domingo, 30 de novembro de 2008

Reitoria prometeu não punir, mas agora descumpre acordo

FONTE: http://www.adusp.org.br/noticias/Informativo/271/inf27103.html

10 de novembro de 2008


Reitoria prometeu não punir, mas agora descumpre acordo


Em sequência ao debate na FFLCH, realizou-se à tarde um ato em frente à Reitoria da USP com a finalidade de protestar contra a criminalização dos movimentos sociais. As perseguições perpetradas pela Reitoria contra estudantes e sindicalistas representam, segundo alguns oradores, um descumprimento do acordo que levou ao fim da ocupação realizada em 2007.
Os governos estadual e federal foram duramente criticados. “Querem liqüidar e neutralizar o movimento sindical combativo e tentam impor um sindicalismo pelego”, declarou Claudionor Brandão, diretor do Sintusp, que recentemente sofreu suspensão de 20 dias, por sua participação em episódio ocorrido em 2006 (
Informativo Adusp 270). Acusado pela Reitoria de usar a liberação sindical para cuidar de “interesses estranhos” à categoria, Brandão comentou que se trata de uma inaceitável tentativa de ingerência no movimento sindical, pois cabe aos trabalhadores “decidir a quem devem apoiar”.
O professor Luiz Martins, da ECA, lembrou, que pouco mais de um ano antes, “escreveu-se, nesta ‘Praça da Barricada’, uma das páginas mais importantes da história desta Universidade, com a ocupação da Reitoria da USP”. Para ele, os 50 dias de ocupação e resistência impuseram a “primeira grande derrota do governo Serra”, com a demissão do secretário Pinotti e a revisão dos decretos. “As punições rompem com o acordo firmado pela Reitoria em junho de 2007, do qual fui testemunha direta”, afirmou o professor, que integrou a comissão encarregada de mediar o conflito.
O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) declarou que o governo Serra vem recorrendo à infame “Lei da Mordaça” (lei estadual 10.261, artigo 242, inciso I), de 1968 mas ainda em vigor, que proíbe os servidores públicos de se manifestarem sobre condições de trabalho, para intimidar e até exonerar funcionários. “Há um movimento na Assembléia Legislativa para revogar esta lei”, informou Giannazi.
Crise
Para o professor José Zago, dirigente do Andes, está em curso no país um processo de instrumentalização da pobreza (programas como Bolsa-Família), cooptação de sindicalistas e criminalização dos movimentos sociais. “O movimento de criminalização é preventivo, para tentar desorganizar a classe trabalhadora. O ataque vai se aprofundar, porque a crise vai exigir”, completou Zago.
O professor Edmundo Dias, diretor da Adunicamp, observou que a derrota do governo Serra, em 2007, foi parcial: “A Secretaria do Ensino Superior continua aí, com a Univesp, uma espécie de videogame intelectual”.
O professor Chico de Oliveira, da FFLCH, destacou a importância da USP: “Esta universidade, todas as universidades públicas brasileiras, são uma surpresa na história deste país. É nossa obrigação aprofundar estas conquistas e não recuar um passo”. Concordou que a Reitoria descumpriu o acordo que garantiu a desocupação. Ele também criticou o governo federal pela tentativa de fragmentar a base do Andes: “Precisamos lembrar ao sr. Luis Inácio Lula da Silva que, quando a Ditadura tentou dividir o movimento sindical, toda a sociedade organizada e democrática colocou-se ao lado dos sindicatos”.
“O governo estadual certamente aprendeu com sua derrota”, disse o professor João Chaves Jr., representante da Adunesp. Para ele, após o revés inicial Serra reagiu, procurando cooptar as reitorias e conselhos universitários. O professor denunciou a “intromissão do governo e o cerceamento da autonomia das universidades, como é caso da imposição, que está sendo aceita de maneira absolutamente servil pelas universidades, dos cursos de formação inicial de professores ministrados à distância” (vide Informativo Adusp 270).
Retrocesso
O professor Américo Kerr (IF), representando a Adusp, criticou a incoerência das reitorias ao perseguir lideranças sindicais e estudantis: “Os dirigentes da universidade, na hora em que querem impor uma disciplina aos movimentos localizados dentro da universidade, não se apercebem de que na verdade estão atacando a capacidade de defesa da universidade pública, gratuita e democrática”.
Não fossem os movimentos em 2007, explicou, “os reitores teriam que pedir licença ao governador para movimentar dinheiro de qualquer alínea para outra; teriam que devolver dinheiro no final do ano; e perder a parcela de sobra no ano seguinte, que é o que ocorre hoje nas universidades federais”. A luta barrou este retrocesso e demonstrou ser fundamental, frisou.
“As punições da Reitoria são o outro lado da moeda do ataque do governo Lula ao Andes”, afirmou Dirceu Travesso. Para ele, o que está em jogo é a concepção de universidade. “Qual é a universidade que queremos? A das fundações? A da Monsanto? Ou a que faz pesquisa para os trabalhadores?”.

Livro detalha extermínio de opositores do regime

FONTE: Jornal Valor Economico, 27 Nov 2008

Livro detalha extermínio de opositores do regime
Maria Inês Nassif, de São Paulo

27/11/2008

O agente secreto do Centro de Informações do Exército não era nenhum neófito em tortura ou execuções, mas o que viu naquele mês de março de 1974, no "aparelho" que os órgãos de segurança da ditadura mantinham em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, foi demais até para ele. Carioca era um dos três integrantes da equipe que conduziu David Capistrano da Costa, dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), preso quando tentava entrar no país por Uruguaiana, de Porto Alegre para São Paulo, na Operação Bandeirantes (Oban), o centro de torturas da rua Tutóia; e depois para o Rio. Em Petrópolis, a equipe local fazia o "serviço" no quintal e um de seus integrantes chamou o agente do CIE quando "terminou". "Ei, Carioca. Venha aqui fora, o trabalho tá quase pronto". Carioca foi conduzido a um cômodo isolado, nos fundos, e passou a vista pelo ambiente. Demorou um pouco para entender o que acontecera. Tinha sangue para todo lado, mas não via o corpo. "Chocado, sem articular uma só palavra, o estômago engulhado, percebeu que as partes, amontoadas num canto, estavam a ponto de serem colocadas num saco plástico". Levantou a cabeça em direção a algo pendurado por ganchos. "Um tronco, dividido ao meio. As costelas de Capristano pendiam ao teto, e ele, reduzido aos pedaços, como se fosse uma carcaça de animal abatido, pronta para o açougue".
Era com essa cena que o agente, que a partir de então passou a anotar secretamente o que viveu como agente do regime militar (1965-1985), imaginava abrir um livro de memórias. O material chegou praticamente clandestino, por correio, para a Geração Editorial, que em 2005 havia editado "Operação Araguaia", dos jornalistas Taís Morais e Eumano Silva, que reuniu uma documentação inédita sobre a guerrilha do Araguaia, relatando episódios vividos pelo agente. O diário foi enviado pela ex-mulher de Carioca, que ficou com os manuscritos e a orientação de encaminhá-los a jornalistas ou a uma editora quando o autor morresse. Morreu, a machadadas, num episódio até hoje não esclarecido. O editor encaminhou o material a Taís Morais, que checou dados, conversou com agentes que atuaram com Carioca e trouxe a público fatos estarrecedores contados pelo militar que morreu atormentado por seus atos, no livro "Sem vestígios: revelação de um agente secreto da ditadura militar brasileira"*. Por opção da autora e do editor, foi mantida a ordem cronológica dos fatos relatados. Embora tenha mantido em sigilo a identidade de Carioca e de agentes que trabalharam junto com ele, seus pares certamente terão facilidade em identificá-lo. O ex-ministro José Dirceu, citado no livro, identifica o agente como Carlos Alberto Costa. Por razões de segurança, o livro foi distribuído às livrarias antes da divulgação.
Com algum cuidado, Taís expõe a afirmação contida no diário do agente, de que o ex-ministro José Dirceu teria sido um agente duplo, responsável pelo desmantelamento do Movimento de Libertação Popular (Molipo). "Segundo as notas de Carioca, depoimentos de alguns militares e as memórias dos coronel Lício [Augusto Maciel] - naquele idos, major -, Daniel [codinome de José Dirceu] teria sido o agente duplo e, antes de morrer, Jeová [de Assis Gomes, militante do grupo armado] informara esse nome como o de quem havia traído o Molipo", diz o livro. Atribuiu-se a Boanerges de Souza Massa, ex-militante da ALN e preso quando era militante do Molipo, a traição a seus companheiros. Carioca o inocentou. Boanerges fez curso de guerrilha em Cuba, junto com José Dirceu. Integrava o Grupo dos 28 (ou Grupo Primavera, ou ainda o Grupo da Ilha), do qual apenas duas pessoas sobreviveram: Dirceu e Ana Corbisier. O agente, em seu diário, diz que Boanerges foi entregue a um "aparelho rural" dos serviços de informação instalado em Formosa, Goiás. Segundo disse a ele Geverci, caseiro da propriedade, o militante "foi feito e enterrado por aí. A equipe veio, levou o homem de madrugada e sumiu com ele". "Fazer" alguém era executá-lo.
Dirceu disse que a afirmação contra ele é uma "infâmia", urdida pelo coronel Lício, que "se especializou em difamar tanto a memória dos mortos como os que sobreviveram". É atribuído a Lício, por exemplo, a versão de que o deputado José Genoino, primeiro preso pela repressão na Guerrilha do Araguaia, teria entregado seus companheiros. Devido à compartimentação das informações e das bases guerrilheiras, Genoino sequer teria tais informações. Segundo o ex-ministro, as circunstâncias da morte de Jeová, investigadas por ele nos anos 80 quando era da Comissão de Justiça e Paz, indicam que seria impossível ele ter falado qualquer coisa antes de morrer, com um tiro nas costas, num campo de futebol. "Essa infâmia aparece num momento em que estou apoiando o movimento para que a tortura seja considerada crime contra a humanidade". Não é fato também, diz Dirceu, que tenham sobrevivido apenas dois militantes do Molipo; como também não veio da esquerda as desconfianças de que Boanerges teria sido um traidor. "Foi a própria repressão que levantou essa hipótese".
A outra revelação importante do livro é a de que o líder estudantil Honestino Guimarães, da Ação Popular, preso em 1973, no Rio, e levado a Brasília, foi morto no palco da Guerrilha do Araguaia. Já nos estertores da operação de extermínio dos guerrilheiros do PCdoB que se mantiveram na região, chegou a Marabá um jatinho da empresa Líder, contratado pela Presidência da República, que conduzia quatro militantes de esquerda, sedados e encapuzados. Foram levados à Casa Azul, um dos centros de operação militar contra a guerrilha. Quando os capuzes foram retirados, o agente - que atuava em Brasília, de onde era Honestino -reconheceu o líder estudantil. Com ele estava outro militante brasileiro, que o "coronel Jonas" disse que era Eduardo Leite, o Bacuri - essa informação Carioca acreditava ser um engano, pois Bacuri foi preso e dado como morto no final de 1970, em São Paulo, e seu corpo entregue à família completamente destroçado. Os outros dois presos que chegaram ao Araguaia, vindos de Brasília, um era francês e o outro, argentino, e não foram identificados por Carioca. Coube à equipe do agente executar os presos, no meio da mata. Um dos estrangeiros, o de sotaque francês, embora dopado, entendeu que ia para a morte e tentou ainda negociar a sua vida com um agente que estava próximo. "Pô, cara, não faz isso comigo não! Deixa que eu mato os três para vocês e ainda sirvo de informante para o que quiserem". A ordem da execução, no entanto, estava dada. E vinha de Brasília, sem qualquer possibilidade de apelação.
No seu diário, o agente confirma que foi Manoel Jover Telles, o Rui, que entregou a data e da reunião do Comitê Central do PCdoB, marcada para o dia 12 de dezembro de 1976 em uma casa na rua Pio XI, na Lapa. Ele participou da reunião - foi para lá seguido de nada menos do que 35 veículos. Quando o aparelho foi invadido e metralhado, Jover já havia saído. Os dirigentes que saíram, exceto Telles, foram presos. Morreram metralhados Ângelo Arroyo e Pedro Pomar. O episódio é conhecido como "Massacre da Lapa" .Segundo Carioca, Telles foi preso e prestou depoimento no dia 8 de dezembro e, para safar-se, fez duras críticas ao PCdoB e contou tudo o que sabia sobre a reunião que iria acontecer com todos os dirigentes do partido, poucos dias depois.
É tratado como "cachorro" (delator) também o ex-sargento Alberi Vieira dos Santos, que foi preso em 1965 e para não morrer tornou-se informante do CIE infiltrado na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A sua missão era "seduzir exilados e levá-los à arapuca de falsos focos guerrilheiros", segundo o livro. Em 1974, Alberi levou para a morte, no mesmo dia, duas levas de militantes da VPR e de argentinos do Exército Peronista, no Parque Nacional do Iguaçu; dias depois, a mesma operação prenderia o ex-sargento do Exército Onofre Pinto, um dos comandantes do grupo armado.
* "Sem vestígios: revelações de um agente secreto da ditadura militar brasileira", Taís Morais, Geração Editorial, 2008, 239 páginas

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Pré Tese ao 12° Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE

FONTE: LISTA DE E-MAILS

RECONQUISTAR A UNE

Pré Tese ao 12° Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE


APRESENTAÇÃO

Após 30 anos de seu Congresso de Reconstrução, em 1979, a União Nacional dos Estudantes terá um novo encontro na cidade de Salvador. Estudantes de todo o Brasil estarão presentes, entre os dias 17 e 20 de janeiro de 2009, no 12º CONEB – Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE, que reunirá centros acadêmicos de universidades públicas e privadas do país.

O CONEB é, certamente, um dos fóruns mais importantes do movimento estudantil brasileiro. É o espaço privilegiado para a UNE se fazer presente na base do movimento, em sala de aula, impulsionando suas campanhas e lutas nas universidades. Um momento indispensável para fortalecer a rede do movimento estudantil, incorporando as pautas e a realidade das entidades de base às lutas mais gerais da UNE.

A realização de fóruns de base periódicos como o CONEB é resultado de longos debates e disputas por parte daqueles que defendem uma UNE democrática, combativa e presente nas lutas estudantis. Depois de longos oito anos, a realização do CONEB de Campinas em 2006 mostrou o acerto desta posição. Mobilizando mais de três mil CA’s e DA’s, o último CONEB cumpriu papel importante no debate dos rumos do movimento estudantil, ampliando a referência da UNE e respondendo de maneira contundente às primeiras tentativas divisionistas de um setor minoritário do movimento.

