domingo, 6 de abril de 2008

Depoimento de José Dirceu (SBT)

José Dirceu 3 de Agosto de 2003 De frente com Gabi
Entrevista do ministro-chefe da Casa Civil, , no programa "" - SBT - São Paulo/SP
"...Vamos aprovar a reforma previdenciária, necessária e urgente para o país..."
Marlia Gabriela - Boa noite! "De Frente com Gabi" est de volta. De cenrio e formato novos, o programa, agora, ser exibido aos domingos. E para marcar essa volta, o convidado tem uma histria de vida que, para muitos, inclusive para mim, daria um belssimo filme. Ele nasceu Jos Dirceu de Oliveira e Silva, na pequena cidade de Passa Quatro, no interior de Minas Gerais. ノ filho de Castorino e Olga. Vem de uma famlia de sete irmos, e com 14 anos veio para So Paulo sozinho, de carona num caminho. Desde cedo exerceu papis de liderana, participou de movimentos estudantis, foi exilado em Cuba, voltou na clandestinidade. Nesta poca, mudou de nome, se casou e teve o seu primeiro filho, Zeca. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, onde, tambm, foi presidente, entre 1995 a 2002. Foi deputado estadual, deputado federal, considerado um dos responsveis pela eleio do presidente Lula, hoje, ele ministro-chefe da Casa Civil. Tem 57 anos e casado com Maria Rita Andrade, e tem mais duas filhas: Luana e Camila. Ah! Tem, tambm, uma neta, que se chama Camila. Eu vou cham-lo de voc, porque, quando eu disse que estava difcil para mim cham-lo de senhor, ele caiu na gargalhada e disse que, se eu ousasse, ele ia me chamar de senhora tambm. Ns nos conhecemos h muito tempo, e ele um homem de muito charme. Boa noite Z Dirceu.

Ministro Jos Dirceu - Boa noite.

Marlia Gabriela - Z, antes de chegar ao Poder, antes de chegar poltica atual, eu queria comear pela sua vida, l pra trs, eu acho que voc tem uma vida interessantssima mesmo, mas, tem alguns detalhes, que eu gostaria que voc ainda contasse. Apelido de 'Xexu', quando menino, isso?

Ministro Jos Dirceu - Foi at ontem, eu encontrei o Osvaldo, que irmo do 'Nega Via', como ns chamvamos, e que j faleceu, que me deu esse apelido de Xexu. Eu trocava muito o 'L', s vezes, eu falava 'pacol' em vez de 'picol. E 'Xexu' acabou virando, tambm, uma forma de me chamar e de fazer um jogo com as palavras que, s vezes, eu trocava e foi um apelido carinhoso que desapareceu logo.

Marlia Gabriela - Ningum mais chama voc de Xexu?

Ministro Jos Dirceu - No, no, desapareceu e ficou em Passa Quatro. So as coisas boas que eu deixei em Passa Quatro.

Marlia Gabriela - Que mais voc deixou em Passa Quatro?

Ministro Jos Dirceu - Meus pais, eu fiquei dez anos sem v-los. Deixei a minha infncia, que foi maravilhosa.

Marlia Gabriela - Foi boa?

Ministro Jos Dirceu - Foi boa.

Marlia Gabriela - Foi infncia o qu, p no cho?

Ministro Jos Dirceu - P no cho, eu sou um privilegiado, porque vivi numa cidade maravilhosa, uma cidade que tem quatro estaes bem certinhas, um inverno gostoso, uma cidade mineirssima, mas, ao mesmo tempo, entre So Paulo e Rio, ento, voc teve a televiso quando So Paulo e Rio tiveram, os jornais vem todo dia, assim como revistas, e o trem, porque Passa Quatro era um grande entroncamento ferrovirio e o trem progresso.

Marlia Gabriela - Mas, mais do que isso, uma bela imagem de infncia, no ? Trem na infncia um sonho!

Ministro Jos Dirceu - Eu fui, durante quatro anos, para escola pela linha do trem, caminhando, s vezes, de motocicleta, quando ns tnhamos uma motoneta, mas, 90% do tempo, caminhando, indo a p, parando para comprar doce, fazer conta, depois, vendendo garrafa e jornal para pagar a conta da compra dos doces. Vivi no campo, na Serra, vivi pescando, vivi nadando nos rios, vivi andando a cavalo, tive uma infncia maravilhosa. Comecei a trabalhar cedo, por disciplina do meu pai...

Marlia Gabriela - Alis, foi bom voc falar desse pai. No seu discurso de posse como ministro da Casa Civil, seu belssimo discurso de posse, mais de uma vez eu ouvi gente falando do discurso, foi muito bonito, foi muito bonito, Z, voc disse que aprendeu com seu pai que o mais importante so os valores ticos, os valores morais e o Brasil. Isso me parece, esse Brasil colocado a, me parece uma fala muito politizada. ノ do seu pai que voc herda a poltica ou no?

Ministro Jos Dirceu - No, no, o meu pai foi poltico, gostou da poltica, no deu muito certo, no ganhou nenhuma eleio. Foi candidato vice-prefeito, militou na UDN, depois se afastou da UDN, porque ele era um civilista, um democrata. Depois do golpe de 64, meu pai se desgostou com os caminhos da chamada Revoluo de 64 e se afastou, mas continuou participando ativamente. Meu pai sempre participou da vida social, da vida em sociedade, meu pai foi provedor da Santa Casa, meu pai foi juiz de Paz, que um voluntariado, durante muitos anos, at o final da vida ele foi juiz de Paz, e o gosto pela poltica, talvez, tenha vindo dele, mas quando eu cheguei em So Paulo, nos primeiros anos, eu no me liguei a atividade poltica, ainda que eu lia, debatia, discutia, tinha opinio, porque eu tive que trabalhar, tive que me sustentar. Foi a Universidade mesmo que me abriu para a poltica...

Marlia Gabriela - Agora, voc disse do que seu pai lhe ensinou, e a sua me? O que ela passou para voc, ou, como era comum acontecer, a me era aquela fora silenciosa que sustentava tudo, mas...

Ministro Jos Dirceu - A minha me passou uma coisa importante para mim: So Paulo.

Marlia Gabriela - Como?

Ministro Jos Dirceu - A capital paulista.

Marlia Gabriela - Ah, ?

