoral. Reproduz-se na região o desequilíbrio do Brasil. Pernambuco, por exemplo, tem duas universidades federais, a Rural e a Federal, mas elas estão no Recife. Agora é que a Rural montou campi em Garanhuns e a Federal em Caruaru. E se criou no interior uma das novas universidades, a do São Francisco. [ Zé Dirceu ] E as particulares?[ Tânia Bacelar ] As particulares também estão chegando. Campina Grande tem uma universidade particular grande e duas federais.[ Zé Dirceu ] É, mas Campina Grande é um centro econômico mais importante do que João Pessoa. Não é o caso de Caruaru, Salgueiro, e Garanhuns, por exemplo.[ Tânia Bacelar ] Sem dúvidas. João Pessoa é centro político, Campina Grande é centro político e econômico.[ Zé Dirceu ] Na Paraíba verifica-se essa situação. É como Florianópolis e o interior de Santa Catarina.[ Tânia Bacelar ] Há uma discussão da qualificação da economia local no Brasil todo.O desafio da educaçãoé em outro patamar[ Zé Dirceu ] Aí temos que ter uma discussão pedagógica nacional. A educação tem que estar voltada para a economia local. No caso do Nordeste tem um peso grande a cultura agro - tanto da agricultura familiar, quanto da agroindústria. E agora, novas demandas. Estou muito otimista com a prioridade que o governo passou a dar à melhora do salário dos professores, a sua valorização pedagógica e atualização. Particularmente nos ensinos fundamental e técnico profissional.[ Tânia Bacelar ] Mesmo assim, o avanço é muito pequeno. O desafio da educação no Brasil é em outro patamar. O governo avançou, mas o tamanho do desafio é tão grande que o avanço conseguido termina sendo irrelevante. Nós temos que pegar todas as crianças/adolescentes brasileiras de 0 a 18 anos e botar numa escola boa, de manhã e de tarde. Esse é o tamanho do desafio. A gente pode olhar para o que foi feito e descobre que só melhorou de manhã de manhã, por exemplo. E o resto da tarde? O cara faz o quê? A Coréia do Sul colocou 90% dos jovens até 18 anos de manhã e de tarde na escola. O Brasil não pode fazer isso? Claro que pode.Nós temos que dar um 2º. e 3º. graus decentes. No 3º. grau, se o jovem tiver um 2º. grau bom, ele se vira. A família se junta. Veja o esforço que faz a classe média brasileira hoje para formar seus filhos. É uma coisa comovente. Para os que escapam, os que passam e conseguem fazer um 2º. Grau bom, aprendem alguma coisa, o desafio é enorme. No Nordeste, então, nem se compara. Estamos semmão-de-obra[ Zé Dirceu ] Qual o principal problema que isso gera? [ Tânia Bacelar ] Nós estamos sem mão-de-obra hoje. A economia começou a se dinamizar um pouquinho, já está faltando gente no Brasil todo, mas no Nordeste também.[ Zé Dirceu ] Inclusive, o problema surgiu em regiões onde não tínhamos tradição nisso. Para obtermos progresso, a educação precisa de mais investimentos, como o governo fez no PAC, na infra-estrutura. A situação é grave e pesa na produtividade da economia.[ Tânia Bacelar ] Esse não é um investimento irrealizável. Se você olha os números, quem paga R$ 150 bi de juros, não pode dobrar o gasto com educação? Até porque não adianta só investir 50 vezes mais. A educação não é como outro investimento. Tem que formar primeiro o professor, montar as estruturas. É um investimento que vai se potencializando gradualmente. [ Zé Dirceu ] Precisa mudar a orientação das universidades que deixaram de se preocupar com o ensino fundamental e médio, com políticas pedagógicas de formação dos professores, inclusive com o estudo da própria educação. Até nisso há certa carência de pesquisas, estudos. Eu estou otimista em função da declaração do presidente Lula, de que vai direcionar parte da renda do petróleo da camada do pré-sal para a educação. Isso é para daqui 5 a 7 anos. Como você vê ciência e tecnologia no Nordeste? Houve avanços nos centros de pesquisa nesses seis anos?Educação e tecnologia olhando a base produtiva local