Neste próximo CONEB, nossos desafios se renovam. Depois de um período de dispersão da pauta política da entidade, em que o movimento estudantil reduziu sua intervenção a uma postura reativa, pautando-se quase que exclusivamente pela agenda e iniciativas governamentais, a UNE se propõe a retomar o debate mais estratégico sobre a reforma da universidade brasileira. Trata-se de impulsionar os debates e as lutas por mudanças estruturais da educação, situando a defesa de uma Universidade Democrática e Popular como instrumento de transformação da nossa sociedade.

Além disso, a mobilização para o CONEB deve ser encarada como uma grande oportunidade para refletirmos sobre os atuais desafios do movimento estudantil. As profundas transformações que o ensino superior e o perfil do estudante sofreram nos últimos anos exigem da UNE uma política que consiga de fato dialogar com a realidade de sua base social.

Nós da tese Reconquistar a UNE estamos entre aqueles e aquelas que constroem a UNE nas universidades, em cada ocupação, mobilização e debate Brasil afora. Disputamos suas posições porque acreditamos que nossa entidade nacional pode cumprir um papel ainda mais ativo na organização dos estudantes. Somos oposição a atual maioria que dirige a UNE porque acreditamos que sua política não vem atendendo aos novos desafios colocados para o movimento estudantil.

O momento exige uma nova postura da UNE: mais ousada e menos conciliatória, mais combativa e menos institucionalizada. Uma postura que esteja à altura das possibilidades abertas no Brasil e na América Latina e que dê conseqüência às recentes lutas travadas nas universidades brasileiras. Buscando contribuir com estes importantes debates, apresentamos nesta pré-tese algumas das nossas idéias e propostas para transformar o movimento estudantil e a universidade brasileira. Um convite à ousadia daqueles e daquelas que, assim como nós, querem Reconquistar a UNE para a luta e para os estudantes.




CONJUNTURA


Um tempo de crises e possibilidades

“Tudo que é sólido desmancha no ar” (Marx)

A ação política da UNE no próximo período se desenvolverá num contexto de crise mundial, de intensidade e desdobramentos imprevisíveis. A atual crise do capitalismo expõe de maneira contundente os limites estruturais de um sistema marcado pela desregulamentação econômica, destruição ambiental e crescentes desigualdades sociais. Mesmo que hegemônico, o capitalismo se encontra cada vez mais distante de suas promessas de abundância e calmaria, que motivou os apressados a declararem que chegáramos ao “fim da história”.
Esta hegemonia neoliberal pregava a redução do Estado, as privatizações, a abertura comercial, desregulamentação e flexibilização e a mais ampla liberdade para a movimentação dos capitais financeiros.
As classes dominantes, em resposta a atual crise, novamente privatizam os lucros e teimam em querer socializar os prejuízos. Perderam as apostas no cassino das especulações financeiras, mas querem que a conta seja paga pelo povo.

Neste terreno de crise, a América Latina assume especial importância. A presença de governos de esquerda e progressistas na região amplia a contestação ao imperialismo dos EUA, melhora as condições de vida das camadas populares e reforça as possibilidades de uma integração regional diferenciada, a serviço dos interesses dos trabalhadores e articulada em torno de reformas estruturais.

Este rico processo de mudanças por qual passa o nosso continente não é isento de limites e contradições. Ritmos, estratégias e correlação de forças marcam de maneira distinta cada país da região.

O grande desafio na América Latina e Caribe está em utilizar a correlação de forças política existente no sub-continente, onde há um grande número de países governados por forças de esquerda e progressistas, para avançar no sentido de superar definitivamente o neoliberalismo. O que não nos falta e nem nos faltará, como sempre, é a existência de setores conservadores cada vez mais sedentos pela retomada de seus antigos postos de poder.

O Brasil

Pela importância política que tem na América Latina, o Brasil pode cumprir papel fundamental nesse avanço das forças populares. Compreender os avanços e limites do governo Lula e a disputa travada pelos seus rumos é fundamental, já que nada garante que, especialmente com a crise internacional, não ocorra uma mudança radical no ambiente político do país.
A economia brasileira está em melhores condições de enfrentar a crise internacional, em alguma medida porque o governo Lula (especialmente no segundo mandato) adotou políticas distintas do receituário clássico neoliberal. Mas o tamanho da crise não permite discursos ingênuos sobre o "tamanho das reservas" brasileiras em moeda estrangeira, nem crenças tolas nos supostos bons procedimentos das grandes empresas nacionais.
Há empresários e políticos brasileiros que vêem na crise a oportunidade para cobrar do governo que reduza os investimentos públicos em infraestrutura e em políticas sociais. Claro que eles também querem que o governo amplie as transferências de recursos para as grandes empresas privadas.
Precisamos do oposto disto: reduzir a política de juros, para reduzir a especulação financeira e sobrar mais recursos públicos para investimentos; fortalecer pesadamente o Estado e a soberania nacional sobre os recursos estratégicos, por exemplo, ampliando o controle da União sobre as ações da Petrobrás. Estas e outras medidas em defesa das maiorias, o que inclui manter e ampliar as políticas sociais e as políticas orientadas ao desenvolvimento econômico.
O sonho nada secreto da direita é realizar, em 2009-2010, aquilo que eles desde 1989 diziam que aconteceria durante o governo Lula: o caos, a crise, o desgoverno. É preciso lembrar que a crise atual foi provocada pelas políticas que eles sempre defenderam; e que o Brasil está mais protegido, porque recusou estas políticas.
Um exemplo disto é a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). O que estaria acontecendo com o Brasil, se estivéssemos mais vinculados aos Estados Unidos? Outro exemplo é o pré-Sal. Se a Petrobrás tivesse sido completamente privatizada, como desejava o PSDB e o DEM, as grandes riquezas petrolíferas brasileiras estariam totalmente em mãos privadas e estrangeiras.
Portanto, para dar conta das grandes tarefas que se apresentam, os movimentos sociais têm que estar cada vez mais organizados e preparados para resistir a novas ofensivas contra os direitos dos povos. Num cenário de instabilidade como o que ora vivemos, não há espaço para posturas “contemplativas” por parte dos movimentos sociais. O momento é de aprofundarmos as mobilizações, contribuindo na luta política e no campo teórico com a construção de alternativas que apontem para a construção de uma sociedade “para além do capital”.

Recompor o campo democrático e popular

Entre as tarefas que se apresentam e as condições para cumpri-las existe uma distância a ser considerada. O fato é que ainda vivemos um período de defensiva que registra um avanço institucional por parte de setores e partidos de esquerda ou progressistas no continente, mas é marcado por uma forte influência do pensamento conservador e num momento de descenso das lutas sociais.

Concorre para a atual situação um conjunto de causas objetivas e subjetivas. O distanciamento de parte das direções dos movimentos sociais com sua própria base social impossibilita esses movimentos de diagnosticarem corretamente essas causas e conduzirem um novo ascenso de lutas. A retomada de um intenso trabalho de base, organicidade, formação e condução política se apresentam como tarefas inadiáveis dos movimentos sociais.

Como temos acompanhado, a luta política na América Latina tem combinado mobilização social com disputa eleitoral e hoje, onde alcançamos a presidência da República, é preciso seguir combinando luta social, luta eleitoral e ação dos governos.

No Brasil, temos em curso uma progressiva desorganização do campo democrático e popular provocada, em última instância, pelas distintas posições dos movimentos acerca das opções feitas pelo governo Lula. Frente a isso, vicejam entre as organizações diferentes respostas para esta mesma situação, que passam desde o governismo até o movimentismo e divisionismo.

Em poucas palavras, estes “fenômenos” só contribuem para o aprofundamento da fragmentação das forças populares. A adoção de uma postura adesista e governista por parte dos movimentos em nada contribui para o atendimento de suas reivindicações. Além de ser uma condição fundamental para a manutenção de sua legitimidade junto às bases que representam, em um governo de coalizão política e social como o governo Lula, a autonomia dos movimentos sociais é essencial para a disputa de projetos e rumos que deve ser travada no próprio governo e na sociedade.

Esta autonomia, contudo, é incompreendida por setores movimentistas, que vêem na ação dos movimentos sociais um caráter “sagrado” e “redentor”, negando as outras dimensões da disputa de hegemonia na sociedade, como as organizações partidárias e ação em espaços institucionais.

Completando o mosaico, existem aqueles setores que, no embalo das denúncias a suposta “traição” das direções dos movimentos sociais, que estariam “atreladas” ao governo, propõem a criação de novas entidades e o rompimento com as organizações anteriores.

Num cenário como esse, a recomposição do campo democrático e popular é um dos grandes desafios dos movimentos sociais e das forças políticas a ele alinhadas. Para tanto, temos que dobrar a aposta nas frentes e articulações como a Coordenação dos Movimentos Sociais, organizando-a nos estados e construindo mobilizações e agendas comuns que vinculem as bandeiras imediatas de cada movimento com a luta mais geral por reformas democráticas e populares.

Pela proximidade e importância, a UNE também deve dar especial atenção a construção da próxima edição do próximo Fórum Social Mundial, a ser realizado em Belém do Pará no ano de 2009. Hoje, mais do que nunca, fica claro que frente à barbárie e às crises do capitalismo neoliberal, não só “outro mundo é possível” como também é extremamente necessário.


Por uma Universidade Democrática e Popular

O foco central de atuação do movimento estudantil é o debate de educação. É a porta de entrada do estudante para uma compreensão maior da realidade em que ele está inserido. Assim, a educação não pode ser considerada “algo neutro” ou um ente isolado da sociedade. Ela reflete suas contradições, sua base material e o seu modo de organização e funcionamento.

Em nossa sociedade, os sistemas de ensino foram concebidos para reproduzir a ordem social dominante, seus valores, “visão de mundo” e ideologia. O processo de constituição da escola, contudo, é um processo contraditório que permite a abertura de brechas em favor da disputa de uma alternativa educacional significativamente diferente. Disputa essa que está diretamente ligada à disputa mais geral de hegemonia da sociedade.

A UNE defende a educação como um direito de todos a ser garantido pelo Estado e que a escola e a universidade devam ser convertidas em instrumentos de transformação social e aumento do poder das classes populares.

A Universidade é uma instituição milenar que, ao longo da história passou por profundas transformações e conforma vários modelos. Podemos situá-la como herdeira das academias do mundo greco-romano. Em sua concepção moderna, no entanto, surge junto com as grandes cidades na Europa do século XII e ao longo de sua difusão pelo mundo é marcada pela época e pelas características sociais, culturais e econômicas de cada ente político em que se desenvolveu.

Atravessou o Atlântico e nos primeiros anos de colonização, alcançou as antigas possessões espanholas na América, a exemplo das universidades de Lima (1551), México (1553), Córdoba (1613), entre outras. Mais do que instituições de ensino, essas universidades nasciam com a clara tarefa de fazer frente ao elevado desenvolvimento das civilizações pré-colombianas, participando do extermínio físico e cultural desses povos.

No Brasil, a universidade é uma instituição de formação recente e fragmentada. Ao contrário da colonização espanhola, os filhos das elites coloniais do Brasil tinham que ir a Coimbra ou outras universidades européias para atingir os estudos superiores.

A formação da universidade no Brasil recebe diretamente a influência do modelo francês de universidade, baseada na reunião de escolas isoladas, destinada quase que exclusivamente às profissões liberais e intimamente ligada à formação das elites e dos quadros dirigentes do Estado.

As instituições de ensino superior ganham corpo nas primeiras décadas do século XX, a partir das escolas criadas no século anterior, mas é na fundação da Escola de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934) e na Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro (1935), que encontramos, de fato, as primeiras universidades do país.

Neste período, iniciativas inovadoras que eventualmente surgiam defendidas por intelectuais como Anísio Teixeira, entre outros, encontravam grandes limites para serem realizadas e tão logo eram frustradas ou desarticuladas.

Nascia, assim, a universidade brasileira. Uma universidade para poucos, marcada por uma orientação conservadora em rígidos currículos, cátedras vitalícias e divorciada da realidade social do seu país.



A rebelião de Córdoba e a hora americana

Homens de uma República livre, acabamos de romper a última cadeia que, em pleno século XX, nos atava à antiga dominação monárquica e monástica. Resolvemos chamar todas as coisas pelos nomes que têm. Córdoba se redime. A partir de hoje contamos para o país uma vergonha a menos e uma liberdade a mais. As dores que ficam são as liberdades que faltam. Acreditamos que não erramos, as ressonâncias do coração nos advertem: estamos pisando sobre uma revolução, estamos vivendo uma hora americana.
(...)

As universidades foram até aqui (...) o lugar onde todas as formas de tiranizar e de insensibilizar acharam a cátedra que as ditasse (...) chegando a ser assim fiel reflexo destas sociedades decadentes que se empenham em oferecer este triste espetáculo de uma imobilidade senil. Por isso é que a ciência frente a essas casas mudas e fechadas, passa silenciosa ou entra mutilada e grotesca no serviço burocrático.(...)

(trechos do Manifesto de Córdoba, 21 de Junho de 1918)


A quem serve a Universidade? A que(m) se destina o conhecimento que nela é produzido e difundido? Quem a ela tem acesso? Qual papel ela cumpre diante dos grandes desafios da sociedade? São essas e outras perguntas que movem a ação do movimento estudantil e fazem com que tão antiga quanto a história da universidade seja a luta por sua transformação.

Há 90 anos, estudantes da então conservadora e clerical província de Córdoba, na Argentina, fariam dessas perguntas o mote de um grito que ecoaria aos quatro cantos do mundo e não mais seria silenciado. Oprimidos por um modelo de universidade tutelado pela Igreja e pelas oligarquias, a Revolta de Córdoba, em 1918, lançaria um grande movimento pela Reforma Universitária, impulsionando lutas estudantis por várias gerações e países.

A revolta se desenvolve num momento de intensas transformações políticas e sociais na Argentina e no mundo. Representando o avanço dos setores médios daquele país, ascende ao governo o presidente Yrigoyen, da União Civil Radical. No mundo, convém lembrar que aqueles anos também testemunham grandes acontecimentos, como a Revolução Socialista na Rússia (1917) e o desfecho da I Guerra Mundial (1914-1918). Mesmo neste contexto de mudanças, a Universidade de Córdoba ainda refletia na sua estrutura um modelo de organização medieval, atrasado e antidemocrático.

