segunda-feira, 7 de abril de 2008

DEPOIMENTO DE PELÓPIDAS SILVEIRA (AO CPDOC/FGV)

DEPOIMENTO DE PELÓPIDAS SILVEIRA (AO CPDOC/FGV)


FONTE: FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

SILVEIRA, Pelópidas. Pelópidas Silveira (depoimento, 1978). Rio
de Janeiro, CPDOC, 2005. 41 p. dat.(Depoimento, 1978)

A.C. – Foi precursor da SUDENE um pouco, não?

P.S. – Foi. Souza Barros então organizou o Congresso Para Salvação do Nordeste, foi em 55. Eu tenho aí os estatutos desse congresso, as conclusões, é que a minha biblioteca depois da enchente ficou muito desorganizada, a enchente aqui deu um metro e meio.

A.C. – Se eu soubesse disso... Fui buscar nos Estados Unidos, na biblioteca de... se seu soubesse que o senhor tem.

P.S. – O Congresso de Salvação do Nordeste foi muito interessante despertou todos esses problemas.

A.C. – Eu gostaria que o senhor falasse um pouco do sentido desse Congresso,
Porque há uma série de itens importantes que foram discutidos, problema de minerais, de mineração, de recursos naturais, mas há também alguns itens já bastante avançados sobre problema de reforma agrária, de mudança na propriedade da terra, enfim, o senhor tem lembrança do clima em que se desenvolveu esse Congresso?

P.S. – Olha, fica meio difícil eu lembrar isso, porque é a tal coisa, depois disso já houve
tantos problemas, eu fiquei engolfado em tantos problemas administrativos, você veja, depois disso eu tive a Prefeitura de 55 a 59, depois o cargo de vice-governador, depois prefeito de novo. Quer dizer, os problemas da cidade dominaram aí. Eu me lembro que as consignas do Congresso de Salvação eram essas que foram objeto depois da criação da SUDENE, com esse departamento de recursos minerais, de recursos humanos, tudo isso era apresentado esquematicamente. Uma fase que eu considero muito importante na minha passagem pela vida política do Estado foi o Centro de Defesa do Petróleo. Havia o Centro de Defesa do Petróleo em todo o país, mas naquela época falar em petróleo, falar em Petrobrás, era comunismo.

A.C. – Era isso que eu queria perguntar ao senhor...

P.S. – Eu me lembro que na época na minha ficha, na ficha que fizeram a meu respeito na Polícia, tinha o seguinte: organizou o Congresso de Defesa do Petróleo.

A.C. – Era o selo.

P.S. – Era o selo. Eu participei uns 8 anos dessa luta, pelo monopólio estatal.

A.C. – Começou em que ano?

P.S. – O monopólio estatal veio em 52, começou depois da redemocratização.
A.C. – Coincidiu com a sua passagem pela Prefeitura?

P.S. – Foi, foi um pouco depois disso. Quando eu saí da Prefeitura eu já fiquei
participando do Centro de Petróleo. A luta pela Petrobrás surgiu assim, para você ver como se explora, qualquer movimento que viesse modificar privilégios, ou operar as formas vigentes da sociedade, é logo qualificado. Interessa a determinadas áreas qualificar como comunista, para isolar. Então no caso do petróleo houve um projeto apresentado pelo deputado comunista Carlos Marighela, isso na Constituinte de 46, ele foi constituído em 46. Esse projeto estabelecia maioria de capital nacional, então o general Horta Barbosa, que foi justament e presidente do Centro Nacional de Defesa do Petróleo depois disso, combateu esse projeto dizendo que isso não resolveria o problema, que 51% de capital nacional permitiria a entrada dos testas de ferro. Capital nacional apenas, então tinha os testas de ferro, então não haveria maioria, essa maioria era ilusória. Ele citava exemplos... Tinha que haver 51% de capital da nação, não é capital nacional não, capital estatal. Ele dava exemplos: Rockefeller, que com 25% das ações dominava inteiramente a empresa, porque comparecia com os 25% das ações e as
outras estavam espalhadas. Quer dizer, 51% de capital nacional é ilusório, e os testas de
ferro... Podia ser que grande parte desse capital não comparecesse as assembléias. Então essa tese do General Horta Barbosa foi vitoriosa em todas as áreas, e os comunistas também adotaram essa tese. Você vê como a história é contada diferente, o Marighela retirou a candidatura, e adotaram essa tese. A campanha do petróleo foi dirigida pelo General Horta Barbosa e por vários outros generais da reserva, General Edgar Buxbaum, Cruz Cordeiro, e diversos outros. Criação de centros em todos os estados, nós fizemos congressos, fizemos um congresso aqui no Teatro Santa Isabel em que a
Polícia acabou sendo desalojada lá de cima pelos estudantes. A Polícia foi para lá para lançar gás sulfídrico, e coisas assim.