[ Tânia Bacelar ] Houve investimento e o Ministério da Ciência e Tecnologia tem uma política interessante. Mas, novamente, o tamanho do investimento é muito pequeno. Ciência e tecnologia e educação tem que andar juntos. Há 20 dias estive em Petrolina (PE). O SENAI fez ali uma escola maravilhosa de 2º. grau. Gastou R$ 15 milhões. Uma escola especializada no que é a economia dali, com cursos de Engenharia de Alimentos. Na frente da escola tem um laboratório de certificação. O complexo cumpre um duplo papel: ensinará aos alunos e os treinará junto ao serviço tecnológico prestado à agricultura da própria região. É isso que tem que se fazer. Juntar educação com o desenvolvimento tecnológico, olhando para a base produtiva do lugar.O SENAI gastou R$ 15 milhões. Isso, para o Brasil, é dinheiro? Para o SENAI é dinheiro? Tem é que fazer muitas dessas escolas. Vai se fazer desenvolvimento local como? Só com o crédito não faz. O investimento tem que ser pesado e o modelo (de desenvolvimento regional) tem de estar acoplado à educação. Você já forma os alunos olhando para a base produtiva que está ali. Em Petrolina o mesmo laboratório que tem na sala de aula, tem na parte de serviços. O aluno é treinado na sala de aula e já pode prestar serviços ali, porque está tudo com o mesmo padrão técnico. É um padrão de ponta e tem que ser, aquilo ali trata de exportação.[ Zé Dirceu ] Nós temos outro problema que é a política econômica. É um problema a orientação que, infelizmente, voltou a predominar de subir juros, superávit, cortar gastos, com medo de uma inflação que não é real. [ Tânia Bacelar ] Minha opinião sobre a política macroeconômica é a mesma sua. Fomos ajudados pela política econômica mundial. Mantivemos a mesma política, a conjuntura internacional melhorou e os nossos números também. Mas nós mudamos muitos pontos na política econômica. Hoje temos uma política industrial - que não se tinha - e uma política de crédito. Na política econômica strito senso, tivemos mudanças. Na macroeconomia fomos ajudados pelo contexto mundial favorável, mais do que por mudanças e iniciativas internas.O Brasil das cidades médiasEssa política e o investimento industrial são muito importantes porque a concentração no Sudeste ainda é muito forte. Veja esse mapa (mapa, p. 31) sobre crescimento industrial. Esse é um estudo do Clélio Campolina, ele mostra onde estão as principais concentrações industriais do país e onde o país está crescendo. A indústria continua crescendo no interior de São Paulo e no polígono que vai de Belo Horizonte a Uberlândia. É esse Brasil das cidades médias que está atraindo a indústria.Ocorre o mesmo no emprego. Trabalho recente publicado na Revista UnB, feito pelo pessoal da UFRJ, analisou as 30 meso-regiões que mais ganharam emprego entre 2003 e 2007 (mapa p.32). São 14 no Sudeste, 9 no Sul e 7 no resto do país - 3 no Nordeste. Nestas 30 meso-regiões, estão 70% dos empregos formais criados, no mesmo polígono. São Paulo é o centro terciário e financeiro, mas não é mais o centro industrial novo. São Paulo já foi 22%, hoje é 11% do emprego industrial. A Grande São Paulo continua tendo um peso importante no valor da transformação industrial. O Sudeste todo é 62%. São Paulo deve ser 30%. Sempre foi mais ou menos a metade.Do ponto de vista industrial, o Brasil está sendo ocupado nas cidades do Sul-Sudeste. No caso do Nordeste a ocupação ocorre principalmente no litoral. É o que se vê quando a gente pega Suape (PE)- Pecém (CE) - São Luis (MA). A situação é o contrário da região Sul-Sudeste onde a indústria não está mais nas grandes cidades, está mais no interior, nas cidades médias que tem tudo de bom e não tem os custos de São Paulo.[ Zé Dirceu ] Essa situação explica a redução da migração em São Paulo. As pessoas estão mais voltando à sua região de origem do que vindo?[ Tânia Bacelar ] Ainda não volta mais do que vem. A migração ainda é grande para cá, mas o Censo de 2010 vai mostrar que tem uma mudança grande. A população está indo mais para o miolão do Brasil, que tem muitas cidades médias. Esse miolão do Brasil é outro desafio do governo Lula. Nós criamos o Ministério das Cidades mas ele é intra-urbano, não tem uma visão macro do desenvolvimento urbano.Transporte: estamos nacontramão da tendência.