A partir de uma série de mobilizações e enfrentamento com os setores conservadores, os estudantes ocupam a universidade e se lançam a uma greve geral que logo alcança a adesão de outras universidades e setores sociais. Seu conhecido Manifesto (“Da juventude argentina de Córdoba aos homens livres da América”) sintetiza o sentimento da rebelião e “reivindica um governo estritamente democrático (...), que na comunidade universitária, a soberania, o direito de dar-se governo próprio radica principalmente nos estudantes”.

Entre as principais reivindicações, os estudantes exigem o co-governo tripartite e igualitário da universidade, com a eleição democrática dos dirigentes universitários e a participação estudantil nos órgãos diretores; autonomia da universidade, ingresso público para a carreira docente e extensão universitária. O impasse gerado provoca uma intervenção do governo argentino que, pressionado pelo movimento, incorpora as mudanças reivindicadas e as estende por todas as universidades do país.

Diante dessa importante vitória, o movimento pela Reforma Universitária ganha outros países. Logo, os ventos de Córdoba alcançariam Peru, Chile, Cuba, Colômbia, Guatemala e Uruguai e num segundo momento, Brasil, Paraguai, Bolívia, Equador, Venezuela e México, permitindo uma série de mudanças progressistas nas universidades.

Posteriormente, quando a correlação de forças volta a ser favorável aos setores conservadores, esses avanços são interrompidos, explicando o fato de que grande parte das reivindicações dos revoltosos de Córdoba permanece, noventa anos depois, atual. Fica demonstrado para o movimento estudantil que a sustentação de uma verdadeira reforma da universidade só logrará êxito quando acompanhada de uma profunda transformação das sociedades que lhe servem de berço.

A partir daí a bandeira da Reforma Universitária confunde-se com a própria história do movimento estudantil. Sua defesa está vinculada à necessidade de transformar a universidade em um espaço de reflexão, produção e difusão de conhecimento e cultura que estejam a serviço dos interesses das maiorias. Uma universidade sem muros, aberta ao seu povo, comprometida com a transformação da sociedade e não com a manutenção dos privilégios de uma minoria dominante.


A luta pela Reforma Universitária no Brasil – das reformas de base aos dias de hoje

“Abramos as portas dos asilos, das prisões e das outras faculdades.”
(pichação de muro no Maio Francês de 1968)

Os ventos de Córdoba chegam ao Brasil ainda pelos idos dos anos trinta com as primeiras universidades do nosso país e desde o surgimento da União Nacional dos Estudantes, em 1937, também está presente nas reflexões e debates do movimento estudantil.

Mas é a partir do final da década de 50 e início dos anos 60 que a luta por mudanças estruturais na educação ganha novo fôlego na sociedade brasileira. Assumia especial importância a disputa de projetos para a expansão da educação superior. Neste terreno, o ano de 1961 é bem ilustrativo: no mesmo ano em que nascia a Universidade de Brasília, com uma concepção inovadora e mais integrada, era aprovada no Congresso Nacional uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação com forte conteúdo privatista.

A tensão da disputa entre esses distintos projetos educacionais coincide com a polarização política vivida à época pelo país e foi acompanhada por um novo impulso das mobilizações estudantis, a exemplo da Greve Geral do 1/3 desencadeada pela UNE em favor da democratização das universidades.

Sobretudo a partir do impulso dado pelo governo João Goulart às Reformas de Base, a reforma universitária encontra espaço para ser pautada como bandeira prioritária da UNE. Estava sintonizada com as reivindicações por mudanças estruturais da sociedade, e buscava transformar a universidade em um espaço mais democrático, mais popular, e comprometido com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Como parte dessas lutas e debates pela Reforma Universitária, foram realizados três Seminários da UNE sobre o tema nas cidades de Salvador (1961), Curitiba (1962) e Belo Horizonte (1963), enfatizando o papel da universidade naquela sociedade em mudanças e a centralidade da democratização interna das instituições e a ampliação do seu acesso às camadas populares.

Este rico processo de mobilização estudantil é interrompido com o advento do golpe civil-militar de 1964. A partir deste momento, o movimento estudantil passa a ser duramente perseguido e a universidade cerceada de suas iniciativas críticas e emancipadoras. Apropriada pelo discurso dos ditadores de plantão e tutelada pela orientação de agências estrangeiras – sintetizada nos Acordos MEC-USAID, a reforma universitária é esvaziada de seus propósitos progressistas.

A partir de então, o discurso de reforma incorporado pelos militares busca adequar o sistema de ensino superior ao projeto de modernização conservadora, atendendo assim a alguns setores do capital - que necessitavam de determinado tipo de mão-de-obra qualificada - e buscando responder ao desejo de ascensão social dos setores médios.

Mesmo com a resistência do movimento estudantil, as mudanças incorporam as propostas dos organismos internacionais de “modernização” e “maximização dos recursos e das estruturas da universidade”. Assim, são impostas medidas como a implantação do sistema de créditos (diluindo a convivência estudantil), a unificação do vestibular, a departamentalização das universidades, entre outras.

Ademais, em atendimento a forte demanda, estimulou-se uma profunda massificação do ensino superior - sobretudo privado – traduzidos em números reveladores: dos aproximadamente 100 (cem) mil estudantes de graduação presentes no começo da década de sessenta passaríamos a mais de 1 (um) milhão na segunda metade da década seguinte.

A universidade brasileira – alcançada pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento conservador - chegaria aos anos oitenta em profunda crise estrutural e financeira. Pressionada pelo processo de reorganização do movimento estudantil e dos demais movimentos de educação, seu desmonte e caráter excludente volta a ser questionado. Como parte do processo da Assembléia Constituinte, há intensa disputa entre os defensores da escola e da universidade públicas e os aliados do ensino privado.


A onda neoliberal

Nos anos 1990, contudo, o advento do neoliberalismo atingiu em cheio as universidades, já afetadas profundamente pela crise dos anos 1980. As mudanças em curso na forma de organização da produção capitalista visavam superar a crise de acumulação que havia se iniciado na década de 1970. Um de seus pilares, pois, era a abertura de setores, historicamente de competência do Estado, à exploração direta do capital. Isso ocorreu com as telecomunicações, com a energia, com a previdência e a saúde. E ocorreu, também, com a educação.

Com o forte amparo das orientações de organismos multilaterais como o Banco Mundial, buscava-se inserir a educação nos acordos comerciais e no debate público não mais como um direito, mas como serviço. Sem o alcance do Estado, deveria servir aos ditames do mercado.

Coerente com esses propósitos, os governos neoliberais de Collor tentou iniciar e o de FHC implementou, através das duas gestões do ministro da educação Paulo Renato à frente do MEC, uma série de transformações no ensino superior brasileiro. Todas elas guardando um sentido comum: fortaleceram o ensino privado e enfraqueceram o ensino público.

O desmonte da universidade pública seguia a passos largos com a redução dos investimentos estatais e a privatização interna, através de mecanismos como as fundações privadas de “apoio”. Ao mesmo tempo, a expansão do ensino privado é incentivada e facilitada pelo Conselho Nacional de Educação, que abandona sua função reguladora para ser conivente com os interesses privados na educação do país.

São tempos difíceis para a universidade pública. Da parte do movimento estudantil é exigida muita resistência e luta contra esse modelo, a exemplo das greves nacionais de 1998 e 2001 e o Boicote ao Provão. A unidade do movimento de educação também estaria presente na importante ação do Fórum em Defesa da Escola Pública e na formulação do Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, no ano de 1997.

Novos desafios
"Ou os estudantes se identificam com o destino de seu povo, com ele sofrendo a mesma luta, ou se dissociam do seu povo, e nesse caso serão aliados daqueles que exploram o povo”.
(Florestan Fernandes)
A primeira eleição de Lula em 2002 representou, entre os setores sociais comprometidos com a luta pela universidade pública, um claro desejo por uma reversão do processo de desmonte da universidade brasileira. O momento que se anunciava parecia propício para uma discussão de fôlego acerca dos rumos do ensino superior no país, que pudesse culminar com transformações profundas, no sentido do fortalecimento do caráter público da universidade brasileira, de sua democratização e da ampliação de sua capacidade de produzir conhecimento de forma autônoma.

As primeiras iniciativas tomadas pelo governo no âmbito da educação superior, contudo, não apontaram no mesmo sentido das bandeiras históricas do movimento. Embora a idéia de uma reforma universitária tenha pautado desde o início as ações do governo, as propostas então elaboradas foram contaminadas pelo conservadorismo da política econômica adotada, sobretudo nos primeiros anos daquele mandato, que implicava em um entrave para a expansão das universidades públicas em função dos poucos recursos destinados aos investimentos públicos.
Frente a essa realidade, as divergências em torno da política educacional do governo federal - que são legítimas e mesmo necessárias - acabaram dando lugar a uma profunda divisão e dispersão do movimento de educação. No primeiro mandato de Lula, prevaleceu em amplos setores uma intervenção pautada quase que exclusivamente pelo imediatismo em responder às ações governamentais, ainda que contra ou a favor.
O aprendizado que trouxe o debate sobre a Reforma Universitária foi significativo. A divisão e ausência de uma proposta consolidada do movimento de educação, bem como a falta de grandes mobilizações impediram uma intervenção debatesse e mobilizasse a sociedade brasileira em torno de nossas propostas, de nossa Universidade, aberta e voltada aos interesses populares.
Depois disso, o PL 7200 teve sua tramitação estacionada e não é mais o centro do debate educacional do país. Quem ainda hoje se articula em Frentes ou Comitês “contra a Reforma Universitária” está perdendo a verdadeira disputa de projetos de educação em curso.
Com as eleições de 2006 e a polarização política entre as candidaturas de Lula e Alckmin, foram abertas novas possibilidades para afirmação de um projeto democrático e popular para o país. É fato que o Governo Lula, em que pese os limites, exibe avanços consideráveis no campo da educação pública, em especial com a expansão das instituições federais e a inclusão de setores populares no ensino superior. Ao mesmo tempo é justo considerar que a estratégia de conciliação com a hegemonia do ensino privado ainda continua presidindo as ações do governo federal.
Para superarmos esses limites a União Nacional dos Estudantes chega ao 12º CONEB com uma tarefa desafiadora: iniciar um processo de retomada das lutas e debates em torno do projeto de universidade do movimento estudantil.
Para tanto, o resgate do acúmulo histórico do movimento de educação é fundamental. Uma iniciativa que deve sistematizar o conjunto das reivindicações e formulações do movimento estudantil e ser capaz de impulsionar a luta por uma Universidade Democrática e Popular.
Outro desafio reside na retomada do caráter mobilizador e militante do movimento estudantil. Sem luta política e gente na rua, nosso programa não irá além de um mero conjunto de intenções. É imprescindível o amplo envolvimento da rede do movimento estudantil numa grande campanha, que agregue mobilizações, seminários, comitês, plenárias, aulas públicas em torno do projeto de reforma universitária da UNE.
Essa luta por mudanças estruturais na educação e na universidade deve ser parte de um programa maior de reformas democrático-populares, de corte antimonopolista, antilatifundiário, anti-imperialista e antineoliberal.
Neste processo devemos ter clareza de que tanto a elaboração quanto a luta por uma reforma estrutural da universidade brasileira deve necessariamente, envolver as classes trabalhadoras e os demais movimentos sociais. Assim indicaremos de maneira inquestionável que a luta por uma universidade democrática e popular é uma luta que tem sua legitimidade construída nos interesses da ampla maioria da sociedade.
O debate desencadeado pela UNE deve ser capaz de articular nossas bandeiras imediatas, o exame crítico das políticas educacionais vigentes e as diretrizes sob os quais estruturaremos o nosso programa, que pode partir de oito eixos iniciais: 1) Autonomia; 2) Gestão Democrática; 3) Revolução Pedagógica; 4) Financiamento; 5) Democratização do Acesso e Permanência, 6) Regulamentação do Ensino Pago, 7) Extensão e 8) Pesquisa.
Autonomia

A idéia de autonomia é indissociável da própria idéia de universidade, estando presente desde as primeiras resistências da universidade a tutela da Igreja e do Estado na Idade Média. O exercício desta autonomia, no entanto, não deve ser confundido como independência ou isolamento da sociedade. Ao contrário, a autonomia da universidade é condição fundamental para que sua função social não seja tolhida por interesses a ela alheios ou externos.

Historicamente, a universidade conviveu com um maior ou menor grau de autonomia, a depender da relação estabelecida com a ordem dominante. Sempre que abrigou idéias, movimentos ou iniciativas que feriam esses interesses, seu “autogoverno” era o primeiro a ser atingido, seus campi invadidos, professores e estudantes expulsos ou perseguidos.

Prevista pelo artigo 207 da Constituição Federal, a autonomia das universidades deve compreender a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Além disso, seu exercício deve estar vinculado ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

A autonomia didático-científica deve conferir à universidade a responsabilidade de estabelecer seus próprios instrumentos de produção e difusão do conhecimento, debatendo de forma democrática os currículos, métodos de ensino e investigação científica que melhor dialoguem com as demandas da comunidade e a pluralidade de visões presentes na sociedade.

Neste sentido, a produção científica e cultural da instituição deve levar em conta sua relevância social, não podendo ser determinada ou apropriada privadamente por interesses empresariais associados a pequenos grupos da burocracia universitária.

A Universidade Brasileira é ainda marcada por um rígido modelo de organização: centralizado, hierarquizado, pouco transparente e fechada à participação democrática. A autonomia administrativa deve garantir a possibilidade da universidade de estabelecer sua própria organização interna, suas formas de co-governo, suas instâncias, gestão, estatutos e regimentos.

A autonomia de gestão financeira e patrimonial, por sua vez, é fundamental para o exercício das atividades da Universidade. Nas universidades públicas ela não deve ser confundida como uma forma de transmitir à universidade a responsabilidade do seu próprio financiamento nem deve ficar refém de chantagens ou ingerências políticas. Deve estar sustentada em uma política estável de financiamento público, garantindo à instituição mobilidade na discussão democrática acerca das suas prioridades de investimento, através de instrumentos como orçamentos participativos, e na aplicação destes mesmos recursos.

Neste aspecto, é merecedora de atenção a situação das universidades estaduais. A fragilidade institucional de muitas dessas universidades, desde sua normatização e fiscalização pelos conselhos estaduais de educação até a subordinação política aos governos estaduais explica a grave crise que passam muitas dessas instituições. A vinculação orçamentária das verbas para a sua manutenção é condição fundamental para que não sejam transformadas em “feudos políticos” regionais.