Ministro Jos Dirceu - E ela no se conformava de ser a nica filha paulista e a nica que morava em Minas, porque todos os outros moravam em So Paulo. A minha me me ensinou, basicamente, o amor por So Paulo, que eu, depois, descobri, quando vim para So Paulo, porque eu sou um paulistano. Eu sou mineiro, paranaense, adoro Braslia, mas, no fundo, eu sou um paulistano, continuo sendo um paulistano. So Paulo um mundo, se Minas o Brasil, eu falo, muitas vezes, So Paulo o mundo. Ento, eu aprendi com minha me esse amor por So Paulo. Minha me nos educou com muita discrio, com muita sabedoria, acredito que, para ns, foi sempre uma voz de serenidade, porque eu fui uma criana muito rebelde, de muita baguna, de muita dor de cabea.

Marlia Gabriela - ノ verdade que voc era briguento?

Ministro Jos Dirceu - Quando eu sa da minha cidade teve festa. Ficaram sabendo que eu vinha para So Paulo e fizeram festa. ノ verdade.

Marlia Gabriela - Voc j voltou agora?

Ministro Jos Dirceu - Eu vou estar. Depois que eu, depois da posse do presidente Lula, depois que eu assumi o ministrio, eu no voltei em Passa Quatro, eu estive depois da eleio, em Passa Quatro. Mas eu sempre vou a Passa Quatro, duas vezes por ano, trs.

Marlia Gabriela - Voc no foi nem para aquele gostinho de vitria, porque, dizem que a gente persegue o mundo, mas, na verdade, ns estamos, apenas, tentando impressionar o nosso quarteiro, aquele da infncia. Ser que isso mesmo?

Ministro Jos Dirceu - Bem, o nosso vice, Jos Alencar, diz que, a coisa mais importante que o pai dele disse para ele, que ele teria que, sempre, poder voltar. Isso muito importante, voc poder voltar a sua cidade, a sua famlia, que voc pode voltar do ponto de vista moral, do ponto de vista daquilo que voc, dos laos que voc tem com a sua cidade, com a sua famlia. Eu sempre pude voltar a minha cidade, mesmo quando eu no podia, eu sempre estava l, porque eu nunca tirei Passa Quatro da minha cabea, nunca tirei minha famlia, acabei de falar isso agora, eu tenho uma ligao muito forte com a minha cidade, com Minas Gerais. Quando meu pai falava de Brasil, meu pai falava de um pas e eu acabei sonhando com ele. Ento, eu sempre conto essa histria e quero aproveitar: quando ns ramos crianas, meu pai nos vestia com terninhos - aqueles terninhos de cala curta que tinha naquela poca, eu tenho at uma foto minha em Aparecida do Norte, uma vez que eu voltei, que eu quase morri de pneumonia aqui, em Guare, perto de Itapetininga, meu tio, que j faleceu, ele tirou uma foto comigo, em Aparecida, de cabelo arrepiadinho, assim, como usa agora, l em Aparecida, com um terninho, at lembro desse terninho - bem, meu pai nos levava Caixa Econmica para fazer depsito, que era para construir Furnas e Trs Marias. Abriu caderneta de poupana para os filhos, mas, na verdade, aquilo era uma poupana para construir as usinas hidreltricas, ento, essa imagem, por exemplo, ficou na minha vida. Meu pai era udenista e o scio dele era getulista, eu aprendi a conviver, voc v como que as coisas comeam l atrs? Eu aprendi a conviver com o contraditrio, com o pluralismo, dentro de casa. Meu pai tinha um scio getulista e nada com udenista, mais grave que...

Marlia Gabriela - No isso o que dizem de voc. Como que ? "Stalin morreu. Viva Z Dirceu!". ノ isso?

Ministro Jos Dirceu - Essa uma palavra de ordem que comearam a gritar l na frente do Palcio, agora, numa das passeatas dos servidores pblicos. Ento, voc v, sempre falam, vira e mexe vem com essa histria que eu sou trator, s vezes, que eu era sombra, que eu sou o segundo homem da Repblica, que eu sou o homem forte do governo, e eu sempre digo o seguinte: a minha vida pblica, um livro, tirando a vida da clandestinidade, que no foi pblica, pelas circunstncias, e as coisas que eu no falo do meu passado, porque no o caso de falar, no acho que se deva ficar falando, mas a minha vida pblica, e eu fui eleito presidente do Centro Acadmico, numa eleio direta, disputei, com a represso do DOPS...

Marlia Gabriela - Voc foi presidente da Unio Estadual de Estudantes de So Paulo, depois voc foi diretor da UNE?

Ministro Jos Dirceu - Depois eu ia ser presidente da UNE, quando caiu o Congresso de Ibina e ns fomos presos, mas eu fui presidente do Centro Acadmico XXII de Agosto, da PUC, estudava Direito, na Catlica, em So Paulo, ele estava fechado, ns abrimos e fizemos a eleio na rua, com a polcia jogando bomba de gs lacrimogneo...

Marlia Gabriela - Voc sofreu algum tipo de violncia na priso ou no?

Ministro Jos Dirceu - No, na priso, no. Violncia psicolgica, violncia da prpria priso, mas, isso, no cheguei a sofrer.

Marlia Gabriela - Nos dez anos de clandestinidade voc ficou totalmente afastado da famlia ou voc driblava a perseguio, vamos dizer, e conseguia mandar notcias?

Ministro Jos Dirceu - No, nunca mandei notcias diretamente e nunca recebi, porque era uma regra que eu seguia muito rigidamente. Contato com a famlia na clandestinidade meio caminho andado para a morte, assim, falando friamente e francamente.

Marlia Gabriela - E dos 20, vocs eram 28 numa casa em Cuba? Vocs foram trocados pelo Charles Elbrick, voc foi daquela primeira grande troca, no isso?

Ministro Jos Dirceu - O Vladimir Palmeira, o Travassos, eu, o Prates, o Zaratini que est trabalhando, agora, comigo, l na Casa Civil, Ricardo Zaratini, o Jos Ibrahim, que est aqui, o Marquete, que morreu, que estava na Sucia e morreu, o Flvio Tavares, que jornalista e que estava, ns fomos trocados pelo embaixador norte-americano, ficamos no Mxico alguns meses e fomos para Cuba.

Marlia Gabriela - No Mxico, o que aconteceu?

Ministro Jos Dirceu - No Mxico, ns ficamos num hotel, que era uma priso, assim, vamos dizer, era uma liberdade vigiada. Saamos para ir ao parque, fazer ginstica, s vezes, saia para ir a uma festa, ao cinema, mas sob controle, mas todo mundo queria ir embora.