[ Zé Dirceu ] O Brasil precisa analisar seu desenvolvimento urbano. É grave a situação. As grandes cidades e periferias precisam de saneamento, educação, transporte, fontes de lazer, cultura e esporte para a juventude. Tem que se investir uns R$ 100 bilhões no mínimo nos próximos anos em metrô, transporte coletivo, saneamento... [ Tânia Bacelar ] Transporte nós estamos na contramão da tendência. Financiamos carros em 80 meses para entupir as cidades de carro e não estamos olhando o transporte coletivo. Por isso que em qualquer cidade média que você vá no Brasil está parecida com São Paulo. [ Zé Dirceu ] Esse problema é grave.[ Tânia Bacelar ] Na França até hoje, é o governo central francês que investe em transporte. Lá o investimento básico é federal.[ Zé Dirceu ] Tem que financiar as vias públicas, o metrô. Não pode só dar concessão de transporte, tem que construir as vias públicas para facilitar o transporte, senão entra carro. Cidade com mais de 1 milhão de habitantes tem que ter metrô já, para quando tiver 2 a 3 milhões não ter problema maior. Aí custa dez vezes mais fazer metrô. Nem precisa metrô, pode ser linha metropolitana, trem. Todas as cidades ficaram com estrutura ferroviária. Recife, Maceió, João Pessoa, tem essa estrutura abandonada. Como tem a Santos-Jundiaí, tem no Vale do Paraíba, precisa só retomar. O que está sendo feito hoje é ferrovia de outro tipo, de transporte de carga. O problema nos grandes centros é outro.[ Tânia Bacelar ] Faltam essas duas coisas: ter um olhar para o sistema de cidades, para esse miolão do Brasil. Tem de completar o sonho de Juscelino. Ele montou as bases e agora o Brasil está indo para onde ele sonhou que íamos, para onde temos espaço territorial para crescer. Há espaços e cidades crescendo que é uma loucura. Maringá (PR) tinha 100 mil habitantes, agora vai ter 300 mil. Maringá é uma cidade dinâmica. É um dos lugares em que mais o Brasil cresce. E agora que a Vale vai montar uma siderúrgica lá, vai-se embora mesmo. Uma cidade que passe de 100 para 300 mil, 400 mil habitantes em poucos anos, precisa de tudo. Mas não estamos olhando que essas cidades que estão crescendo. Não podemos deixar acontecer com elas o que aconteceu com as nossas cidades do litoral, em que cresceu sem o Estado ajudá-las a se organizar.Quando digo “ajudar a organizar” é fazer duas coisas que Curitiba e Porto Alegre fizeram e são exemplo até hoje no mundo todo: organizar o uso dos terrenos e transporte urbano de qualidade em todo o espaço urbano. Fui levada a uma favela em Curitiba e pensei: “não estou numa favela.” Porque (a favela) é parcelada. A casa é precária, mas tem um lote, rua, passa o caminhão do lixo, a ambulância. Melhorando ou piorando a renda, tem uma estrutura preparada. As favelas das outras grandes cidades nossas, são ocupadas de qualquer jeito, não tem rua, ambulância, o caminhão de lixo não passa. Se uma pessoa adoece tem que descer de carro de mão para pegar uma ambulância na beira da estrada. Por quê? Porque não se fez o mínimo que é organizar o espaço físico. Porto Alegre está dotada de transporte coletivo de qualidade que o Olívio Dutra (ex-prefeito, do PT) implantou em todo o espaço urbano. A periferia tem o mesmo transporte que o bairro rico tem. Curitiba começou isso com 500 mil habitantes, o tamanho dessas cidades que estamos falando. Daqui a pouco elas também terão 500 mil habitantes.[ Zé Dirceu ] É muito importante o que você colocou sobre o caráter do Ministério das Cidades, as intra-cidades e as estratégias de desenvolvimento urbano. Eu defendo muito - já queria no Programa do Lula de 2006 - a criação de um Fundo de Desenvolvimento Urbano, como foi criado o PAC. Seria, na verdade, um esforço de pré-financiamento. Não seria financiamento a fundo perdido, só uma parte, e você financiaria metrô, vias públicas, saneamento. [ Tânia Bacelar ] É, esses serviços tem que ter. [ Zé Dirceu ] As linhas de financiamento mais importantes poderiam ser ciência, tecnologia, educação e desenvolvimento urbano porque tudo envolve a juventude.