Para o exercício pleno desta autonomia, a UNE deve reiterar sua posição pelo fim das fundações privadas nas universidades públicas brasileiras. Instrumentos privilegiados de captação de recursos privados, as ditas fundações de apoio ferem de maneira aberta a autonomia da Universidade, sobrepondo interesses privados a produção do conhecimento e criando um terreno fértil para práticas de corrupção e mau uso dos recursos públicos.

Nas universidades pagas, a discussão da autonomia também assume contornos preocupantes. Na ausência de uma verdadeira regulamentação do ensino privado por parte do poder público, a autonomia nestas instituições é vista como oportunidade de aprofundar ainda mais a expansão desregulada de cursos, com baixa qualidade. Acentua ainda essa situação o fato de que não raro é na mantenedora que reside de fato o controle sobre os rumos das universidades pagas, limitando ainda mais a discussão democrática e a participação de todos os setores da comunidade acadêmica e da sociedade.


Gestão Democrática

A orientação e a forma de organizar a universidade tendem, em última instância, a refletir as estruturas e relações de poder da própria sociedade. Nascida para as elites, a universidade continua refém de um modelo avesso à participação da comunidade acadêmica e da sociedade na tomada de suas decisões. Assim, a democratização das universidades é condição fundamental para o exercício pleno de sua autonomia e a livre produção do saber.

A questão democrática nas universidades é presença constante nas lutas estudantis desde a reivindicação do Co-Governo pelos estudantes revoltosos de Córdoba, em 1918 e adquiriu força no Brasil em lutas da UNE como a greve do 1/3, nos anos sessenta. Sua atualidade, mesmo depois de tantos anos, revela seu caráter estrutural na reforma da universidade brasileira.

As universidades brasileiras devem incorporar mecanismos de participação democrática na discussão sobre seus rumos. A participação dos segmentos da comunidade universitária deve ser garantida em todos os órgãos colegiados da instituição, com garantia de paridade real entre estudantes, professores e técnico-administrativos. Nessas instâncias também deve ser incorporada a participação de movimentos sociais e demais organizações da sociedade, em diálogo com as demandas populares.

Ademais, instrumentos de elaboração coletiva dos planos político-pedagógicos, avaliação e orçamentos participativos devem ser instituídos com a finalidade de democratizar o debate acerca do planejamento e desenvolvimento da universidade.

No plano da escolha dos dirigentes das universidades, devem ser garantidas eleições diretas, secretas e, no mínimo paritárias, em todos os níveis de direção. A homologação da escolha desses dirigentes deve ser dada no âmbito da própria instituição, não devendo ser submetida a listas tríplices para a decisão do Poder Executivo.

Na defesa da paridade dois argumentos devem ser igualmente enfrentados. O primeiro, que afirma que essa luta histórica é ilegal, desconhece a existência desse instrumento em várias instituições e a garantia de autonomia dada pela Constituição à universidade. O segundo, de que os estudantes “estão de passagem pela universidade” - não estando aptos para participarem das decisões – ignora que os estudantes não são indivíduos e sim uma identidade que permanece ao logo das gerações que, com suas demandas, pautas e reivindicações, sempre estiveram “aptos” na transformação da universidade.

Nas instituições pagas, essa realidade é ainda mais grave, uma vez que a perseguição aos militantes estudantis e sindicais, a falta de transparência com as planilhas de custo e investimento e ausência de espaços democráticos de participação e decisão são elementos que orientam uma concepção de educação pautada pelos interesses imediatos da lucratividade.

A atual estrutura antidemocrática das universidades é lastreada em um marco legal conservador construído ao longo das últimas décadas, seja na contra-reforma dos militares ou na legislação do governo FHC. Esta constatação exige uma ação dos movimentos de educação pela revogação do entulho legal autoritário e pela democratização, em última instância, da própria condução e elaboração da política nacional de educação superior.

Neste aspecto, os órgãos de deliberação e regulação do ensino superior também devem ser radicalmente democratizados. Os movimentos de educação devem ter sua participação ampliada nos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Educação. A realização de Conferências, em todos os níveis, é outra medida visando o envolvimento democrático da sociedade na construção um Sistema Nacional de Educação para o país.

Portanto, a universidade não pode continuar abrigando os interesses menores de uma pequena burocracia universitária que fica encastelada em uma “torre de marfim” e privilégios. Transformar essa realidade obrigará uma profunda reestruturação das universidades. Para tanto, o esforço do movimento estudantil também deve se orientar pela realização de Congressos Estatuintes Paritários, visando uma profunda democratização das estruturas das instituições.


Revolução Pedagógica

Uma verdadeira reforma da universidade não deve alcançar somente as estruturas físicas da instituição. É preciso também uma verdadeira revolução na transmissão e democratização do conhecimento nela produzido e na sua organização acadêmica. Uma Universidade Democrática e Popular deve compreender outro modelo pedagógico, baseado na participação, no diálogo e na construção do conhecimento, principalmente, a partir de objetivos traçados de forma coletiva e valorizando os “saberes” e demandas populares.

O atual modelo pedagógico é pautado numa concepção que vê no estudante um "depósito" de informações acabadas do professor. Assim, o repasse deste “estoque” é priorizado ao invés da compreensão de que tanto professores quanto estudantes são sujeitos de conhecimento, ambos se educando mutuamente.

A verdade é que os estudantes não toleram mais a velha forma de ensinar/aprender reproduzida em nossas escolas e universidades. As grandes expectativas que temos ao entrar na universidade em relação a outros espaços de aprendizagem são logo frustradas pelo velho modelo de professor (a) falando e escrevendo e estudante ouvindo e copiando.

Não é possível suportar mais a enganação de estudantes que fingem aprender e professores que fingem ensinar. Muitas vezes os estudantes preferem estudar em casa, em outro local da universidade ou procurar alternativas, pois não encontram respostas e ânimo para permanecer na sala de aula.

O abandono dos estudos e a repetência são, em muitos momentos, sintomas da insatisfação dos jovens em relação à universidade, que não consegue dialogar com a sua realidade ou com aquilo que pretendem ser. Métodos obsoletos de ensino-aprendizagem, avaliações orientadas para a memorização e a própria relação hierárquica que é estabelecida entre estudante e professor explicam porque, em grande medida, “não somos nós que matamos aula, é a aula que nos mata”.

Com a crescente mercantilização da educação a situação ainda se grava. A universidade reduz ainda mais o seu espaço de formação “para a vida” e para o exercício da cidadania para se tornar um recinto formador de “recursos humanos” para o mercado. É desta forma que a incorporação de conceitos e métodos pedagógicos importados da lógica empresarial, como “produtividade”, “eficiência”, “racionalidade” e “qualidade total” estão a serviço de grandes interesses econômicos e alinhada a um processo adestrador de aprendizagem.

Transformar essa realidade exige a abertura de um amplo debate nacional sobre o projeto político-pedagógico das universidades brasileiras, com ampla participação popular e incentivando a criação de espaços democráticos nas universidades que estimulem a adoção de métodos didáticos e pedagógicos alternativos. Esse processo deve partir de uma compreensão mais ampla de educação, que não seja restrita as instituições escolares e deve incorporar práticas educativas que dialoguem com as experiências da Educação Popular.

No campo da reestruturação acadêmica e curricular devemos repensar o atual modelo de organização universitária e a necessária extinção dos departamentos. A partir da reforma universitária de 1968 o departamento se torna a unidade elementar da organização universitária. Seu surgimento busca superar a organização por cátedra (ou cadeira), centrada na figura do professor catedrático, que reunia amplos poderes sobre a vida universitária.

Os departamentos, no entanto, se tornaram redutos privilegiados do corporativismo acadêmico e reproduzem uma organização segmentada da universidade. Esta distorção também é percebida na própria estrutura física das instituições, em que os seus blocos, centros, faculdades e institutos são marcados pela falta de comunicação, isolando os estudantes e não permitindo o contato destes com os demais campos do saber da universidade. Em substituição a estrutura departamental, é preciso constituir estruturas acadêmicas permeáveis à participação democrática da comunidade e à interdisciplinaridade.

Nos currículos, fica patente a necessidade que tem a universidade em incorporar a diversidade social e cultural dos educandos e da comunidade. Uma diversidade não encontrada nos atuais currículos eurocêntricos, sexistas e heteronormativos das nossas universidades. Outra reivindicação relevante é que a valorização das atividades extra-sala de aula seja incorporada no processo de formação acadêmica.


Financiamento

O financiamento é questão chave para a compreensão dos dilemas da universidade brasileira. Sempre que a política educacional do país é orientada pela desresponsabilização do Estado, o financiamento da educação superior pública diminui de maneira considerável. Em contrapartida, vultosos recursos públicos são direcionados para o fomento da expansão das universidades privadas no país.

A ampliação do financiamento público para as IES públicas é essencial para o exercício das atividades universitárias. Sua ausência é sentida no sucateamento dos laboratórios, do acervo precário de nossas bibliotecas e da estrutura de nossas salas de aula. Sem um aporte conseqüente de recursos públicos, ampliando as verbas de custeio e investimento, não é possível atender a reivindicada expansão com qualidade das vagas públicas.

O financiamento da universidade pública é um dever do Estado e não deve se amparar em nenhum instrumento privatizante como cobrança de taxas, matrículas ou captação via fundações privadas “de apoio”. Estas últimas, inclusive, se apóiam na universidade e não o contrário: suas “prestações de serviços” aproveitam a estrutura e o conhecimento produzido na universidade para fins privados, causando prejuízos dos mais variados à instituição.

A constituição de mecanismos de financiamento público permanente torna a universidade menos vulnerável às ingerências externas que busquem limitar sua autonomia ou o exercício de suas atividades. Para tanto, devemos continuar perseguindo um aumento vigoroso do financiamento público para as universidades. O fim da DRU (Desvinculação das Receitas da União) na Educação, a derrubada do vetos de FHC ao Plano Nacional de Educação, elevando os investimento em educação para 7% do PIB, são exigências imediatas.


Democratização do Acesso e Permanência

A democratização do acesso sempre foi um dos temas de maior apelo na sociedade quando falamos de educação superior. Sua importância está relacionada ao fato de que a universidade também reproduz a situação de exclusão educacional que atinge amplos setores da nossa população.

O Brasil registra um dos índices mais baixos de acesso ao ensino superior na América Latina, concentrando pouco mais de 12% dos jovens de 18 a 24 anos. Destes, 74,1% estão matriculados em instituições privadas e 24,9% nas públicas (INEP, 2007).

Este cenário revela a orientação dominante das políticas educacionais do país que frente a forte demanda por ensino superior, privilegiou um modelo de expansão centrado no ensino privado, transformando a Universidade em um privilégio de quem pode pagar.

Reforçando esse quadro de exclusão, os governos neoliberais de 1990 e seus associados do Banco Mundial venderam durante muitos anos a falsa idéia de que o centro do problema era a Universidade Pública e seu suposto caráter elitista.

É notório que a Universidade Pública também foi afetada pelo processo de alijamento dos setores populares do ensino superior, particularmente em alguns cursos mais visados (Medicina, Direito, Engenharia, Arquitetura, etc). Contudo, para a grande maioria dos estudantes oriundos da escola pública e de baixa renda, ainda é na Universidade Pública que é encontrada a oportunidade de ingresso em um curso superior.

O que os neoliberais buscavam, no entanto, não era resolver o "problema" do acesso a educação superior, mas construir a legitimidade na sociedade para uma grande ofensiva sobre a Universidade Pública, pavimentando o caminho para a expansão do ensino privado no país. Longe de trazer a democratização do acesso, esse avanço mercantil sobre a educação brasileira acentuou ainda mais o não atendimento à grande demanda da juventude brasileira por ensino superior.

Para superar essa condição defendemos a universalização e o livre acesso à educação pública em todos os níveis. Contudo, como esse é um objetivo de longo prazo, devemos defender a imediata expansão da rede pública e a adoção de políticas de ação afirmativa que, articuladas com políticas de melhorias da educação básica, beneficiem os setores historicamente excluídos da universidade, alterando assim sua composição social e fazendo da educação superior um instrumento de combate às desigualdades.

Afinal, são poucos os que chegam à universidade. Em uma trajetória de idas e vindas, tudo começa ainda fora de seus muros. Nas universidades públicas, referência de qualidade social em relação às demais, acessam com maior facilidade aqueles que têm condições de pagar por ensino médio e cursinhos de pré-vestibular privados.

A disputa é dura. O instrumento de seleção – o vestibular - é emburrecedor; do ponto de vista pedagógico privilegia a memorização do conhecimento e não sua reflexão crítica e o contexto social na qual ele está inserido. Além disso, o vestibular se tornou um negócio lucrativo para os donos de mega-cursinhos privados e para as empresas que elaboram as provas.

Aos setores populares são apresentadas alternativas em cursinhos de pré-vestibular populares que são importantes, mas com resultados ainda modestos, dadas as dificuldades estruturais. Como se ainda não bastasse, muitos estudantes ainda são constrangidos por instrumentos do tipo “atestado de pobreza” para ter isenção na inscrição ao vestibular.

Num cenário como esse, as políticas afirmativas são iniciativas transitórias, mas bem vindas. Os que se erguem contra a adoção de cotas ou reserva de vagas para o acesso a universidade se escoram no velho e batido argumento do mérito, da meritocracia. Para estes, a entrada de setores populares diminuiria a qualidade acadêmica da universidade. A pertinência do argumento cai por terra, no entanto, quando avaliamos o bom desempenho acadêmico dos estudantes ingressos por essas medidas.

Nossa luta deve ter como norte a universalização da educação pública e de qualidade, que só pode ser efetivamente oferecida pelas instituições que não estão submetidas à lógica do mercado. Em outras palavras, não podemos privilegiar a ampliação do acesso a universidade pelo ensino privado como resposta a grande demanda por vagas no ensino superior.

A expansão do ensino privado nunca foi acompanhada da elevação da qualidade das nossas universidades. A criação de unidades, cursos e centros universitários se orientam tão somente pelo horizonte empresarial, destinando ao mercado a escolha do lugar mais atrativo para atender novos “clientes”.

Democratizar o acesso a universidade pública é lutar para que os estudantes não continuem contabilizados enquanto números na expansão dos lucros de um dos setores empresariais que mais cresce no país.