Marlia Gabriela - E foi bom chegar em Cuba ou foi uma decepo, quer dizer, foi bom, o que era bom naquela poca?

Ministro Jos Dirceu - Para mim foi maravilhoso, porque era um sonho. Eu me lembro que estava na PUC e, de vez em quando, a gente tinha aquelas fases de depresso, de tristeza, em So Paulo, eu morava sozinho, tinha dificuldades, nunca tinha dinheiro, os problemas, a PUC, em 75, era um cemitrio, um deserto, por causa da represso, ou melhor, em 65, por causa da represso no funcionava o Centro Acadmico, no funcionava a Atltica, no podia ter um cineclube, ento, o ambiente era muito ruim no pas, naqueles meses. Eu me lembro, at hoje, de uma cena, eu e o Travassos encostado naquele murinho que tem na PUC, ainda no prdio velho, conversando, e ns dois falvamos o seguinte: "vamos para Cuba, vamos de carona, vamos para Cuba ns dois". A gente ria e tudo. At me lembrei no dia em que ns chegamos em Cuba e eu falei para ele: "Est vendo! Estamos em Cuba!". Ento, para a minha gerao, ir a Cuba era ir a Roma, vamos dizer assim, e eu fui a Cuba com prazer, com paixo, vivi l muito feliz, porque Cuba muito parecida com o Brasil.

Marlia Gabriela - Vocs chegaram, nessa poca, a serem recebidos por lderes polticos? Voc fumou charuto com Fidel?

Ministro Jos Dirceu - Charuto, eu no sou muito de fumar, um bom charuto e um bom conhaque sempre bom, mas eu no fumo muito. O Fidel nos recebeu no aeroporto e depois ns tivemos mais algumas reunies, alguns contatos com ele.

Marlia Gabriela - E a gente falou de tudo isso, afinal, porque eu comecei, l atrs, falando do perigo do contato, quando voc clandestino, e a maioria dos seus companheiros de casa, em Cuba, morreu, no foi isso?

Ministro Jos Dirceu - Morreu, porque ns decidimos voltar para o Brasil, ao contrrio do dizem, os cubanos achavam que ns no devamos voltar, e dizem que foram os cubanos que insistiam, que dividiram a ALN, que era a organizao, porque ns criamos uma outra organizao, chamada Molipo - Movimento de Libertao Popular. E, so poucos os sobreviventes, porque as condies do pas no permitiam uma sobrevivncia desse tipo de ao, poltico-militar, de ao militar, e mesmo de oposio clandestina.

Marlia Gabriela - Voc sentia medo?

Ministro Jos Dirceu - O medo que faz a gente sobreviver. Quem no sente medo no tem juzo, vamos dizer assim.

Marlia Gabriela - Pode ser, mas...

Ministro Jos Dirceu - No, vamos dizer assim, medo eu senti muitas vezes, mas, tinha disciplina, tinha treinamento e tinha confiana...

Marlia Gabriela - Treinamento feito aqui ainda, no Brasil, ou l em Cuba?

Ministro Jos Dirceu - L em Cuba.

Marlia Gabriela - A sua plstica foi feita aqui ou l?

Ministro Jos Dirceu - No, foi feita l e depois tirada l tambm. Eu fiz a plstica em 1970, 71, e tirei em 79.

Marlia Gabriela - Voc continua um gato, com todo respeito, senhor ministro, mas voc era um gatssimo, inclusive, tem fama de namorador, a julgar pela fama, voc namorou sabe quantas, ou no?

Ministro Jos Dirceu - No lembro, porque...

Marlia Gabriela - Ah! No foi o que eu ouvi contar Z Dirceu.

Ministro Jos Dirceu - Vamos lembrar que eu sempre trabalhei muito, sempre organizei, sempre liderei, e eu, na verdade, tem muita lenda. A minha gerao foi uma gerao, que veio a plula, veio a liberdade sexual, veio a igualdade com a mulher, ento, a minha gerao namorou muito e eu namorei muito.

Marlia Gabriela - Z Dirceu, eu perguntei o negcio da plstica, porque essa uma curiosidade legtima. Voc era muito bonito, era muito bem resolvido, muito seguro de si, sempre foi, e a, vai l e mexe na cara. Mexer na cara uma coisa complicada, no ? Ou voc precisa muito, at por razes estticas ou psicolgicas mesmo, ou no seu caso, para se disfarar. Eu tenho a impresso que deve ser problemtico voc se olhar no espelho depois, foi? Voc se olhou? Tinham mexido no seu nariz, o que mexeram mais?

Ministro Jos Dirceu - Ns vivamos uma vida to, aquilo era um vulco, na verdade, eu nem me dei muito conta do que estava fazendo na minha vida, por esse lado. Era necessrio e eu fiz, pus uma prtese, meu nariz ficou adunco, aqui eu repuxei, mudei os olhos e mudei tambm um pouco aqui (rosto).

Marlia Gabriela - E a voc se olha e fala: "esse no sou eu!"

Ministro Jos Dirceu - Passei a usar bigode, passei a usar culos, mudei um pouco o cabelo, mudei completamente o modo de vestir, porque eu me vestia muito na moda, mas, na verdade, eu sempre me vesti de uma maneira muito irreverente, sempre fui muito irreverente, eu sempre vi que eu no comecei fazer poltica, eu comecei, como a gerao de 68, eu comecei a me rebelar contra o autoritarismo, conservadorismo, inclusive, no modo de vestir, do cabelo, modo de falar. Quando eu cheguei na faculdade homens e mulheres sentavam separados.

Marlia Gabriela - No acredito. ノ verdade isso?

Ministro Jos Dirceu - Verdade, estou te falando, em 65. Eu fui um dos primeiros que comecei a misturar. Uma das primeiras coisas que me rebelei, foi por isso.

Marlia Gabriela - Misturar mesmo, pelo que eu ouvi contar...

Ministro Jos Dirceu - Misturei. E, tambm, o Brasil, em 65, estava atrasado na universidade uns dez anos, o movimento estudantil fez uma revoluo no pas, e pela revoluo cultural, que era o cinema novo, era a msica popular brasileira, era o teatro de arena. A gerao de 68 fez uma segunda revoluo cultural no Brasil, como a gerao de 22. ノ uma mudana muito grande, junto, evidentemente, com a imprensa, que comea a mudar totalmente no pas, o teatro, o cinema, ns, infelizmente, ns fomos detidos, parados, porque o Brasil teria melhorado muito.