[ Tânia Bacelar ] É um caminho para melhorar a condição de vida. Melhora a renda, a pessoa passa a viver num lugar limpo, decente, com outros componentes que melhoram a sua condição de vida.[ Zé Dirceu ] Todas as vezes em que conversei com o doutor Arraes (Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco) ele falava da sua angústia com a juventude. Falava de mais de 300 mil jovens que não tinham emprego, família, sem eira nem beira, uma coisa nômade numa desestruturada grande Recife.[ Tânia Bacelar ] Hoje se abre o jornal, morreram 10, 12 jovens assassinados. E com 17, 18 anos.[ Zé Dirceu ] Dr. Arraes achava que isso ia aumentar com o crescimento do país e da população. Nós temos que investir em infra-estrutura, emprego, desenvolvimento urbano. Esse é um problema sério demais nas grandes cidades. As soluções de Curitiba são aplicáveis a outras grandes cidades brasileiras?[ Tânia Bacelar ] Nas grandes hoje não, mas nas que estão crescendo sim. Tem que se olhar para as que estão crescendo, que estão hoje com 200 mil, 300 mil habitantes. Daqui a pouco terão 500 mil. É em muitas assim que podemos aplicar. [ Zé Dirceu ] No Sul do Maranhão, do Piauí, no norte de Tocantins, e no Centro-Oeste estão nesse processo, crescendo muito. Na região Norte idem e cidades como Porto Velho (RO), Rio Branco (AC) podem fazer isso. Aliás, Palmas (TO) é assim, uma cidade planejada.[ Tânia Bacelar ] Tomei um susto com Araguaína (TO). Para mim era só um pontinho no mapa. Um belo dia fui a Carajás, passei por lá e tomei um susto. Uma cidade enorme, verticalizada, parecia Campina Grande.Lula voltou a ser nordestinodepois que chegou ao governo [ Zé Dirceu ] Tânia, como você está vendo politicamente o país? Como estão as eleições municipais no Nordeste? Pelo que observo o resultado será muito favorável ao governo e aos partidos aliados historicamente, nas capitais e cidades médias do Nordeste. O Nordeste desde 2002 constitui a grande retaguarda, a base política e social do Lula, do lulismo, e do PT. Garantiu a vitória de 2006. De certa forma, o Lula ganhou as eleições no Nordeste.[ Tânia Bacelar ] A população sentiu a presença do Lula e apoiou mesmo. De lá partiu a resistência (às manobras da oposição ao gerar crises) e o apoio. Depois até se alastrou. Lula reconhece isso. Esse ano, nas eleições municipais, acredito que isso vai se repetir. [ Zé Dirceu ] As pesquisas mostram ser muito difícil perder a eleição. [ Tânia Bacelar ] O Nordeste aproveitou a última eleição para limpar o que havia de oligarquia no poder nos estados, não sobrou nada. Nem na Bahia. Nem no Maranhão. Mudou a composição de forças. No Nordeste quem conhecia Lula há muito tempo sempre achava: o Lula era um nordestino que virou paulista. Mas acho que, na visão do povo, ele voltou a ser nordestino depois que chegou ao governo. Quando precisou do Nordeste, ele teve apoio. [ Zé Dirceu ] Lula nunca renunciou a sua herança nordestina. E não só cultural. Ele sempre faz questão de dizer isso, e sua vida social e familiar sempre está envolvida em festas da cultura nordestina. E há a força da mãe, Dona Lindu. Sempre foi enorme. Ela era a típica mãe nordestina-brasileira que migra para o Sul com os filhos. E, também, Lula sempre teve admiração e respeito pelo Arraes. Você está otimista, Tânia?[ Tânia Bacelar ] Estou preocupada. Quero saber se Dilma no poder, no governo, avança mais do que Lula. Quero que avance mais. Já basta de contenção. E você acha que saímos fortalecidos das eleições municipais?[ Zé Dirceu ] Sim. O povo não quer a oposição. A proposta dos oposicionistas não cabe mais historicamente. Eles precisam ser reciclar. Vão propor o quê para o Brasil? Diminuir o tamanho do Estado? Privatizar?
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