Assistência estudantil

Para além das grandes dificuldades de entrar na Universidade, uma parcela significativa dos estudantes brasileiros enfrenta uma dificuldade ainda maior: permanecer estudando.

As próprias políticas de ação afirmativa, quando não articuladas com políticas de assistência social ao estudante, são inviabilizadas, uma vez que não há garantias de que os setores populares possam permanecer na Universidade e tenham condições iguais de aprendizado em relação aos demais estudantes.

A existência de políticas articuladas de assistência estudantil em termos de programas de moradia, creches, transporte, alimentação, saúde, esporte e cultura devem reduzir as desigualdades socioeconômicas e culturais presentes no ambiente universitário, e também possibilitar uma formação plena ao estudante.

Assim, faz-se necessário uma concepção avançada de Assistência Estudantil, em que esta esteja articulada ao processo educativo, indissociada do tripé ensino, pesquisa e extensão e inserida na práxis universitária. Neste sentido, o estudante beneficiado não deve ser confundido com mão de obra barata nas universidades ou como instrumento de precarização do trabalho nas instituições de ensino.

Consideramos ainda que, comprovadamente, as políticas de assistência ao estudante além de combaterem a evasão e a desistência, proporcionam um melhor rendimento acadêmico aos estudantes beneficiados.

Desde 1997, quando o governo FHC suprimiu os recursos destinados à Assistência Estudantil - então considerada um "gasto" desnecessário ao funcionamento da universidade - esta tem se tornado uma importante bandeira de mobilização da UNE, impulsionando muitas lutas pelo Brasil. Atualmente, a manutenção, mesmo que debilitada, de alguns desses programas nas universidades se deve em grande parte a essa combativa ação do movimento estudantil.

Nas Universidades Privadas, onde essa realidade é ainda agravada pelos aumentos abusivos das mensalidades, as políticas de permanência devem estar articuladas a um novo modelo de crédito educativo e financiadas pela taxação dos lucros das instituições e pela regulamentação da filantropia, convertida em bolsas para estudantes de baixa renda.

A destinação de recursos públicos específicos para a manutenção das políticas de assistência estudantil é condição fundamental para a construção de um perfil democrático e popular para a Universidade Brasileira. Para tanto, os investimentos disponibilizados devem ser orientados por uma concepção universalizante de política pública que afaste qualquer viés assistencialista na sua implementação.

Outro pressuposto fundamental é que tanto a aplicação das verbas destinadas a assistência estudantil quanto sua fiscalização sejam acompanhadas pelo movimento estudantil em conselhos democráticos dentro da instituição.

Ademais, é preciso fortalecer institucionalmente as ações e políticas de permanência, com a criação de órgãos específicos como Pró-Reitorias de Assistência Estudantil, responsáveis pela execução de Planos de Assistência Estudantil debatidos amplamente em cada universidade.


Regulamentação do Ensino Privado

Compreender a educação superior no país passa, necessariamente, por discutir a profunda mercantilização a qual a mesma está submetida. A hegemonia do privado sobre o público na Universidade Brasileira se manifesta em diversos aspectos. Na abertura indiscriminada dos cursos, na apropriação comercial do conhecimento produzido, nos métodos pedagógicos alienantes, na proliferação de taxas e cursos pagos, na cobrança abusiva de mensalidades e em tantos outros momentos em que o caráter público do direito à educação passa ao largo de nossa realidade.

A mercantilizacão da educação atinge níveis de extrema gravidade. Os rumos da educação brasileira estão sendo cada vez mais definidos nas bolsas de valores e no comércio de serviços internacional. A relevância social e o compromisso com o desenvolvimento do país têm dado lugar ao conhecido vocabulário do mercado financeiro.

Entre fusões e ações colocadas no mercado, a educação superior tem ficado refém de uma notável desnacionalização, conforme atestam as recorrentes aquisições de instituições brasileiras por grandes corporações internacionais. Num cenário como esse não há margem para duvidas: a restrição total a entrada do capital estrangeiro na educação superior do país é uma luta prioritária da UNE e do movimento estudantil.

Em outras palavras, a educação superior privada é um “negócio” que tem dado dinheiro no Brasil. Apoiada na influência do setor privado nos órgãos reguladores do executivo e no poder legislativo, sua ampliação tem sido conduzida sem compromisso com a qualidade social e a garantia do tripé ensino, pesquisa e extensão. A própria estrutura de muitas instituições – que não raro se aproximam com um colégio ampliado de terceiro grau ou shopping center - reflete a massificação do acesso em curso.

Outra questão diz respeito à fragmentação dos cursos e das instituições que faz com que proliferem cursos tecnólogos, à distancia, on-line e afins sem nenhum tipo de critério acadêmico. Ademais as altas mensalidades impostas aos estudantes, a punição aos inadimplentes e a falta de transparência com as planilhas atualizam a luta pela regulamentação desta modalidade de ensino.

Mudar essa realidade exigirá muita mobilização por parte do movimento estudantil. Outro esforço deve caminhar no sentido de ampliar a compreensão do ME sobre o funcionamento do ensino privado, cada vez mais complexo e lastreado em diversas instituições (com fins lucrativos, (p)filantrópicas, confessionais, comunitárias, etc).

Retomar experiências exitosas como a campanha contra a mercantilização da educação deve incidir duramente na luta pela regulamentação do ensino privado e contra a omissão criminosa dos sucessivos governos com a hegemonia do ensino privado no país.


Extensão

A base de sustentação das Instituições de Ensino Superior está alicerçada no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão previsto por nossa Constituição. Sem esse tripé, não há formação completa do processo educativo.

A extensão universitária no Brasil teve início na metade do século XX, quando foi imposta a necessidade de difundir os pacotes tecnológicos importados através do desenvolvimento e expansão da indústria pós-segunda guerra mundial. Neste contexto, a chamada "revolução verde" viu na extensão rural, que foi a primeira experiência extensionista no país, um meio de "estender" às comunidades rurais a tecnologia em questão.

As universidades, institutos e órgão técnicos públicos foram os aparatos onde tais ações foram aplicadas através de um forte investimento público. Sendo assim, a extensão universitária consolidou-se como um processo de intervenção em uma determinada realidade e situação, onde era aplicada uma "formula mágica do saber científico" sem levar em conta o contexto sócio-político-cultural, alterando completamente a realidade em questão e tornando-a dependente dessas tecnologias ali incorporadas.

Contudo, mesmo que majoritariamente as premissas tenham sido mantidas em relação à concepção de extensão, desenvolveram-se ao longo do tempo outras linhas teóricas que defendem um processo de "comunicação" (muito difundido por Paulo Freire) entre Universidade – Sociedade. Ou seja, a produção do conhecimento a partir da cultura local, do saber popular e das condições do meio, sempre buscando garantir a autonomia em relação às tecnologias implementadas, inclusive valorizando as tecnologias alternativas oriundas do empirismo.

A presença de distintas concepções de extensão universitária está intimamente ligada à disputa de concepção da própria universidade. Para a construção de uma Universidade Democrática e Popular é necessário que a UNE estimule a realização de projetos de extensão que não tenham como proposta político-pedagógica a imposição assistencialista do "saber universitário" na comunidade, mas sim, a troca e construção entre o saber popular e o saber científico de alternativas que possam melhorar a vida de um povo sem torná-los dependentes, mas sim libertá-los cada vez mais.

Uma extensão popular que esteja engajada na transformação da sociedade e permita aos estudantes participarem de experiências que questionem o atual modelo de Universidade.

Há no Movimento Estudantil experiências de projetos de extensão, como Estágios Interdisciplinares de Vivência e Assessorias Jurídicas Populares, que possibilitam a construção de uma concepção emancipadora de extensão nas universidades e que tem como premissa a articulação com os Movimentos Sociais. Estas iniciativas devem ser incorporadas nos currículos dos cursos e incentivadas com um conseqüente investimento público.


Pesquisa

A universidade, enquanto espaço de produção e difusão da produção de novos conhecimentos, tem na Pesquisa uma de suas características diferenciadoras em relação às demais instituições educacionais. Sua importância está intimamente ligada ao fato de que um elevado desenvolvimento científico é condição necessária para o pleno desenvolvimento do país.

A velha crença de uma ciência neutra, ensimesmada nos seus próprios pilares, não encontra espaço nas lutas do movimento estudantil. A construção de uma Universidade Democrático e Popular exige uma pesquisa engajada na solução dos grandes problemas nacionais.

No Brasil, apesar das tentativas de desmonte, a universidade pública concentra mais de 90% da produção científica nacional. Esses números, contudo, escondem a difícil realidade da pesquisa nas universidades. Como se não bastasse o sucateamento dos instrumentos, laboratórios e as insuficientes bolsas de pesquisa, encontramos ainda na universidade um processo de mercantilização da produção científica de grandes proporções.

A ação das fundações privadas, por exemplo, acentua tal processo de apropriação privada do conhecimento da universidade pública, sobrepondo interesses empresariais e direcionando a orientação das pesquisas realizadas. Assim, a necessária ampliação do investimento público para a pesquisa deve estar associada ao fim das fundações privadas de apoio e a mecanismos transparentes de investimento no setor.


MOVIMENTO ESTUDANTIL

O movimento estudantil (ME) é marcado por uma extrema dificuldade de pensar sobre sua própria práxis, seu “fazer movimento” e a transmissão de sua cultura de organização. A necessidade de uma reorganização e reflexão mais profunda sobre os rumos do ME é ainda maior quando levamos em conta o momento atual, marcado por uma profunda ausência de orientação estratégica para a UNE e para as demais entidades e coletivos estudantis.

Consideramos que o ME precisa repensar sobre si mesmo, questionar sua situação atual e se debruçar sobre problemas originados nas últimas décadas que não foram debatidos pelos estudantes com profundidade, a exemplo das transformações ocorridas no ensino superior e na condição e situação dos jovens e estudantes. Tais mudanças, ocorridas nas condições objetivas e subjetivas da luta estudantil, impactam de maneira contundente sua base social e por extensão, deve estimular uma atualização do debate político e organizativo do ME.

A realização de um CONEB da UNE é sempre uma oportunidade de ampliarmos este debate na base do movimento, envolvendo mais entidades e mais estudantes.

Nesta pré-tese não pretendemos apresentar fórmulas prontas ou respostas acabadas para os problemas e dilemas do movimento estudantil. Esta é uma tarefa coletiva de todos e todas que construímos esse movimento. Da nossa parte, queremos estimular mais perguntas, compartilhadas no calor da luta social, na busca de uma retomada do movimento estudantil e contribuindo para que aumentem as lutas dos movimentos sociais e dos trabalhadores.

O Movimento Estudantil como Movimento Social

Para começo de conversa, precisamos situar o movimento estudantil como um movimento social. Um movimento social com métodos, linguagem, história, pautas e formas de organização próprias.

Parece óbvio, mas reconhecer esta condição significa afirmar que o ME tem uma base social determinada – os estudantes - que experimenta condições semelhantes em um dado local de presença e vivência, originando demandas específicas e comuns.

No lócus de atuação do ME – a escola e a universidade – são percebidas as tensões e contradições presentes na sociedade. É a partir das lutas locais e imediatas, que os estudantes se engajam nas lutas e pautas mais gerais. De igual maneira, a disputa de hegemonia travada na universidade é parte da disputa mais geral travada na sociedade.
Assim, o ME é mais do que um “celeiro de quadros” ou braço estudantil de outros movimentos sociais. Também não nos serve uma mera transposição de métodos organizativos de outros movimentos para o movimento estudantil.

Portanto, para não cairmos nas avaliações simplistas ou vanguardistas, é fundamental que reflitamos sobre algumas das características que marcam a ação do movimento estudantil. Desta maneira, estaremos em melhores condições de realizar um diagnóstico atual sobre a UNE e o ME brasileiro e propor alternativas para ampliação da sua referência entre os estudantes.

Em uma sociedade marcada pela luta entre as classes sociais, faz-se necessário o registro que os estudantes constituem uma categoria e não uma classe social. A base social do movimento estudantil, não tem uma origem (e uma formação) de classe e é constituída por pessoas de diversas classes e origens sociais, ou seja, é policlassista. Compreender tal diversidade e contradições é uma exigência presente nas pautas e nos métodos de organização do ME.

Esta condição não impede – pelo contrário – que frente à luta de classes, os estudantes tomem lado e partido pela luta dos trabalhadores. É por isso que, apesar de assumirmos o caráter policlassista do movimento, acreditamos que a direção das entidades deve ter lado e posição política. Contudo, compreendemos um equívoco achar que as entidades estudantis possam ser socialistas. Isso, na verdade, revela uma confusão entre o papel do movimento e do partido, além de não considerar a constituição social da base do próprio movimento.

Além da base social policlassista, há outra particularidade inerente ao movimento estudantil: a presença dos estudantes no ME é marcada por uma transitoriedade muito mais rápida que os demais movimentos sociais. Enquanto a transição em alguns movimentos pode durar décadas ou até mesmo toda a vida de um militante ou uma geração, no movimento estudantil o ciclo de transição de um grupo de militantes se encerra em não mais que quatro ou cinco anos, em sintonia com a sua permanência na universidade.

Essas características explicam parte dos limites que o ME se depara para manter uma trajetória ascendente de mobilizações e presença nas universidades. Caso não tenhamos eficácia em minimizar os danos organizativos e políticos que a rápida transitoriedade do ME nos impõe, permaneceremos sujeitos ao que a conjuntura determina, ao invés de agir para determiná-la; o movimento permanecerá com dificuldades de acumular experiência coletiva a partir de sua própria trajetória em sua universidade/escola, não aprendendo com sua própria história; estaremos sempre reféns das interrupções entre ciclos intercalados de ascenso e descenso de suas lutas, não conseguindo dar prosseguimento a determinadas reivindicações que podem exigir longos anos de luta e muitas gerações engajadas.

O quadro ganha ainda mais complexidade se considerarmos que, em geral, a grande maioria dos estudantes tem seu primeiro contato com a militância política no próprio movimento estudantil, sendo um espaço introdutório para se viver experiências em participação política; e que os estudantes, por serem jovens na sua maioria, estão em uma fase da vida em que ocorrem as principais definições, principalmente quanto a sua inserção política na sociedade, sendo alvo de uma intensa disputa ideológica, da qual se deve participar de modo ativo.

Neste sentido, algumas idéias e experiências devem ser desenvolvidas pelas entidades locais e gerais para superarmos esse ciclo vicioso do movimento estudantil. Destas, destacamos o planejamento, a recepção dos novos ingressos (calouradas), e as atividades de formação política.