Marlia Gabriela - E voc, ento, no teve a crise da identidade?

Ministro Jos Dirceu - No, no tive. Eu nunca tive.

Marlia Gabriela - Voc nunca chorou na frente do espelho?

Ministro Jos Dirceu - No, por causa disso, no. Eu chorei, muitas vezes, de dor, de tristeza pela perda de companheiros, muitas vezes, a solido me dava uma tristeza, que no tem descrio, mas no por isso. Eu sempre fiz sem paixo essa coisa de luta armada, mas fiz sempre com muita disciplina, mas como paixo, no. Eu participei do PT com paixo, com prazer, com alegria, eu no saberia viver sem isso, mas no na luta armada, isso eu fiz por obrigao.

Marlia Gabriela - Z, o que voc fez na TV Tupi? Essa foi uma informao que me caiu como uma bomba na cabea. Voc trabalhou em televiso, Z Dirceu?

Ministro Jos Dirceu - No, que, na dcada de 60, ainda antes do golpe militar, eu conheci o Vicente Sesso, na noite, aqui, em So Paulo.

Marlia Gabriela - Grande autor...

Ministro Jos Dirceu - Inclusive de novelas. E ele tinha um programa, onde o cine Belas Artes, na Consolao com a Paulista ficava o teatro, e ele tinha um programa infantil e eu comecei a fazer script, batia a mquina para ele de madrugada, na casa dos pais dele.

Marlia Gabriela - Mas voc era o autor do script?

Ministro Jos Dirceu - No, no. Ele que era. Eu era datilgrafo. Da eu fiquei amigo do Vicente, morei numa casa que ele tinha, para mim era belssima, era uma coisa fantstica, na casa voc abria uma biblioteca. Ele tinha uma casa na Treze de Maio, ali na esquina da Treze de Maio, no Bixiga, ele tinha uma casa ali, depois, derrubaram a casa. Eu morei, ele me emprestou a casa, eu morei na casa um tempo. E conheci o Vicente, fiquei amigo dele e trabalhei com ele, e, de vez em quando, eu fazia ponta no programa dele, que era um programa de prncipe encantado, para criana, eu fazia ponta. Trabalhei com ele bastante tempo, depois, eu arrumei uma namorada e no parava, no chegava nos horrios e ele perdeu a pacincia comigo, mas, depois, continuamos amigos.

Marlia Gabriela - Quantos anos voc tinha nessa poca?

Ministro Jos Dirceu - Tinha 15, 16 anos.

Marlia Gabriela - Est vendo Z? A histria no mente. Pode aumentar um pouco, mas no mente. E voc foi o Carlos Henrique Gouveia de Melo, no ? Depois que voc voltou e que voc foi parar em Cruzeiro D'Oeste, voc criou essa personagem para voc?

Ministro Jos Dirceu - Criei durante um ano e meio.

Marlia Gabriela - Ento, voc foi muito ator, porque voc precisava estar atento ali, no isso ou no?

Ministro Jos Dirceu - Criei um personagem. Estudei uma cidade, estudei a vida das famlias, estudei um personagem da cidade, conhecia tudo da cidade, tudo das famlias, das escolas, forjei a personalidade do Carlos Henrique Gouveia de Melo.

Marlia Gabriela - E foi um belssimo ator, nunca ningum descobriu que voc era o Jos Dirceu, ou, quem descobriu?

Ministro Jos Dirceu - No, ningum nunca descobriu.

Marlia Gabriela - Voc est ator ultimamente? Porque andam dizendo que o seu sotaque mentira, que voc j perdeu esse sotaque, que voc est usando isso.

Ministro Jos Dirceu - Sotaque quando voc est cansado e quando voc est muito emocionado, porque a alma que vem. Primeiro, eu nunca liguei muito para isso, sempre falei, na campanha de 94, inclusive, quando eu fui candidato a governador, j faz tempo, quase que nem lembro, muita gente dizia que eu estava fazendo isso, mas no verdade. Eu sou de Minas, mas a minha cidade muito ligada a So Paulo, era mais ligada ao Rio quando eu era criana, tanto que eu comecei a torcer para o Flamengo.

Marlia Gabriela - Voc ainda flamenguista?

Ministro Jos Dirceu - Agora, eu sou corinthiano, e sou cruzeirense, como mineiro.

Marlia Gabriela - Voc poltico Z, pelo amor de Deus, voc citou trs times aqui.

Ministro Jos Dirceu - Eu sempre torci para o Flamengo, Flamengo foi tricampeo, tinha trs coisas que me encantava: Flamengo, Dick Tracy e O Sombra. E tinha o cinema na cidade. A minha cidade, ela foi construda pelos portugueses e italianos e teve um arquiteto francs, que fez a praa, minha cidade tinha um cine Reinier, que era um cinema lindo, hoje, uma loja.

Marlia Gabriela - Conheceu o Lula, onde e quando?

Ministro Jos Dirceu - Eu conheci o Lula em 79, o Frei Beto, o Paulo Vanuck, que eram meus amigos, nos conhecamos do movimento estudantil, da luta armada, no caso do Paulo Vanuck, atravs deles eu conheci o Lula.

Marlia Gabriela - E o PT?

Ministro Jos Dirceu - O PT foi...

Marlia Gabriela - Um partido do sonho?

Ministro Jos Dirceu - Primeiro, um partido de trabalhadores, segundo, um partido com apoio popular, terceiro, um partido que reunia todas as tendncias de esquerda, quarto, um partido com intelectualidade, as comunidades eclesiais de base, e, principalmente, pela presena do Lula e de sindicalistas.

Marlia Gabriela - Agora, Z, voc j deve ter tomado conhecimento, uma piada mais antiga, mas, agora, ela entrou na internet. Voc j viu a piada da moa que vai transar com um rapaz e ele descobre a profisso dela e ela vira e fala assim: 'voc do PT, no ?'. Ele diz assim: 'como que voc descobriu?'. E ela diz assim: 'Porque, quando voc est por baixo, voc reclama, quando voc est por cima, voc no sabe o que fazer!' Voc conhecia essa piada ou no?

Ministro Jos Dirceu - No.