A.C. – Havia muita gente?

P.S. – Havia inclusive repressão contra a campanha pelo monopólio estatal. O grande teórico, quem redigiu a lei que criou a Petrobrás, foi um grande economista que morreu há pouco tempo, Jesus Soares Pereira, que foi exilado, foi cassado, a grande atuação dele foi essa: redigiu a lei criada no governo de Getúlio em 52.

A.C. – Bilac Pinto também teve a ver, não é? A UDN acabou interferindo no final, e o Getúlio deu força.

P.S. – É, porque havia a tese do Juarez, que a UDN defendia inicialmente. A tese do Juarez que era essa, do capital nacional, ele ficou na etapa anterior. Esse foi um movimento extraordinário, e a Petrobrás hoje está aí.

A.C. – E aqui no Recife houve uma grande receptividade a essa campanha, ou o senhor se sentiu um pouco isolado, perseguido?

P.S. – Não, não, houve uma grande mobilização. Havia sempre um pouco de repressão,
mas houve muitas figuras... Osvaldo Lima Filho, que depois foi ministro de Jango, era o
vice-presidente do Centro de Petróleo. Eu fiz parte da diretoria, quer dizer, houve vários
políticos, não me lembro, já faz muito tempo, afinal de contas, mas houve participação
ativa de muitos políticos.
A.C. – E depois então com a vitória do governo Arraes o senhor participou da
campanha para governador?
P.S. – Eu participei da campanha para governador sim. Eu era prefeito, e participei
ativamente porque eu não tinha nenhuma razão para não participar, porque o
governador da época, doutor Cid, participou ativamente da campanha, em favor do
Cleofas. De modo que eu participei da campanha de Arraes.
A.C. – O senhor poderia nos falar como isso transcorreu, qual foi o seu papel nessa
campanha, de que maneira o senhor ajudou a eleição dele?
P.S. – Ajudei participando de comícios e da pregação, onde foi possível. Principalmente
na cidade do Recife, viajei algumas vezes para o interior, mas principalmente no Recife,
porque eu era prefeito, eu nunca pude viajar, me ausentar muito da cidade. Mas a minha
atuação foi principalmente de pregação e comícios.
A.C. – O senhor notou alguma diferença substancial com relação a essa campanha,
comparada com a de Cid, anteriormente, em termos de radicalização, de dificuldade,
mesmo?
P.S. – Houve muitas dificuldades, porque houve uma verdadeira guerra santa contra a
campanha de Arraes. Classificada como candidatura perigosa, ele foi isolado, as classes
produtoras combatiam, etc, muito diferente da campanha de Cid.
A.C. – Não houve apoio nenhum das classes produtoras?
P.S. – Não, houve apoio das produtoras à campanha de Arraes para prefeito. Mas três
anos depois quando ele se candidatou...
A.C. – As classes produtoras apoiaram a prefeitura?
P.S. – Apoiaram sim.
A.C. – De que maneira elas apoiaram?
P.S. – Apoiaram mesmo participando de reuniões... Eu me lembro que Cid uma vez
promoveu uma reunião das classes produtoras no Palácio para justificar o apoio a
Arraes.
A.C. – E houve dificuldade para convencê- los, não?
P.S. – Não, naquela ocasião não. Logicamente aí a posição de Cid deve ter sido
favorável.
D.P. – E que recordações você traz do Movimento de Cultura Popular?
P.S. – Conheci pouco o movimento de Cultura Popular, porque o MCP foi criado na
administração de Arraes como prefeito. Nesse período eu era vice- governador, tinha
outros problemas. Quando deixei o cargo de vice-governador, já Arraes tinha deixado a
Prefeitura. Fui secretário de Viação. De modo que acompanhei isso muito na periferia, o
período de Anita Paes Barreto e Germano Coelho, no MCT.
A.C. – O senhor disse, há pouco, que uma das dificuldades do governador, de Arraes,
teria sido a presença do PSD na sua composição...
P.S. – Foi uma das dificuldades, porque surgiam determinados problemas políticos, no
interior.
A.C. – Acho que houve também grandes problemas na área mais esquerda, grupos
diferentes, católicos, comunistas, etc., trotkistas, que atuavam no campo... Como o
senhor situou isso, como o senhor acompanhou isso?
P.S. – Houve. Isso eu posso dizer. A ação no campo era só de Julião, inicialmente, ligas
camponesas. Ao contrário do que muita gente podia pensar, não havia nenhuma ligação
mais estreita entre Arraes e Julião. Julião tinha uma atuação em faixa própria. Arraes
tentou, como governador, através da secretaria assistente, atuar um pouco no problema
do campo. E uma das coisas que ele conseguiu, de muito efeito, foi o salário mínimo
rural ser pago. O salário mínimo rural, inclusive muitos comerciantes me dizem isso,
melhorou a situação no interior. Apareciam camponeses comprando cama, que ninguém