Uma das principais limitações presentes no movimento local (entidades de base e gerais) é o voluntarismo e o espontaneísmo. Tanto um quanto o outro são reflexos da falta de clareza de objetivos, de planejamento e de organização para cumprir o que deve ser realizado. As entidades, por carecerem de metas, ações e planos pré-estabelecidos, agem de acordo com a espontaneidade, geralmente em resposta a alguma situação conjuntural.

Esta projeção das ações futuras também é fundamental para que sejam planejadas as transições geracionais no ME, evitando que os acúmulos individuais e coletivos sejam completamente perdidos quando alguns militantes se formam.

O planejamento serve para evitar que haja dispersão ao longo da gestão de uma entidade, estabelecendo objetivos gerais, um diagnóstico dos limites e possibilidades para a gestão, metas principais, ações a serem desenvolvidas, prioridades, responsáveis e calendário. Um bom planejamento deve levar em conta que: a) as ações têm caráter permanente (programas) ou temporário (projetos); b) deve expor objetivos, metas e alternativas de solução realistas, explícitas e alcançáveis; c) precisa de constante avaliação do processo para garantir que as alternativas de solução possam ser modificadas a tempo, coletivamente, de forma crítica e objetiva; e d) deve ter direcionamento político, uma vez que reflete um tipo de pensamento coletivo de onde se quer chegar.

Como parte de uma ação planejada, as entidades devem também incorporar a avaliação como um momento para verificar os erros e acertos das posições defendidas, tomadas de posição e medidas adotadas em determinada ação. Deve-se almejar que as ações desenvolvidas sejam seguidas por um balanço para gerar acúmulo coletivo de experiências e assimilar o aprendizado mais rapidamente, fazendo com que as ações seguintes sofram as correções necessárias com antecedência.

Previstas pelo planejamento, a recepção dos calouros deve adquirir duas funções. De um lado, combater a reprodução da violência física e simbólica presentes no trote tradicional – que reforça a perpetuação de uma cultura onde existem dominantes e dominados – a partir de métodos de integração e introdução ao ambiente universitário que valorizem o companheirismo e a solidariedade.

De outro, deve servir como momento para apresentar o movimento estudantil, suas entidades e lutas para que os calouros desde cedo se identifiquem com as causas estudantis que estão em curso e tenham uma relação de proximidade e legitimidade com sua entidade representativa. Uma boa calourada deve também despertar entre os ingressantes o interesse em participar do movimento estudantil, ajudando na renovação de quadros.

A formação política, por sua vez, deve servir para unir prática e teoria, ou seja, criar um vínculo entre o que se faz e o que se pensa. É preciso evitar tanto uma teoria que não se pratica, como uma prática que não se teoriza. Ademais, como já dissemos, acreditamos que ação das entidades devem ter um nítido corte ideológico para se posicionar na disputa de projetos de educação e sociedade.

Para que a militância tenha clareza de como se dá esta disputa, quais as posições envolvidas na disputa, o que fundamenta cada uma delas, bem como qual o papel do movimento estudantil, é importante ter contato e formação sobre temas centrais como: a história e concepção do ME, universidade e sociedade, organização das entidades estudantis, gestão democrática, etc. Além de qualificar a intervenção da militância as atividades de formação também é uma ótima porta de entrada para envolver novos estudantes no movimento.

Desafios do movimento estudantil

Os dois últimos anos têm sido de ricos debates sobre a trajetória e a participação do movimento estudantil (ME) na história do país. Enquanto o ano de 2007 assinalou os 70 anos de fundação da União Nacional dos Estudantes, o ano de 2008 foi marcado pela memória das grandes lutas estudantis de 1968.

Neste último, entre reflexões críticas e saudosas lembranças, por vezes se falou sobre as diferenças entre os jovens da “geração de 68” e a geração atual, não raro atribuindo àquela a condição de politizada e participativa e a esta de alienada e desinteressada. Ou ainda a pergunta: como o movimento estudantil, que já protagonizou tantas batalhas históricas, pode hoje ter um papel secundário?

Embora não concordemos com tal tipo de abordagem “comparativa”, podemos a partir dela debater questões sobre as quais o ME tem que se debruçar.

A comparação entre as gerações peca pelo seu “descolamento histórico”, ou seja, parte-se de análises em que as diferentes juventudes (de 1968 e de hoje) são tomadas em abstrato, fora do contexto social, político e cultural em que estavam inseridas.

Mais revelador seria se tomássemos como comparação os diferentes momentos históricos e não as diferentes juventudes. Com essas considerações, compreenderíamos que o momento que vivia a década de 1960 era de intensa polarização política e ideológica e de crescentes lutas sociais, nas quais se inseria o movimento estudantil.

Hoje, no entanto, vivemos um momento histórico de descenso das lutas sociais e de grande influência da ideologia neoliberal, que pregam a primazia da competição sobre a solidariedade e da ação individual sobre a coletiva, num cenário altamente desfavorável para a participação e organização política. Em outras palavras, podemos dizer também que o descenso da participação não decorre tão somente pela vontade ou disposição dos jovens de hoje, mas diz respeito a um fenômeno que tem causas estruturais e atinge toda a sociedade.

Outro desafio diz respeito à nossa compreensão sobre a juventude brasileira e suas formas de organização e participação política. Nos idos dos anos sessenta, o movimento estudantil foi o principal campo de atuação política da juventude, mesmo não representando a maioria da juventude brasileira. Atualmente, em que pese a hegemonia do pensamento conservador, os jovens se organizam, para além do ME, numa rede cada vez mais ampla de organizações juvenis, a exemplo de grupos ou coletivos culturais, ambientalistas, feministas, LGBTs, religiosos, etc.

O ME, portanto, embora seja ainda o movimento juvenil mais organizado do país está longe de ser a única expressão organizada da diversidade da juventude brasileira. Reconhecer isso é fundamental para o diálogo com as demais organizações e movimentos juvenis e a incorporação por parte do ME das pautas que escapam do tema estritamente educacional, já que cada vez mais os anseios e aspirações dos próprios estudantes não se restringem apenas ao meio universitário. Temas como emprego e trabalho ganham mais centralidade em um ambiente de altos índices de precarização e dificultada entrada no mercado de trabalho.

Por fim, devemos compreender os impactos no ME das profundas mudanças ocorridas no ensino superior do país e na composição social da base do movimento estudantil.

Sobre o primeiro aspecto, chama-nos atenção o fato de que o ensino superior na década de sessenta alcançava pouco mais de 100 (cem) mil estudantes de graduação, majoritariamente nas instituições públicas e concentrado em alguns centros urbanos. Quarenta anos depois, dos quase 5 (cinco) milhões de estudantes universitários do país, mais de 70% concentram-se nas instituições privadas de ensino superior, exigindo do movimento estudantil uma maior organização e presença política nestas instituições.

Algumas mudanças ocorridas na universidade pública durante o regime militar também merecem observação do ME. A diluição da identidade estudantil provocada pela fragmentação física e acadêmica das instituições e da adoção de instrumentos como o sistema de créditos, por exemplo, permitiu a dispersão da convivência entre os estudantes, que não estariam necessariamente mais reunidos na mesma turma durante todo o curso.

No que toca a composição social do movimento estudantil fica patente que, frente a grande demanda por ensino superior, a expansão das matrículas ocorrida nos últimos anos atingiu sobretudo os setores médios e populares que viram uma oportunidade de acesso na insuficiente ampliação das vagas públicas ou estão entre os milhares de estudantes que estudam nas universidades pagas.

Ademais, ao atingir esses setores sociais, a universidade também tem abrigado um contingente cada vez maior de estudantes que trabalham e estudam ou trabalham para estudar. As mudanças de pauta e agenda política, como influenciadas pela presença destes setores na universidade devem ser acompanhadas pelo movimento estudantil.

Feitas essas considerações, fica claro o desafio de qualificarmos melhor a intervenção do movimento estudantil nos dias atuais. Se a sociedade mudou, a universidade mudou e os estudantes mudaram, porque o movimento estudantil deveria se organizar da mesma maneira? Recolocar o ME e a UNE a frente de grandes lutas no país exigirá um diagnóstico sério sobre essas e outras questões.


A UNE e a luta dos estudantes brasileiros

A fundação da UNE em 1937 serviu para unificar em nível nacional as diversas lutas estudantis que eram até então travadas no país. Até a fundação da entidade, as formas de organização estudantil eram pulverizadas em círculos, sociedades e entidades de diversos recortes, seja acadêmico, cultural, desportivo, político ou regional.

Fruto de uma avaliação acertada de que era necessário um movimento nacionalizado para conseguir ampliar as conquistas dos estudantes, a fundação da UNE é um marco na história das lutas sociais brasileiras.

A existência de uma entidade de representação nacional dos estudantes brasileiros - com diversas correntes políticas representadas em seu interior – destaca-se em relação à organização estudantil de outros países, não raro fragmentada em mais de uma entidade nacional.

Ao longo de sua história, a UNE esteve presente em importantes lutas do povo brasileiro, tanto na defesa de grandes bandeiras nacionais, a exemplo da campanha pelo monopólio do Petróleo (“O Petróleo é nosso”) e das reformas de base, quanto na luta pela democratização do país e pela transformação da universidade.

Esse histórico demonstra nitidamente que a UNE, quando usou de seu grande potencial de mobilização dos estudantes, foi capaz de aliar as pautas mais específicas dos estudantes brasileiros com um projeto de Brasil democrático, justo e soberano.

Essa trajetória, no entanto, não foi construída de maneira linear. Desde sua fundação, a orientação política das direções da UNE alternou entre posições mais ou menos conservadoras e progressistas assim como a relação da UNE com os diferentes governos também oscilaram, ao longo dos anos, entre um maior ou menor grau de autonomia.

Ao longo dos anos 1990, acompanhando a hegemonia neoliberal e o descenso das lutas sociais, a UNE foi perdendo a capacidade de fazer parte da vida cotidiana dos estudantes, afastando-se da sala de aula e perdendo uma relação mais direta e contínua com os CA´s, DA´s e DCE´s das instituições de ensino.

O desconhecimento das ações e mesmo, da própria existência da UNE, é uma realidade atual para uma parte significativa dos estudantes brasileiros. Além dos elementos conjunturais e estruturais já citados, a política dos que hoje dirigem a UNE e são hegemônicos no Movimento Estudantil (União da Juventude Socialista e aliados) também é responsável pela atual situação de nossa entidade nacional.

A UJS não é o “mal” do Movimento Estudantil, isto está claro. Mas sua política, ao priorizar o controle das entidades, antes mesmo da própria organização dos estudantes, não contribui em nada para retomarmos o protagonismo da UNE e do ME na sociedade. Além disso, essa organização é uma das fiadoras de uma cultura política e de organização que dirige a maioria das entidades estudantis e imprime à ação das entidades uma orientação defensiva, institucionalizada, centralizada e distante da realidade de sua base social.

Como explicar que uma organização que já não dirige há vários anos as principais lutas do movimento estudantil ainda mantém seu domínio na União Nacional dos Estudantes e na maioria das entidades estudantis? Reivindicamos de nossa entidade nacional uma ação mais combativa, orientando a ação do ME nas universidades, com maior presença, capilaridade e força social.

Para transformar essa realidade é preciso combinar ações que estejam articuladas em torno da democratização e reorganização da estrutura da entidade, de outros métodos de direção e uma outra política e concepção de movimento estudantil.

Na UNE, contra o divisionismo

Frente a esta situação, setores do movimento estudantil, notadamente o PSTU/Conlute, passaram a defender, ainda nos idos do primeiro mandato do governo Lula, o rompimento com a UNE e a construção de uma nova entidade. Afinal, segundo estes setores, a UNE ”não falaria em nome dos estudantes” e estaria atrelada ao governo federal.

Num primeiro momento, decidiram chamar sua “entidade particular” – a Conlute – como alternativa a UNE. No rastro da pouca adesão a iniciativa, estes setores divisionistas passaram a enxergar em outras Frentes e articulações nacionais do movimento, o primeiro passo da tal nova entidade. Inviabilizada também essa possibilidade, retomam entre seus seguidores a proposta de criação de uma nova entidade e a realização de um Congresso Nacional de Estudantes.

A divisão dos movimentos sociais, além de não solucionar nenhum dos problemas postos hoje para a nossa luta – como o descenso das mobilizações, a hegemonia das idéias moderadas na base social dos movimentos e o “governismo” de certos setores dirigentes – criam alguns problemas adicionais, tais como o enfraquecimento do poder de enfrentamento dos movimentos sociais, o acirramento das disputas internas em prejuízo das lutas contra nossos verdadeiros inimigos e o descrédito que é semeado com relação às entidades representativas.

Acreditamos que essa alternativa é equivocada e divide o movimento estudantil em um momento decisivo. Em primeiro lugar porque reduz a causa do descenso e a crise do ME à situação da UNE e de sua direção. Estes setores não concebem as raízes estruturais da atual crise do ME, que atinge não só a UNE, mas um conjunto importante de entidades de base, DCE’s e UEE’s – muitas das quais dirigidas também por estes setores.

Segundo, esta iniciativa reproduz uma partidarização e um aparelhamento nocivos das entidades estudantis. Durante a década de 60, o caráter do ME foi exaustivamente debatido. Existiam aqueles que defendiam a linha do ME-Partido, no qual somente os militantes de esquerda e socialista eram considerados integrantes do ME. A linha majoritária, com a qual concordamos, considerava que o ME tinha que ser um movimento de massas, em que todos os estudantes podiam fazer parte, propor e construir.

A disputa de hegemonia travada no movimento estudantil por organizações políticas e mesmo partidárias é legítima, mas tirar da entidade seu caráter de “frente única”, de representante de todos os estudantes para transformá-la em aparelho de um grupo político é um erro.

Esse erro fortaleceu ainda mais a atual maioria da UNE, pois diminuiu a crítica às opções por eles adotadas e entrega todo patrimônio da UNE para aqueles que a usam para seus interesses particulares. A UNE não é propriedade de um grupo político, ela pertence a todos estudantes, mas como os estudantes não são iguais e têm opiniões políticas diferentes, é legítimo que se organizem para disputar suas posições coletivamente.

Vamos ocupar a UNE

A atual gestão da UNE, iniciada em 2007, reflete esse momento geral de dispersão do ME e da ação política da UNE.