Marlia Gabriela - E a? ノ isso? Como que estar no Poder? Primeiro, me diz, o que ser ministro da Casa Civil, em primeiro lugar? E, outra, fazendo uma pergunta realmente inocente, uma curiosidade legtima, o que ser um ministro da Casa Civil?

Ministro Jos Dirceu - No caso do governo do presidente Lula muita responsabilidade, porque a Casa Civil, alm da articulao poltica, portanto, da relao com os prefeitos, governadores e com o Congresso, os partidos polticos, com as lideranas e o prprio Congresso Nacional, tambm responsvel pela articulao poltica, pela articulao governamental, ou seja, pelas aes governamentais, pela articulao do governo.

Marlia Gabriela - Eu vou reclamar a piada. Por um outro caminho, dizem que o Lula continua popular, porque ele uma figura carismtica acima de tudo, mas que o PT, como governo, j estaria muito questionvel e decepcionando a populao. O que voc tem a dizer a respeito?

Ministro Jos Dirceu - No, o PT est muito bem. As pesquisas indicam que o PT o primeiro partido da preferncia dos brasileiros, com 25% a 30% de votos, e o segundo tem 4%, ento, da, voc tem uma idia, metade da populao brasileira tem uma preferncia partidria. E o governo tem apoio popular, o presidente tem e vai continuar tendo. Ns sempre precisamos lembrar que o povo sabe que o governo precisa de um tempo, no s para resolver os problemas que herdou, para reorganizar a mquina, como, tambm, para implantar a sua poltica, e isso aparece nas pesquisas. A populao d entre 18 a 24 a meses de tempo.

Marlia Gabriela - At dois anos?

Ministro Jos Dirceu - Veja bem,...

Marlia Gabriela - Z, s que, por exemplo, voc veio para So Paulo com 14 anos e voc arrumou um emprego imediatamente. Hoje em dia, arrumar um emprego...

Ministro Jos Dirceu - No, arrumei em agosto, eu cheguei em fevereiro e arrumei de office boy, e quando eu pedi para ser registrado, fui demitido. Ento, o Brasil sempre foi um pas complicado.

Marlia Gabriela - Meio complicado. Mas, digamos que, agora, os ndices chegam a ser alarmantes, voc diria?

Ministro Jos Dirceu - No, no so ndices alarmantes, a situao social tambm grave, mas, veja bem, ns, em primeiro lugar, evitamos o pior, reorganizamos o pas...

Marlia Gabriela - Evitar o pior, o que seria?

Ministro Jos Dirceu - Com a inflao que tinha, o risco-Brasil a 2.500 e o dlar a R$4,00, R$5,00, com dlar a R$4,00, R$5,00, o pas estava quebrado! Ns estabilizamos a situao. Ento, foi muito importante, durante esses meses, ns reorganizarmos o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econmica, porque de onde voc pode ter recursos para saneamento, habitao e para apoiar as exportaes, a pequena e mdia empresa. O governo, no primeiro semestre, apoiou, fortemente, a agroindstria e a agricultura familiar. No segundo semestre, vai ter investimentos na infra-estrutura, apoio questo da reforma agrria, que uma urgncia, e vai unificar os programas sociais. Ento, voc v que ns temos um caminho, um espao que ns estamos dando.

Marlia Gabriela - ノ o tal de plano de vo que voc, na ltima entrevista que me deu, antes da eleio, me disse que o PT tinha? ノ esse plano de vo? Ele est sendo seguido risca ou as circunstncias mexeram com ele?

Ministro Jos Dirceu - As circunstncias sempre exige que voc priorize mais uma questo e menos outra.

Marlia Gabriela - A reforma agrria, imagino, que tenha o MST por trs, isso?

Ministro Jos Dirceu - Ns fizemos o correto porque, continuar a reforma agrria como vinha sendo feita, era um erro. Porque? Porque voc assenta as famlias, completamente separadas, ento, o custo de levar gua, de levar luz, de levar estrada, um absurdo! Voc tem que mudar a qualidade da reforma agrria. Dois teros dos assentamentos no tem gua, no tem luz, no tem assistncia tcnica. Ento, que assentamento esse? Vai produzir o qu? Vai agregar valor? Vai melhorar o nvel de vida dessas famlias ou voc vai, simplesmente, dando terra? Ento, tem que mudar a qualidade da reforma agrria. No adianta nada voc assentar 100 mil famlias, se 100 mil pequenas propriedades fecham, ou 100 mil assentados deixam o campo. Ento, ns fizemos o que ns tnhamos que fazer nesse sentido. O pas, com a reduo dos juros, com a reforma previdenciria e tributria, com a Lei de Falncias, porque, os bancos, daqui a trs meses, no tero nenhum motivo para dizer "no baixamos os juros". Eles tero que baixar os juros, porque est caindo o risco-Brasil, a inflao vai chegar a 5,5%...

Marlia Gabriela - Voc est dizendo que eles no vo ter mais desculpas para manter os juros altos?

Ministro Jos Dirceu - Nem discurso, nem desculpa, nem pretexto. Veja bem, no comeo os bancos precisavam de capital externo para abrir. Abriu. Depois, os bancos precisavam das tarifas e vieram as tarifas, depois, precisavam do Proer e veio o Proer, depois, os bancos precisavam de se concentrar, precisavam ser maiores, se fundir. Veio a concentrao do sistema bancrio. Depois, precisavam de um sistema brasileiro de pagamento, veio, agora, os bancos precisam da Lei de Falncia, veio. A inflao est caindo. Ah! Tem a taxa Selic do governo. O governo deve seiscentos e tantos bilhes, ento, o grande tomador. Ah! Tem o compulsrio! Agora, vai baixar o compulsrio, vai baixar a taxa Selic, a dvida est sendo alongada, est sendo desdolarizada a dvida interna. Ento, ns estamos fazendo tudo isso, Gabi! Vamos lembrar que o Brasil quebrou em 77, perdo, quebrou em 97, quebrou em 99, voc se lembra, e quebrou de novo em 2002! Durante os oito anos do presidente Fernando Henrique Cardoso! Porque eles falam de uma maneira que parece que...

Marlia Gabriela - Mas, eu me lembro, tambm, de voc me dizendo que o Fernando Henrique Cardoso estava sendo gentilssimo, colaborando com o perodo de transio, e a, de repente, comea tudo parecer do avesso. O Fernando Henrique dizendo que falam muito, mas no fazem, e voc fazendo denncia de que houve trapaa em privatizao. O que aconteceu? Que lua-de-mel foi essa que se rompeu a?