tinha, máquina de costura, tudo isso. Quer dizer, aquilo trouxe uma movimentação no
comércio, foi uma das medidas de muito efeito do governo de Arraes. O movimento de
Cultura Popular, de que você falou há pouco, que foi do tempo dele prefeito, teve
grande atuação, funcionando, em Casa Amarela, no Sítio Trindade. Teve uma grande
atuação no sentido de a Prefeitura ter um ensino municipal que não existia antes, e atuar
nesse setor, no setor de cultura, que antes era tudo do Estado. No meu tempo mesmo
não cheguei a fazer ensino municipal.
O problema do campo que eu estava explicando a vocês – aí paralelamente os
comunistas começaram a atuar no campo também. Então a gente via Gregório Bezerra,
e outros, em Palmares, atuando no campo. Quer dizer, eles não tinham nenhuma
tradição de atuação no campo, a atuação dos comunistas era sempre nas áreas de
indústrias.
A.C. – Foi uma inovação, naquela época.
P.S. – Eu acho, para mim parecia uma inovação. Ao mesmo tempo estavam os padres
fazendo a sindicalização rural, alguns padres, Padre Melo no Cabo, Padre Crespo etc.
Então havia uma dispersão enorme.
A.C. – Havia uma disputa mesmo.
P.S. – Uma disputa. E a atuação da secretaria assistente, na realidade não conquistou
esses núcleos, para o governo. Continuou a luta. Isso deve ter influído, logicamente que
influiu, perturbou o governo.
A.C. – Quem era o responsável pela secretaria?
P.S. – Antonio Fausto Nascimento.
A.C. – ...no seu período de vice-governador?
P.S. – No meu período de vice-governador houve 2 episódios interessantes, um foi o
episódio do navio Santa Maria, do capitão Galvão, em fins de janeiro e começo de
fevereiro de 1961, quando eu estava em exercício. E outro foi a greve dos bancários,
exatamente em um período em que fiquei em exercício do governo, durante uns 10 dias.
Consegui solucionar essa greve dos bancários pela persuasão e pelo diálogo. O
antagonismo entre banqueiros e bancários era tal, que houve um dia que eu estava
atendendo uma comissão de banqueiros no gabinete do Palácio do Governo, quando
chegaram alguns dirigentes do sindicato dos bancários. Eu, então, quis fazer uma
reunião conjunta e os banqueiros resistiram. Fiquei argumentando, conversando mais
uns 15 ou 20 minutos, afinal eles concordaram, representantes do sindicato dos
bancários e fizemos a conversa coletiva.
D.P. – E as reivindicações foram atendidas?
P.S. – Foram atendidas quase totalmente, tanto que os bancários encerraram a greve. O
episódio do navio Santa Maria coincidiu com a posse de Jânio, foi exatamente no dia
que Juscelino deixava a presidência e Jânio assumia. O capitão Galvão, com 24 exilados
portugueses e espanhóis apoderou-se do navio na Venezuela. O navio tinha 600
passageiros e 300 tripulantes. O “Santa Maria” chegou até defronte do Recife, em águas
territoriais do Brasil. O comandante do 3o. Distrito Naval e o Governo do Estado
enviaram representantes ao navio, um capitão de corveta e o Secretário de Segurança
Pública. Voltaram dizendo que a situação era das mais aflitivas, porque os passageiros e
os tripulantes queriam desembarcar, e o capitão Galvão dizia que só desembarcava os
passageiros e os tripulantes se houvesse a garantia do governo do estado de permitir que
ele voltasse para o alto mar. Ele disse a mim e ao almirante que ia afundar o navio no
alto mar, com os 24, todos estavam de acordo com isso. Passamos uma tarde inteira no
navio, eu e o almirante, argumentando que ele já tinha despertado a atenção do mundo,
para o problema de Portugal e Espanha, que não tinha sentido sacrificar esse grupo de
revolucionários. A sugestão nossa, nessa altura da conversa com ele, já o navio tinha
entrado no porto, porque o presidente Jânio, atendendo a um telegrama do governo do
Estado, autorizou a entrada do navio sob a guarda da Marinha de Guerra brasileira para
descarregar os passageiros e tripulantes, e voltar para o alto mar. Então nosso trabalho
foi convencer o capitão Galvão a não voltar para o alto mar, inclusive o navio já estava
baleado, não tinha condições, já havia navios espanhóis e portugueses aí pela costa.
Então ele esperou o embaixador Álvaro Lins. Álvaro Lins veio, conversou com ele uma
noite inteira, e no dia seguinte houve a transmissão de comando, passando o navio à
Marinha de Guerra brasileira. Mas, foi por pouco tempo, pois o presidente da
República, dias depois, mandou entregar o “Santa Maria” à companhia proprietária do
mesmo. O capitão Galvão tinha aceitado o asilo, ficando no Recife durante uma semana,
quando viajou para São Paulo, com os demais revoltosos.