No debate mais geral, as forças políticas que constroem a UNE acertaram ao assumir a elaboração do projeto de reforma universitária da UNE como prioridade de gestão em relação à educação. Na mesma busca por unidade com outros movimentos sociais, outro acerto foi a construção da Jornada de Lutas em defesa da Educação Pública, em agosto de 2007, e a participação no Plebiscito da Vale, no mesmo semestre.

No debate do REUNI, contudo, a posição da direção majoritária da UNE permaneceu vacilante e conciliatória. A resolução sobre o Programa aprovada na primeira reunião de diretoria por amplos setores da entidade se estruturava a partir de uma crítica acertada sobre a ausência de debates e prazos para aprovação dos projetos enviados ao MEC; reconhecia a expansão da rede federal promovida pelo REUNI como um avanço, mas reivindicava a derrubada dos vetos de FHC ao PNE e apresentava de forma clara sua oposição a diplomação intermediária presente nos Bacharelados Interdisciplinares.

Essa política, combinada com um decidido chamado a mobilização dos estudantes das federais, poderia ter impulsionado lutas em defesa da expansão com qualidade por nós defendida. A postura de alguns setores da UNE, contudo, caminhou em sentido oposto em muitas universidades, num misto de adesão acrítica, omissão, ou organizando “tropas de choque” das reitorias nos conselhos superiores.

No plano interno da entidade, também tivemos idas e vindas. O fato é que a oposição interna e a presença do divisionismo obrigaram no último período a força política majoritária da UNE a incorporar algumas mudanças na gestão, como a valorização formal dos fóruns da entidade e a retomada da periodicidade do CONEB.

Embora importantes, essas mudanças não deram conta de representar um processo concreto de democratização da entidade. Parte delas, inclusive, como o Conselho Fiscal e Editorial da UNE ainda têm que sair do papel. Em linhas gerais, são mudanças extremamente insuficientes para os desafios que a UNE possui no próximo período.

Na verdade, no essencial nada mudou, ou seja, a relação da UNE com o conjunto do ME continua limitada e insuficiente e a linha política e o controle da estrutura da UNE continuam centralizados. Em uma imagem literária, poderíamos fazer referência ao personagem da conhecida obra do autor italiano Lampedusa, “O Leopardo”, que a certa altura diz que é “preciso mudar, para tudo permanecer como está”.

Ao mesmo tempo, ficou evidenciado que apesar de todos os limites, a UNE possui grande potencial de mobilização. Mesmo não assumindo a responsabilidade de pólo organizador da luta estudantil no último período, constatamos a presença política da UNE, manifestada pelas diversas correntes de opinião da entidade, em todas as últimas grandes ocupações e mobilizações estudantis.

Por isso, defendemos que a UNE pode cumprir um papel importantíssimo na defesa do direito à educação pública e gratuita para todos(as), no combate à sua mercantilização e no fortalecimento do movimento estudantil brasileiro. É com essa convicção que participamos, construímos e disputamos seus rumos no dia-a-dia das lutas estudantis.

Defendemos uma outra hegemonia política no movimento estudantil. Uma alternativa capaz de agregar os setores que pautaram historicamente a democratização da UNE, em momentos como a implantação da proporcionalidade na composição de sua diretoria, na construção do Mude (Movimento UNE Democrática), na luta pela realização periódica dos fóruns da UNE como o CONEB e no impulso dado a iniciativas como os Encontros de Mulheres, Negros/as e a criação da Diretoria LGBT da UNE.

Por isso é que devemos reivindicar e disputar a UNE na base, em cada passeata, ocupação de reitoria e luta política na sociedade. Fazer isso é mostrar que o lugar dela é na rua, mobilizada e presente nas lutas estudantis.

Desta disputa, não abriremos mão. Ter essa postura não é se tornar refém da política moderada da maioria da UNE. Ter esta posição é optar pela disputa de opinião e hegemonia de um conjunto maior de estudantes e entidades que têm referência na União Nacional dos Estudantes. Fazer esta movimentação é por em prática, novamente, a postura que os setores combativos do ME tiveram nas greves de 1998 e 2001, no Plebiscito do Provão, na campanha contra a Mercantilização da Educação e em todos os demais momentos que a maioria da UNE se omitiu em construir a luta dos estudantes.


PROGRAMA DE DEMOCRATIZAÇÃO E REORGANIZAÇÃO DA UNE

Neste 12º CONEB, em Salvador, a UNE deve dar uma resposta à falta de representatividade e legitimidade do movimento estudantil, encampando algumas ações prioritárias para contribuir na organização da rede do ME.

Ação organizativa e métodos coletivos de direção

A UNE deve superar o atual distanciamento de sua base social mudando seus instrumentos de diálogo e construção da rede do movimento estudantil.

O papel de articuladora nacional das lutas estudantis exige da UNE uma presença política nas universidades muito superior a que temos hoje. A presença constante dos diretores da UNE, em debates, caravanas e seminários temáticos nas universidades é fundamental. Ademais, é preciso que a UNE assuma postura de fato orientadora das lutas estudantis, qualificando a sua elaboração política e articulando junto aos DCE e aos CA’s e DA’s as lutas impulsionadas pela UNE nas universidades.

A adoção de métodos coletivos de direção política se apresenta como outra condição importante. A ação política da UNE não pode ser privatizada por uma única força política. Por isso defendemos uma organização colegiada da entidade através de Coordenação Geral e demais coordenadorias na diretoria; Grupos de Trabalho para acumular coletivamente e democratizar os espaços de formulação e articulação da entidade.

Outro debate necessário é sobre a atual situação das UEEs (Uniões Estaduais dos Estudantes). Com raras exceções, encontramos nas UEEs uma situação ainda mais burocratizada e desarticulada do que na UNE. Isso quando não convivemos com situações ainda piores como entidades cartoriais transformadas em “máquinas de carteirinha” e congressos “fantasmas”. Essa realidade deve estimular o debate de alternativas e propostas como a transformação das UEE´s em UNE´s estaduais, diminuindo o número de eleições no Movimento, unificando o calendário e fortalecendo as lutas e a própria UNE.


Finanças
A política de finanças da UNE é de longe a mais avessa a participação coletiva da entidade. Centralizada na direção majoritária da UNE, sua condução é feita sem o planejamento e instrumentos democráticos necessários.
A construção de uma política financeira da UNE é fundamental, pois sua dependência de fontes externas de financiamento tende a influenciar na perda da autonomia e dos vínculos com a base social representada. Tanto na obtenção de receitas por emendas parlamentares quanto na emissão de carteiras há o risco de amarrar a entidade a quem garante estes recursos.
Em relação às Carteiras Estudantis, a UNE é extremamente dependente dos empresários que confeccionam as carteiras, fazendo com que isso gere uma mercantilização e o fim do sentido político e representativo que a carteira da entidade deve simbolizar. Além disso, o mais preocupante é que se cria uma rede de troca de favores entre as empresas e a direção da UNE, reproduzindo práticas condenáveis e pouco transparentes com as finanças da entidade.
Propomos o fim do sistema empresarial de confecção e o estabelecimento de um sistema que permita descentralizar o processo de produção, garantindo isso através do "Selo da UNE" e permitindo às demais entidades estudantis a emissão da carteira descentralizada com validade nacional.
Outra medida importante para democratizar a política de finanças da UNE, aprovada no último CONEB, foi a aprovação na atual gestão da UNE do Regimento Nacional de Carteiras. O fato de estabelecer regras mais nítidas sobre o processo de confecção de carteiras é positivo. Exigir que o regimento vire uma realidade é uma tarefa imediata, em que pese a opinião de alguns diretores da entidade de que o mesmo seria “irrealizável”.
Para dar conta dos constantes problemas financeiros vividos pela UNE, faz-se necessário a constituição imediata do Conselho Fiscal da UNE, visando a democratização do planejamento financeiro e a fiscalização da política de finanças da entidade.
Comunicação

A política de comunicação da UNE é outra que reflete seu atual distanciamento da realidade dos estudantes e das universidades. Apesar do esforço de alguns/as diretores/as, ainda impera o método antidemocrático de construção da linha editorial dos poucos meios de comunicação que a entidade possui, tornando-a incapaz de lidar com a diversidade interna de opiniões da UNE. Revelador, neste aspecto, é a proposta de criação do Conselho Editorial da UNE, aprovada no último CONEB, que até hoje não saiu do papel.

É inadmissível que uma entidade como a UNE, com uma base social de milhões de estudantes em todo o país, não disponha de um jornal ou boletim massivo para alcançá-los. Enquanto isso e andando na contramão, a revista Movimento, ilustre desconhecida dos estudantes é elaborada de cima para baixo sem a participação dos próprios diretores da UNE

Além de superar estes graves problemas – os quais apontamos por longos anos – é urgente que a UNE estimule e oriente as entidades estaduais e locais (DCEs, DAs, CAs, grupos organizados) a investir e produzir seus próprios meios de comunicação autônomos. Estes instrumentos devem dar conta de assumir as tarefas de informação, formação, organização e manifestação cultural.

Formação

A UNE deve estimular decididamente a formação política para o movimento estudantil. Superar a constante transitoriedade do ME e fortalecer o vínculo da entidade com sua base social exige propostas de planos de formação política continuada, flexíveis o suficiente para serem adaptados à cada realidade e consistentes o suficiente para buscar uma proposta nacional de formação política.

Para dar conta destas tarefas é urgente a construção da Escola Nacional Honestino Guimarães, para a realização de cursos de formação sobre Universidade, Movimento Estudantil e Sociedade, a formulação de um Plano Nacional de Formação Política, bem como a criação de uma Diretoria de Formação Política da UNE.


AGENDA POLÍTICA DA UNE

O REUNI e a expansão da universidade pública

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) hoje é uma realidade nas universidades federais brasileiras. A adesão das universidades ao programa exige do movimento estudantil uma intervenção que consiga disputar os marcos de qual expansão da universidade queremos.

Apresentado pelo MEC durante o ano de 2007, o REUNI foi acompanhado por um intenso processo de debates e mobilização nas universidades brasileiras. Neste contexto, cabe ressaltar o equívoco do Ministério da Educação de não fortalecer o diálogo com o movimento de educação na formulação do programa e o repúdio à postura de várias reitorias que optaram pela truculência ou pelo esvaziamento dos debates nos conselhos pouco democráticos de nossas universidades.

Em linhas gerais, devemos nos apropriar imediatamente dos debates e e “ocupar” as propostas em curso nas universidades federais. Queremos expansão com qualidade e os recursos do REUNI, mas expandir, por expandir, não é suficiente. Até porque nós já tivemos também projetos conservadores de expansão da rede federal, que não conduziram mudanças estruturais na universidade brasileira.

Devemos ter clareza de que propostas que tenham como centro a flexibilização dos currículos, no sentido de permitir a diplomação intermediária (como é o caso dos bacharelados interdisciplinares), a criação de cursos tecnólogos e a precarização da formação superior devem ser combatidas pelo movimento estudantil. Além disso, devemos lutar para que a qualidade da expansão, a autonomia e o repasse de recursos da Universidade não sejam condicionadas às metas previstas pelo Decreto.

Os projetos têm que ser debatidos de forma democrática nas universidades. É intolerável a prática corrente de Conselhos Universitários a portas fechadas, criando cursos na “calada da noite” ou com policiamento ostensivo e criminalização do movimento estudantil e sindical. Desta maneira, a expansão da universidade pública deve estar calcada, entre outros:
Ao Movimento Estudantil interessa projetos que contemplem suas bandeiras históricas. Com o mesmo afinco que não aceitaremos retrocessos ou atropelos nesse importante debate, não faremos coro com aqueles setores do movimento de educação que, apesar do discurso radicalizado, têm se comportado de fato contra a ampliação da universidade pública brasileira.
Por uma Avaliação de verdade

No final da década de 80, iniciou-se no movimento de educação o debate sobre a construção de uma proposta de avaliação para as Instituições de Ensino Superior. Uma das grandes propostas formuladas foi o PAIUB (Programa de Avaliação das Instituições Universitárias brasileiras).

Essa experiência concretizou-se a partir de em um método de avaliação que levava em consideração as peculiaridades de cada em instituição. Ainda , era composto a partir de uma avaliação interna e externa, as quais visavam identificar os pontos fortes e fracos com intuito de fortalecer o que havia de positivo e melhorar os pontos fracos.

Além disso, a avaliação não era entendida como obrigatória e nem punitiva. A Universidade optava em fazer ou não avaliação, e ao optar em realizar, tinha autonomia para, de acordo com modelo geral, criar um mecanismo avaliativo que melhor se adequasse a realidade da Instituição.

Essa proposta avaliativa das Universidades teve pouco tempo de duração. Permaneceu em vigor durante o mandato do Presidente Itamar Franco. Já em 1994, quando FHC assumiu a presidência um dos seus primeiros atos foi extinguir o PAIUB que ainda estava em processo de consolidação nas Instituições de Ensino Superior.

O Governo FHC criou o PROVÃO. Essa experiência considerava como objeto avaliativo apenas os cursos de graduação e, em especial, os estudantes. Ou seja, era uma avaliação parcial. Junto a isso, foi usado como uma ferramenta para implementar um conjunto de mudanças conservadoras na educação Superior baseada na desresponsabilização do Estado com o financiamento da educação pública e na valorização do ensino privado.

Essa avaliação era punitiva e ranqueadora, pois transferia a responsabilidade do desempenho da Instituição apenas para os estudantes e, ainda, punia os cursos que tiravam notas baixas ao invés de estabelecer mecanismos de solução dos problemas a partir do investimento público. O fato que o Provão estava a serviço de uma política que visava mercantilizar a educação através da premiação dos melhores “avaliados”, valorização da meritocracia e fomento do setor privado na educação.

Em resposta, o Movimento Estudantil construiu uma forte campanha pelo boicote ao Provão. Esse boicote criou as condições para que, posteriormente, fosse criado um novo sistema de avaliação – o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior).

O SINAES representou um avanço em relação ao método de avaliação anterior. No entanto, sua implementação através de uma medida provisória careceu de um maior debate com o movimento de educação e sua orientação ainda carrega alguns problemas do modelo anterior. Ele é constituído de uma avaliação externa e interna das IES. Contudo, ao mesmo tempo em que avançou, incorporou parte da lógica do Provão expressa no atual ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), mantendo um peso muito grande sobre a avaliação dos estudantes.