Ministro Jos Dirceu - Foi muito importante a transio acordada, feita em quatro mos, entre o governo que tinha vencido a eleio e ia tomar posse e o governo que estava saindo, porque isso democrtico e isso era imperativo para o pas, porque o pas estava em tal situao que, se houvesse desentendimento entre ns e o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ou entre ele e o presidente eleito, Lula, teria sido uma tragdia para o Brasil! Agora, ns fazemos, tanto que estamos fazendo aquilo que eles no fizeram, inclusive, as reformas previdenciria e tributria, resolvemos o problema do refinanciamento da dvida das empresas, estamos resolvendo a questo dos transgnicos, eu posso citar aqui umas 20 questes que ns estamos resolvendo no pas, como a Lei de Falncias, que estava h dez anos para ser votada, ento, essa conversa de que ns vamos fazer, ns fazemos e fazemos muito! O problema que a situao do pas era muito grave e grave, porque o pas tem problemas, por exemplo, os brasileiros pouco sabem que o governo arrecada R$400, R$450 bilhes e paga de juros da dvida interna, R$100, R$120 bilhes, Gabi! Isso cinco vezes o que gasta em sade.

Marlia Gabriela - Alis, eu ouo isso h anos, alguns polticos, eu acho que, particularmente, do PT, que uma reforma interna era urgente, era imediata, h anos que eu ouo isso e isso verdade, quer dizer, a dvida interna mais preocupante que a dvida externa, isso?

Ministro Jos Dirceu - At porque, hoje, ns podemos ter US$20 bilhes em supervit comercial, e chegamos, neste ms, vamos contar de julho a julho do ano passado, tem supervit na balana de conta corrente, que o Brasil j chegou a ter 30 bilhes de dficit, agora, teve um bilho e 200, ele j chegou a ter quase 4% do PIB, que um escndalo ter esse dbito! Ento, o pas melhorou muito, apesar de que o pas tem um problema srio, todo dinheiro que investido aqui, depois voc paga o lucro em royalties, todo dinheiro emprestado voc tem que pagar o juro e tem que amortizar! O pas tem um passivo de US$400 bilhes, e, aqui dentro, deve R$622 bilhes ou 1/3 em dlar! Ns estamos diminuindo, j diminuiu 5%, 6%, vamos trazer para a metade. Estamos alongando essa dvida, ela vencia em seis meses, ns estamos alongando cada vez mais, isso significa que, quando voc baixar o juro, o governo vai ter mais recursos para investir, no vai precisar fazer esse supervit de 4,25. Agora, isso custa tempo e trabalho, eu acredito que o povo brasileiro entende isso, fazendo isso e mantendo a inflao sob controle. Agora, o desemprego e o problema social precisam ser enfrentados, o governo tem que tomar medidas, e ns estamos fazendo agora, caminhando para isso, para investimentos na infra-estrutura, para aumentar as exportaes, para fortalecer a empresa nacional, a pequena e mdia empresa...

Marlia Gabriela - E, a, voc est pedindo um prazo entre 18 e 24 meses?

Ministro Jos Dirceu - No. No estou pedindo, no. Eu tenho pressa, o presidente Lula tem pressa, cobra de ns constantemente, o pas tem pressa, eu acho que ns no devemos esperar, tanto que os juros vo baixar. Agora, baixar juro s, no basta. Se o pas no estiver preparado para receber investimentos e no investir, se no houver o mnimo de demanda na economia, baixar juro no adianta, veja, o Mxico tem 3% de juro e tem a inflao, tambm, talvez, a metade da nossa inflao, e no est crescendo, porque isso, que est caindo os investimentos externos no Brasil, muita gente, s vezes, fala isso, mas caiu mais no Mxico e no Chile, caiu, inclusive, diretamente no prprio Estados Unidos, h uma queda no mundo todo. Ento, o Brasil tambm est enfrentando a adversidade externa e sempre vai enfrentar. O Brasil s vai deixar de enfrentar adversidade externa, quando ns aumentarmos as nossas exportaes e quando ns diminuirmos o peso desse endividamento no pas.

Marlia Gabriela - Quero uma palavra para traduzir: como estar no Poder?

Ministro Jos Dirceu - Para mim, um prazer.

Marlia Gabriela - ノ bom?

Ministro Jos Dirceu - Eu considero, primeiro, uma misso, eu vejo isso, eu falei e repito: eu estou servindo ao pas.

Marlia Gabriela - Ok. Tirando esse pedao?

Ministro Jos Dirceu - Ah! Fao com prazer.

Marlia Gabriela - ノ gostoso?

Ministro Jos Dirceu - Muito gostoso.

Marlia Gabriela - Essa uma bela posio?

Ministro Jos Dirceu - Mas, voc est preparado para viver na plancie e na oposio tambm, ter humildade para ouvir mais e falar menos e ter capacidade para reconhecer os erros.

Marlia Gabriela - Z, quer dizer que acabou aquele seu perodo de briguento, essa fama de Stalin tudo maldade, isso mesmo ou no?

Ministro Jos Dirceu - No, no, no. Eu j disse isso, comecei a falar e no terminei. Eu fui eleito presidente do Centro Acadmico, por eleies diretas, da UEE, direta, comecei no Diretrio do PT, de bairro, no comecei no Diretrio Nacional do PT, eu fui convidado, mas comecei l embaixo, sempre fui eleito dentro do PT, ns que mudamos o Estatuto do PT para ter eleio direta, a ltima eleio eu ganhei nas urnas, voto por voto de cada filiado e fui deputado estadual, deputado federal, candidato a governador e perdi, fui trabalhar...

Marlia Gabriela - Voc est dizendo tudo isso para?

Ministro Jos Dirceu - Que eu sempre fui de peito aberto, sempre discuto tudo, debato tudo, agora, eu disputo e falo as coisas com franqueza, tem gente que no gosta de ouvir o que eu falo, falo com franqueza e disputo. Eu falo: "a posio essa e ns vamos enfrentar, vamos disputar, vamos para o voto, vamos disputar".

Marlia Gabriela - Sua me j disse numa entrevista que voc, um dia, dizia que seria o presidente da Repblica. Voc j disse que no, e eu tenho minhas dvidas.

Ministro Jos Dirceu - Isso coisa de me, tpico de me.

Marlia Gabriela - Mas, voc disse algumas vezes, que me grava...