A.C. – Sobre Lincoln Gordon, ainda sobre o jantar com ele?
P.S. – Sobre o encontro com Lincoln Gordon, vocês estão me perguntando sobre algum
episódio que eu quisesse relatar, que ele tivesse procurado saber se havia alguma
divergência entre mim e o governo de Arraes, não. Realmente não houve nenhuma
pergunta direta assim, mas houve uma pergunta dele mim e a Baltar muito curiosa, que
aliás a posição dele naquela época foi confirmada pelas declarações dele agora. Ele
perguntou para nós: “O que é que os senhores achariam de um golpe de direita no
Brasil?” Então Baltar disse: “Embaixador, não existe clima para isso. As Forças
Armadas são democráticas...” Quando saímos eu disse a Baltar: “Baltar, esse
embaixador deve estar rindo de você, porque já deve estar tudo preparado.” Depois saiu
um livro de Edmar Morel sob o título: “O golpe nasceu em Washington.”
A.C. – Ele fez a mesma pergunta ao senhor?
P.S. – Ele fez a mim e a Baltar, mas Baltar é que respondeu.
D.P. – Nas vésperas do golpe vocês não percebiam nada de estranho, nem vocês
discutiam a possibilidade de um golpe de direita?
P.S. – Não. Havia o seguinte, uma coisa muito curiosa, é que no decorrer dos IPMs que
eu fui ouvido, nunca me foi perguntado nada que procurasse estabelecer uma ligação
entre mim e qualquer outro grupo político. Dizer por exemplo: estava conspirando com
Arraes; ou conspirando com o Jango; nada. As perguntas eram feitas como se cada um
estivesse agindo isoladamente. Então havia conspiração, conspiravam sozinhos. Por
exemplo, me foram feitas 85 perguntas que eram todas de caráter pessoal, saber – qual é
a sua opinião, prefere a linha russa ou a linha chinesa? O que o senhor acha dos muros
da Cortina de Ferro? Eram perguntas desse tipo. Quando, em meados de março, o mês
de março foi um mês muito difícil no Recife, porque houve um lock out nas classes
produtoras, fecharam as fábricas, parou tudo. E o governo do Estado resistiu ao lock out.
Eu era prefeito e nessa ocasião dei um pronunciamento de apoio ao governo do Estado.
No meado de março, Arraes viajou para...
A.C. – ...o comício das reformas.
P.S. – ...o comício da Cinelândia, até me convidou para ir, mas eu disse a ele: “eu sou
mais um político municipal, embora tenha exercido o cargo de vice-governador, sou
mais um político municipal, e não estou preparado para ir tratar desses problemas.” E eu
não queria sair, me ausentar, que tinha muito problema aqui na Prefeitura. No fim do
mês a única coisa que nos dava a impressão de que alguma coisa existia no ar, foram
aqueles pronunciamentos do Jango. Mas no dia 31 de março, às 14 horas da tarde, antes
ARENA, a convite dele, para combinarmos uma agenda de pleitos que íamos fazer para
a Prefeitura, junto a João Goulart. Nessa ocasião combinamos que, daí a tantos dias, eu
iria ao Rio, para juntamente com Aderbal Jurema levar esses pleitos da Prefeitura a João
Goulart. Quer dizer, isso no dia 31 de março, de tarde, para você ver como eu estava
inteiramente... A gente sentia alguma coisa, mas...
A.C. – Desprevenido, não é?
P.S. – A noite do dia 31 eu fui avisado, nós tivemos aqui um jantar pelo aniversario de
minha cunhada e de meu irmão Pelágio, tivemos um jantar aqui em casa com alguns
amigos, e às 11 horas da noite recebi um telefonema, de um amigo meu, dizendo que
tinha ouvido no rádio que tinha começado uma Revolução em Minas, que as tropas
estavam descendo para o Rio. Fui para o Palácio do Governo mas não se tinha nenhuma
notícia a respeito. Telefonei à 1 e meia da manhã para o General Justino Alves.
D.P. – Que era o Comandante do 4o. Exército.