Ministro Jos Dirceu - Mas, evidentemente, que eu no sabia o que estava dizendo, uma criana no sabe, criana fala muita bobagem.

Marlia Gabriela - Mas, o pice de uma carreira de poltico, no ? Chegar ao...

Ministro Jos Dirceu - Mas muito cedo para pensar nisso.

Marlia Gabriela - Mas quem sabe...

Ministro Jos Dirceu - Eu, realmente, eu j disse que eu no estou preocupado com 2006, estou vendo 2004, uma eleio que ns precisamos vencer.

Marlia Gabriela - Pergunta para o ministro-chefe da Casa Civil: MST, que movimento esse hoje? O que que ele representa? Est se excedendo ou no est se excedendo? Um movimento que o PT apoiou sempre, incondicionalmente.

Ministro Jos Dirceu - No. O PT apoiou, sempre, condicionalmente, inclusive, eu quero recordar que, h dois anos atrs ou trs, Alozio Mercadante, que nosso senador, hoje lder do governo, era lder da bancada do PT, e eu, como presidente do PT, ns firmamos uma nota pblica, j discordando da ocupao de prdios pblicos naquele momento e, em alguns momentos, de excessos que se cometia. Ento, o Movimento dos Sem Terra o seguinte: o Movimento dos Sem Terra e a reforma agrria so necessrios. O Movimento dos Sem Terra foi um bem para o Brasil, porque organizou, trouxe para a vida poltica, social, cultural do pas, os trabalhadores sem terra, os pobres do Brasil, aqueles deserdados da terra, isso , tambm, uma revoluo, como foi o sindicalismo que o Lula representou. Agora, ns temos no pas Constituio e Legislao para fazer a reforma agrria e ns no podemos caminhar para o radicalismo. O pas tem Instituies democrticas consolidadas, ns temos que fazer a reforma agrria dentro da lei e da Constituio.

Marlia Gabriela - Radicais do PT. O PT comeou como um movimento radical, e, acho que a beleza, parte da beleza desse partido, vinha desse radicalismo. Hoje, o PT, no governo, combate, abertamente, os seus radicais dentro dele. Esses radicais no estariam, a, como um saudvel sistema de alerta para que o PT no se perca no Poder, e, Poder transformador, no ?

Ministro Jos Dirceu - Veja bem. Eles sempre discordaram de ns. Eles eram contra a poltica de aliana, eram contra o programa que ns apresentamos, alis, muitos eram contra a prpria candidatura do Lula. Ento, sempre houve divergncias entre ns e eles, por isso que tem os moderados e os radicais, embora no seja bem assim, mas, porque eles no so to radicais assim, no, porque eles governam muitas cidades. Vamos olhar como que eles governam. Eles governaram o Rio Grande do Sul. Precisamos olhar para trs, os erros que cometeram, e l, quando eles governavam o Rio Grande do Sul, no podia ter divergncia, no podia fazer emenda em projeto. No podia discordar publicamente. Ento, o que ns estamos colocando com clareza o seguinte: divergir, debater, o Diretrio Nacional do PT j discutiu, debateu trs vezes a reforma da Previdncia e a tributria, a bancada do PT j discutiu, debateu 'N' vezes, no s comigo, com o Ricardo Berzoni, ministro da Previdncia, com o Antnio Palocci, ministro da Fazenda, como com outros, como o prprio presidente. E sempre vota! Tem uma posio do partido! Agora, o que no pode , depois, no votar com o partido e no apoiar as resolues do partido, isso no pode em nenhum lugar do mundo! E no s no Brasil no. A democracia isso a, como se ns fizssemos uma eleio no Brasil e os que perderam no aceitassem o resultado, e falassem: 'No! Esse no o presidente, esse no o Congresso. No, essa no a lei. No, essa lei eu no aceito'. Ento, o problema dos radicais esse, e, no so assim to radicais, no.

Marlia Gabriela - Reforma da Previdncia. Essa histria vai longe, no vai?

Ministro Jos Dirceu - No! Essa histria vai terminar daqui a uns 60 dias.

Marlia Gabriela - De que forma?

Ministro Jos Dirceu - Vamos aprovar a reforma previdenciria, necessria e urgente para o pas.

Marlia Gabriela - Dizem que vocs mudaram de idia, de l para c, da eleio para c, isso que o pessoal est gritando na rua.

Ministro Jos Dirceu - No, no verdade. O PT defendeu sempre o sistema nico, um teto e um piso para todos, com exceo dos militares, que tem uma caracterstica particular.

Marlia Gabriela - Uma bela idia, me parece, que foi murchando, diminuindo, e h uma ttica, a, para ela cair um pouco no esquecimento, porque, nasceu como bela idia, mas, cheia de erros, que o caso do Fome Zero?

Ministro Jos Dirceu - No, pelo contrrio. E essa semana, ns conversamos bastante sobre isso, inclusive, com o presidente. O Fome Zero, at outubro, vai atingir trs milhes de famlias brasileiras e ns podemos chegar a atingir 10 milhes de famlias brasileiras no decorrer do governo. Ento, um programa fantstico.

Marlia Gabriela - Voc chamaria o programa de assistencialista?

Ministro Jos Dirceu - No, ele tem a emergncia, e a sociedade toda, o que tem na sociedade, hoje, participando do Fome Zero, uma coisa inacreditvel! Tem essa parte de distribuio de alimentos e do carto alimentao e, agora, ns vamos unificar todos os programas do governo num cadastro s, num carto s, e um programa com contrapartida: alfabetizao, a criana ir escola, no trabalhar, toda parte de sade pblica, Paternidade e Maternidade responsvel, esse um problema serssimo no Brasil.

Marlia Gabriela - Isso uma forma de planejamento familiar?

Ministro Jos Dirceu - No, eu diria que uma forma de planejamento familiar condizente nossa cultura e nossa realidade, inclusive, religiosa, de todos, de nosso pas. No s uma idia viva, como, acredito, que vai crescer.

Marlia Gabriela - Eu juro que no maldade e no para fazer associao. Voc continua fazendo regime?

Ministro Jos Dirceu - Continuo fazendo mais ou menos.

Marlia Gabriela - Continua guloso? A pergunta ao contrrio.