P.S. – Que era o Comandante do 4o. Exército. Perguntei a ele o que havia, ele disse:
“Olha, doutor Pelópidas, está havendo realmente um movimento armado,
revolucionário, vindo de Minas, descendo para o Rio, comandado pelo General Mourão,
mas estou firme ao lado do Presidente João Goulart, com a legalidade.” No dia seguinte
fui ao Palácio, de manhã. Pouco depois, 8 horas da manhã, saiu a notícia, um manifesto
do General Justino, em que apoiava a Revolução. Nesse dia nós estávamos ainda no
Palácio quando compareceu o Almirante Dias Fernandes, com 3 coronéis, e foram
conversar com Arraes. Nesse mesmo dia à tarde já o Palácio não tinha mais nem rádio,
nem telefone, nada, mas 2 coronéis voltaram lá para dizer a Arraes que Jango já não
estava no exercício do governo, e que as Forças Armadas tinham incluído nas suas
decisões o afastamento de Arraes do governo. Nessa mesma tarde nós ficamos lá ainda
até às 16 horas, porque a guarda do Palácio já estava ocupada, e não era mais permitido
ninguém sair. Às 16 horas, apareceu no palácio um capitão que disse que por ordem do
4° Exército, todos deviam retirar-se só ficando Arraes e seus familiares. Nessa noite
Arraes foi preso, e enviado para Fernando de Noronha, depois. No outro dia ainda fui a
Prefeitura, trabalhei de manhã...
D.P. – No dia 2 de abril...
P.S. – Trabalhei de manhã até o meio-dia e, depois do almoço, então recebi um aviso de
que dois oficiais queriam falar comigo. Fui à prefeitura, e estava um dispositivo militar
na rua, metralhadoras...
[FINAL DA FITA 3-A]
P.S. – Então fui ao 4o. Exército, acompanhado por eles, pelos dois oficiais, e lá o chefe
do Estado-Maior, foi quem falou comigo, e não o General Justino. Propôs que eu
renunciasse, alegando que eu tinha sido eleito pelas mesmas forças que tinham dado a
vitória a João Goulart e a Arraes, e que a Revolução pretendia o controle da Prefeitura, e
queria então pedir a minha colaboração com a minha renúncia. Então, declarei ao
general que não renunciaria, tinha um mandato, consciente da minha responsabilidade
perante o povo do Recife, que eu não tomaria essa iniciativa. Então me foi comunicado
que eu ficaria “sob custódia do 4o. Exército.” Fui para o Regimento de Obuses, em
Olinda, e lá fiquei alguns meses. Fiquei 5 meses lá, depois fui para a Companhia de
Guardas, afim de prestar depoimento depois da Companhia de Guardas fiquei no
Hospital Militar porque estava doente, com hérnia. Fui libertado em 15 de dezembro.
Na tarde do dia 02/04/1964, após minha prisão, a Câmara Municipal, onde eu era
apoiado por 20 vereadores contra 5, decretou o meu impedimento, por 20 vereadores
contra um. Esse foi preso.
D.P. – Quem foi esse um?
P.S. – Jarbas de Holanda.
A.C. – O voto foi descoberto?
P.S. – Foi descoberto. E então o decreto, a resolução de vacância do cargo dizia assim:
“considerando que o doutor Pelópidas já não está no exercício do cargo, a Câmara
declara vago o cargo.” Então eu no quartel assisti na televisão quando o vice-prefeito
Lucena estava assumindo às 11 horas da noite.
D.P. – Pelópidas, você foi processado?
P.S. – Fui. Houve em março de 1965, a denúncia de 38 pessoas, entre elas eu. Depois de
concedido o habeas corpus a Miguel Arraes, por foro especial, requeri à auditoria, que
se declarasse incompetente para julgar-me, uma vez que eu tinha foro especial, tinha
sido vice- governador, prefeito, secretário, e então a auditoria se declarou incompetente
para julgar. O processo passou para a Justiça Civil, aí só o meu processo. Mas a Justiça
Civil não chegou a julgar, quando no fim de 1966 veio o Ato II que passou tudo de novo
para a Justiça Militar. Houve então uma nova denúncia, isolada, porque eu não estava
mais ligado aos 38, e o auditor rejeitou a denúncia, como inepta. Porque a denúncia
dizia apenas que não havia nada contra o engenheiro Pelópidas Silveira, apenas
constava dos autos que tinha sido apoiado pelos comunistas em campanhas eleitorais.
Então ele denunciava... no artigo tal para que, no processo, se verificasse se havia algum
delito.
A.C. – E as perguntas que lhe fizeram nesse processo?
P.S. – No inquérito. Deixa eu terminar: no processo foi rejeitada a denúncia como
inepta, o promotor recorreu ao Superior Tribunal Militar que, por unanimidade, manteve
a decisão, quer dizer, eu não fui nem processado. Agora, no inquérito, era uma série de
perguntas que não visavam esclarecer nada, ou por outra, não visavam apresentar
acusação contra nada. Era somente... tanto que a última pergunta: “O senhor tem
alguma coisa a alegar em sua defesa?” Eu disse: “Não, porque não fui acusado de
nada.” E foram 85 perguntas: conhece fulano? O que acha de fulano? O que acha da
linha russa? Coisas assim.
A.C. – Quem foi o inquiridor?
P.S. – Era o coronel Hélio Ibiapina.
D.P. – Foi quem dirigiu seu IPM.
P.S. – Ainda faltou salientar que, eu tendo sido preso no dia 2, figurei na primeira lista
de suspensão de direitos políticos, o Ato I, no dia 6, datado de 9 de abril. Já tinha sido
cassado do mandato de prefeito, fui cassado do mandato de primeiro suplente de
deputado federal, e tive os direitos políticos suspensos por 10 anos. Em outubro do
mesmo ano, quando ainda estava preso, e ainda em virtude do Ato I, no começo de
outubro, saiu o decreto de aposentadoria. Fomos aposentados 6 professores na
Universidade do Recife.
A.C. – E na prisão o senhor não teve que ixas?
P.S. – Não, fui tratado corretamente, exceto na companhia de guardas onde fiquei num
xadrez com 13 pessoas, durante 10 dias, entre essas 13 pessoas estava Paulo Freire.
Agora, fora daí, não. No Regimento de Obuses não houve problema nenhum, tive prisão
especial, tanto no Regimento de Obuses como no Hospital Militar. E o último mês a
minha prisão foi transformada em residencial, fiquei em casa. Depois ainda, durante o
outro mês, eu era obrigado a comparecer à Auditoria toda semana, e não podia sair do
Recife, mas isso foi revogado a requerimento do meu advogado.
[INTERRUPÇÃO DE GRAVAÇÃO]

D.P. – Com quem e quando você casou?

P.S. – Casei em 1957, em maio de 1957, com Maria da Luz de Souza Campos, Marilu, como nós chamamos.

D.P. – E quantos filhos você tem?
P.S. – Casei em São Paulo, na Capela da Pontifícia Universidade Católica. Temos 3 filhos: Thales, que estuda Direito e é músico, entrou agora no curso de Direito, e mais duas meninas, Hebe e Thaís, uma com 15, outra com 14 anos, estão fazendo o curso secundário.

D.P. – E a sua participação política teve influência na formação deles? Discutem muito política?

P.S. – Não. Hebe é a mais interessada pelos problemas políticos, de modo geral. Thaís também participa. O menino não, é mais contemplativo, mais músico, mas tomaram conhecimento de todos os fatos, em certas oportunidades eles dão opinião e mostram estar bem seguros sobre os problemas de que eles tem participado através de nós.

D.P. – Marilu é formada em que?

P.S. – Formada em Direito, já se formou aqui em Recife, me acompanhou inteiramente, sempre, em toda a minha vida política, a partir de 1957, já se vê, não é? Dando-me todo o estímulo, e inteiramente identificada com o meu pensamento político.












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