Ministro Jos Dirceu - Comi, inclusive, uma comida maravilhosa, essa semana, comi comida japonesa. Eu como bem e tenho procurado beber vinho ou uisque s sbado e domingo, porque, durante a semana, diminu. Se eu no tenho essa disciplina, no aguento o ritmo de trabalho. Tambm estou reorganizando bastante a Casa Civil para diminuir o ritmo de trabalho. E vou dizer com franqueza: trabalhar demais porque algo est desorganizado. Tambm no sou fantico pelo trabalho e nem sou doente pelo trabalho. Trabalho por necessidade, mas eu gosto de cinema, gosto de msica, gosto de ficar com a minha famlia, gosto de futebol.

Marlia Gabriela - No momento, no est dando isto?

Ministro Jos Dirceu - No, at d. Eu consigo, tenho ido ao cinema, tenho lido.

Marlia Gabriela - O que voc est lendo?

Ministro Jos Dirceu - Estou lendo "Os Borjas", do Mrio Puzzo.

Marlia Gabriela - Vai dar o que falar, o que voc est lendo agora...

Ministro Jos Dirceu - Eu estava lendo um livro do Jairo, que : "O Poder e o Banco", que o Banco Central. Estava lendo, terminando de ler.

Marlia Gabriela - Voc est dormindo como dormia sempre?

Ministro Jos Dirceu - Eu durmo bem. タs vezes, no durmo bem por causa do acmulo de problemas, vou ser franco, acordo, fico com um pouco insnia.

Marlia Gabriela - Vem c, o Poder um prazer, mas tem um preo?

Ministro Jos Dirceu - No, tem uma angstia. Ns temos uma angstia grande, evidentemente que ns queremos encurtar o tempo do crescimento, da reduo do juro, isso natural, ns temos pressa.

Marlia Gabriela - Tem gente puxando muito o seu saco?

Ministro Jos Dirceu - No. Eu tenho uma vantagem, no sei se pelo meu modo de ser, primeiro, todo mundo me chama, na rua as pessoas me chamam de Z Dirceu, nunca me chamaram de deputado, e nem me chamam de ministro, e as pessoas falam as coisas para mim porque eu tenho, talvez, pelo modo como eu falo as coisas, as pessoas tambm falam para mim, as pessoas falam para mim as crticas, falam as verdades, reclamam, protestam. Eu no tenho esse problema.

Marlia Gabriela - No estou falando do povo. Eu no estou falando disso (puxando o saco).

Ministro Jos Dirceu - O Poder tem esse lado da bajulao, mas, eu, talvez, tambm, pelo meu outro lado da minha personalidade, isso no me afeta tanto. As pessoas, acho, tm um pouco de constrangimento de fazer isso comigo, eu no sou assediado tanto assim por esse lado, no. Eu diria que eu sou um homem feliz nesse sentido.

Marlia Gabriela - Porque puxam com moderao, isso?

Ministro Jos Dirceu - ノ bem nesse ponto.



Bate-Bola

Marlia Gabriela - Um sonho e uma realidade.

Ministro Jos Dirceu - Um sonho: ver o Brasil melhor. Uma realidade, que ns precisamos trabalhar muito.

Marlia Gabriela - Um grande poltico e um inimigo pblico.

Ministro Jos Dirceu - Grande poltico: Lula. Inimigo pblico, eu no tenho.

Marlia Gabriela - No tem?

Ministro Jos Dirceu - No, no tenho. Quem meu inimigo no Brasil? No tenho.

Marlia Gabriela - Por essas farpas trocadas ultimamente, eu posso citar uns trs ou quatro.

Ministro Jos Dirceu - No, eu no tenho mesmo. Eu tenho essa felicidade. Pode ser que muita gente me considere inimigo, mas eu no considero ningum inimigo. Adversrio poltico, sim.

Marlia Gabriela - Um amigo pessoal e um companheiro de luta.

Ministro Jos Dirceu - Amigo pessoal, Marco Aurlio Garcia. Companheiro de luta, Antnio Benetazo, que a ditadura matou.

Marlia Gabriela - Um golpe de mestre e uma pisada na bola.

Ministro Jos Dirceu - Pisada na bola, numa reunio do PT que estava sendo transmitida e comecei a falar como se eu estivesse s dentro da reunio do PT. Golpe de mestre...

Marlia Gabriela - A pisada na bola, que saiu alguma coisa?

Ministro Jos Dirceu - No, nada. Nada grave.

Marlia Gabriela - Isso j derrubou ministro, hein?

Ministro Jos Dirceu - No foi nada grave, mas...Um golpe de mestre, eu acho que, ter sobrevivido ditadura foi um golpe de mestre.

Marlia Gabriela - O melhor e o pior da poltica?

Ministro Jos Dirceu - O melhor da poltica o que voc pode fazer, e, o pior da poltica aquilo que voc no consegue fazer.

Marlia Gabriela - Me tira do srio?

Ministro Jos Dirceu - Incompetncia.

Marlia Gabriela - Me deixa mansinho.

Ministro Jos Dirceu - O que me deixa mansinho? As minhas filhas.

Marlia Gabriela - Continua no grude? D ainda?

Ministro Jos Dirceu - D, eu consigo.

Marlia Gabriela - E, Z Dirceu por Z Dirceu?

Ministro Jos Dirceu - Um brasileiro, eu j falei, corinthiano, que, agora, obcecado por fazer um bom governo.

Marlia Gabriela - O qu? Aquele namorador deu de marido e pai de famlia?

Ministro Jos Dirceu - Bem, a tem que perguntar para a Maria Rita e para os meus filhos, para o Zeca, para a Joly e para a Camila. Acho que eu tenho essa coisa forte com a famlia, apesar de que eu j me separei, eu tenho uma coisa forte com a famlia e tenho, tambm, uma coisa forte com a vida. Acho que mais do que com a famlia, com a Maria Rita, eu tenho uma coisa forte com a vida. Eu vivo, sempre repito exausto, vivo a vida com paixo. Ento, me sinto bem, s lamento no poder estar mais com a famlia. Nesse lado eu sou bastante, vamos dizer assim, conservador. Eu tenho, eu no consigo, talvez, porque eu no tenha vivido com a minha famlia, eu tenha me apegado tanto e dado tanto valor agora, tanto aos amigos, que eu no convivi com eles tambm, e a minha famlia.

Marlia Gabriela - Isso Z Dirceu por Z Dirceu.

Ministro Jos Dirceu - Muito obrigado.

Marlia Gabriela - Obrigada pela entrevista, ministro, torcendo pelo senhor, porque, nesta, estou torcendo pelo pas.

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