O SINAES absorveu parte das reivindicações do movimento de educação como a elaboração de uma avaliação onde seja avaliada toda a instituição e os segmentos que a compõem como técnicos, docentes e discentes (como avaliação interna), além de submeter à instituição uma avaliação externa, que seria feita pelos setores organizados da sociedade.

Contudo, o ENADE mantém a lógica ranqueadora e punitiva. Sendo assim, seus problemas ainda são muitos: o fato de ser um componente curricular obrigatório sem ter nenhuma discussão com as entidades que representam os cursos de graduação; manter a doação de bolsas como estimulo para os estudantes que obtiverem as melhores notas (meritocracia); uma mesma prova para os estudantes do início e do final do curso que realizam o exame; as notas da prova são publicizadas pelo MEC, possibilitando o ranqueamento e a utilização do resultado pela as IES privadas e pela mídia para fazer marketing e se utilizarem disso para fins comerciais.

Além dos problemas do ENADE, o conjunto do sistema precisa avançar. A Comissão Nacional de Avaliação precisa ser mais representativa do ponto de vista do movimento social, a qual, hoje é composta pela maioria de representantes do governo.

Nas universidades, o Movimento Estudantil, através de suas entidades, precisa estar atento a esse importante debate. É fundamental que ocupemos e democratizemos os espaços, conselhos e comissões – como as CPA’s - que tratam da avaliação institucional, já que esta participação influi para definição dos rumos das instituições de ensino.

Os problemas dos sistemas de avaliação devem ser duramente combatidos pelo Movimento Estudantil e nesse sentido acreditamos uma opção correta daqueles que, mesmo acreditando que é possível avançar na proposição de políticas na esfera do governo, organizam o Boicote ao ENADE com o objetivo de questionar essa forma de avaliação centrada basicamente nos estudantes.

Campanha “UNE de volta para casa”

No primeiro dia de abril de 1964, em um dos primeiros atos da ditadura civil-militar, a União Nacional dos Estudantes teria sua sede metralhada, invadida e incendiada. Em 1980, o que sobrara daquele antigo prédio da Praia do Flamengo ainda seria demolido. No último dia 12 de agosto, 44 anos após os primeiros ataques, em visita ao mesmo terreno, ocupado pela UNE desde 2007, o presidente Lula anunciou o reconhecimento de que o Estado brasileiro é responsável pela destruição da sede da UNE, permitindo sua reconstrução através de indenização proposta em lei.
Esta conquista deve ser acompanhada de uma mudança de caráter da campanha da UNE pela reconstrução da sua sede. A necessária pressão sobre os parlamentares para a aprovação do projeto de lei não pode ser motivo para reduzirmos esta luta apenas aos canais de diálogo institucionais.

A campanha de reconstrução da sede deve ir além dos jantares caros, das reuniões com autoridades ou das famigeradas parcerias publicitárias com a Rede Globo. Esta campanha deve ser assumida como sua pelos estudantes, ganhando um caráter politizado, de massas e estimulando um processo de arrecadação militante e de envolvimento do conjunto das entidades estudantis.

Num momento em que a sociedade brasileira retoma, ainda que de maneira tímida, o necessário debate sobre a revisão de instrumentos como a lei de anistia e a conseqüente punição dos torturadores do regime militar, também percebemos na reconstrução da sede da UNE a oportunidade rara de fazermos um debate ainda maior. O momento exige a luta incondicional por um direito que tem sido historicamente negado ao povo brasileiro: o direito à memória e à verdade. Uma luta que ainda passa pela inadiável abertura dos arquivos da ditadura e que, pela reação dos militares e dos demais setores conservadores da nossa sociedade, continua aberta no país.

LGBT - Qualquer maneira de amor vale a pena – A Universidade fora do armário

O debate sobre o combate à homofobia dentro das Universidades tem tido destaque nos últimos anos como conseqüência da visibilidade do movimento LGBT em âmbito nacional – através das Paradas do Orgulho LGBT e também pelos avanços que o Governo Federal tem promovido em relação a temática LGBT. No entanto, há muito que se fazer para a incorporação da luta contra a opressão contra a população LGBT pela UNE.

Existe ainda uma visão heteronormativa dentro do ME e as pautas de discriminação contra LGBT se secundarizam - vide o tempo que a Diretoria LGBT ficou com o cargo vago durante esta gestão.

Apesar de ter tido uma significativa inserção do tema dentro do espectro do ME mas há pouca ação do Movimento ao combate a discriminação e o preconceito a que estão submetidos milhares de estudantes universitários lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais cotidianamente. Temos exemplos concretos de manifestações de discriminação clara dentro dos espaços universitários como, por exemplo, o caso dos dois estudantes que foram expulsos de uma festa do CA da Veterinária da USP e que teve repercussão na mídia, porém, não podemos esquecer que a discriminação contra os universitários LGBT é oriunda de diversos lados seja por parte dos colegas, seja por parte dos professores, seja por parte das direções das universidades .

Dentro do próprio movimento estudantil percebemos traços de discriminação. As piadinhas, cochichos, os comentários homofóbicos, fazem parte, ainda da cultura do nosso movimento.

É importante fazer um paralelo em relação ao processo de visibilidade da questão LGBT dentro das Universidades com a conjuntura relacionada a temática em âmbito nacional referente as políticas públicas de Promoção da Cidadania LGBT no país.

Desde o início do primeiro mandato de Lula, há um processo de fortalecimento do diálogo entre as instâncias governamentais – em suas diversas pastas – com o Movimento LGBT brasileiro e que tem resultado em diversas ações políticas concretizando resultados bastante positivos para a promoção da cidadania LGBT, exemplo disto é que ações de combate à homofobia são pautas permanentes da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) - onde o movimento possui cadeiras no Conselho Nacional de Combate à Discriminação – e que também a SEDH é o órgão responsável pela proposição do Programa Brasil sem Homofobia, lançado em 2003.

Neste segundo mandato tivemos, em 2008, a realização da I Conferência Nacional de Políticas Públicas LGBT – financiada pelo Governo Federal – onde a sociedade civil e diversas instâncias governamentais se reuniram pela primeira vez para propor uma política de governo de promoção da cidadania LGBT e que teve a presença do Presidente Lula na abertura, fato este, que indica o comprometimento do Governo na efetivação de políticas na garantia de direitos plenos para a comunidade LGBT brasileira.

Uma das propostas que saíram da Conferência foi a implantação de uma Secretaria Especial de Políticas Públicas para a População LGBT, nos mesmos moldes da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres e também da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial para que seja um órgão específico, com orçamento próprio, para concretização das pautas políticas da comunidade e também uma articulação com os outros Ministérios para realização de políticas integradas entre as pastas.

No poder legislativo temos três desafios importantíssimos para garantia de Direitos Civis à população LGBT que devem receber o apoio da UNE, pois no Senado Federal temos o PLC 122/06 que criminaliza a homofobia, o PLC 72/2007 que autoriza a mudança de nome de pessoas transexuais e a famoso PL 1151/95 que autoriza a parceria civil de pessoas do mesmo sexo de autoria de Marta Suplicy que ainda está na Câmara dos Deputados que já tem um substitutivo modernizando-o.

No que tange especificamente à Universidade, são pouquíssimas ações efetivas de combate a discriminação contra LGBTs tem sido colocadas em prática pela burocracia universitária.

São poucas as Universidades que se comprometem a realizar ações como: apoiar as políticas públicas de Estado, criar laboratórios de políticas para LGBT's com envolvimento de pesquisadores, incentivo à produção acadêmica sobre a temática, atos administrativos que permitam que travestis e transexuais possam usar os banheiros femininos e, além disso, que elas e eles possam ser tratadas e tratados em todos os documentos oficiais através de seus nomes sociais – inclusive na inscrição para o vestibular e a permissão para que os/as companheiros/as do mesmo sexo possam ser acompanhantes de seus parceiros/as nos tratamentos no Hospital Universitário. Este tipo de ação é algo extremamente importante e deve se tornar uma pauta de ações políticas dentro de todas as Universidades do país.

Por parte do movimento estudantil, não podemos deixar de citar que a mobilização de Estudantes LGBTs desde de 2003 em torno da realização do ENUDS – Encontro Nacional Universitário de Diversidade Sexual e o surgimento ao longo destes anos de grupos e coletivos universitários focados na temática da Diversidade Sexual dentro das Universidades. O ENUDS se constituiu como um importante pólo aglutinador dos estudantes LGBTs e como um elemento para consolidação da pauta LGBT dentro ME, mas hoje tem caminhado mais nos rumos da produção acadêmica sobre o tema e tem se distanciado da pauta e da organização LGBT nas entidades estudantis.

A UNE deve ter um papel importante no processo de transformação das Universidades em pólos de discussão científica e de formulação de políticas públicas que garantam o combate a homofobia. A entidade já iniciou este compromisso em 2005 quando foi criada a Diretoria LGBT da UNE e que durante a primeira gestão fez importantes intervenções como o projeto 'Universidade fora do armário", com a participação da UNE em diversas Paradas do Orgulho em todo o país, realização de palestras e seminários sobre tema nas Universidades, além da criação de uma cartinha sobre a temática da Diversidade Sexual e a permissão para que travestis e transexuais possam utilizar seus respectivos nomes sociais nas carteirinhas da UNE.

O grande desafio neste momento é retomar os trabalhos da Diretoria LGBT da UNE e traçar um plano de ação para o movimento estudantil , com objetivo de trazer esse debate para o dia – a – dia dos CAs, DCEs e Universidade, organizando publicações, seminários, debates, mobilizações e retomando as participações nas Paradas do Orgulho LGBT pelo Brasil.

Neste sentido, é fundamental a articulação para construção do I Encontro LGBT da UNE, onde estudantes LGBT do Brasil todo se reunirão para discutir e propor ações políticas que sejam encampadas pela UNE para que o movimento estudantil se consolide como parceiro da luta contra a homofobia dentro das Universidades e no país, articulando–se com entidades do movimento LGBT como a ABGLT e diversas redes ligadas a esta para que se proponham ações conjuntas de combate a homofobia.

Propostas:

- Realização do 1. Encontro LGBT da UNE

- que a UNE encampe uma campanha de combate a homofobia dentro das Universidades

- que a UNE participe da organização da II Conferência Nacional de Políticas Públicas para a População LGBT.

- que a UNE participe do Encontro Nacional da Juventude da ABGLT como entidade parceira

- apoio a aprovação do PLC 122/06 – criminalização da homofobia

- apoio às transexuais e ao direito da cirurgia de resignação genital feita pelo SUS

- estímulo à criação de grupos nas Universidades que defendam os direitos das LGBTs

- realização de painéis, debates, seminários, pesquisas e discussões sobre a livre orientação sexual nas universidades

Mulheres que Lutam Mudam o Movimento Estudantil

Como os outros espaços onde a mulher está presente, a Universidade passou a reproduzir o machismo, ocultando as questões de gênero e dificultando sua permanência, reforçando as desigualdades através de práticas sexistas de propostas pedagógicas, segregação de gênero por ramo de conhecimento e profissões, dito como femininas ou masculinizadas, linhas de pesquisas que, embora aparentemente neutras, ocultam as questões de gênero, reafirmando práticas machistas. Apesar das mulheres serem 57% dos estudantes universitários e estudarem 20% a mais que os homens, os espaços de discussão e decisão política, como o movimento estudantil, têm reproduzido uma relação de poder desigual entre homens e mulheres.

A partir da necessidade de superação deste quadro surge uma união entre mulheres estudantes, colocando o feminismo e o fim das opressões como a pauta do dia dentro das entidades e da Universidade, como o EME (Encontro de Mulheres da UNE), que já elaborou uma boa plataforma política. Mas não basta! Precisamos garantir mais inserção e participação das mulheres, avançando a democratização dos espaços decisórios, dispensando práticas viciadas que enfraquecem o movimento estudantil. Precisamos fazer com que a plataforma do EME se materialize no dia-a-dia da Universidade e do próprio ME em todos os seus níveis.

Neste sentido defendemos o fortalecimento e ampliação da campanha da UNE pela legalização do aborto, incorporando essas pautas na agenda ME. Nas universidades a UNE deve incentivar a criação de núcleos de pesquisa e extensão sobre gênero em todas as universidades e lutar pela criação de creches e pela desburocratização das licenças maternidades, bem como defender maior apoio e segurança a mulheres estudantes, muitas vezes assediadas por professores, funcionárias e colegas, sem ter local apropriado para denunciar.

Em relação à organização da entidade, é importante a ampliação e envolvimento da organização do EME a todas executivas de curso e coletivos de mulheres e a criação de um Grupo de Trabalho permanente na diretoria de mulheres da UNE para que seja possível de forma mais ampla e articulada construir as ações da diretoria.

Por uma Universidade sem Racismo

A população negra é alvo da desigualdade existente na sociedade brasileira. Ela é mais pobre do que a branca, morre mais cedo, tem a escolaridade mais baixa e menor acesso à saúde. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), "os negros representam, ainda, 60% dos pobres do País e 70% dos indigentes. Na contagem geral da população, 50% dos brasileiros negros ou pardos são pobres, enquanto apenas 25% dos brancos estão nessa condição”.

As desigualdades sociais entre negros e brancos, além de serem atribuídas à herança do passado escravista do país, devem-se também ao racismo e sua reprodução, nas mais variadas formas, ou seja, estrutural e simbólica. No que se refere ao contexto educacional as universidades brasileiras são o verdadeiro retrato da desigualdade racial. Se os jovens de classes mais baixas têm dificuldades de acesso à educação superior, esta segregação ainda atinge mais os jovens negros que os brancos. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD em 2000, o percentual de brancos com diploma de nível superior era de 11,8% enquanto o mesmo índice estva em 2,9% entre os negros.

O envolvimento das instâncias governamentais brasileiras no enfrentamento a discriminação racial se aprofundou com no Governo Lula na criação da Secretaria Especial para a Promoção da Igualdade Racial. Entretanto, foi com a reserva de vagas no vestibular das principais universidades públicas brasileiras para estudantes negros e indígenas que o debate sobre o combate as desigualdades raciais foi reinserido. As cotas no vestibular deram à seleção dos estudantes critérios raciais e sociais, ao invés da velha lógica meritocrática.

Estas ações provocam uma mudança no perfil dos estudantes universitários que não mais serão uma maioria esmagadora de brancos e da classe média, e conseqüentemente transformarão as nossas universidades em espaços mais populares. Entretanto, estas mudanças nos trarão novos desafios. Agora, além do grande desafio de assegurar a implantação das políticas de ações afirmativas nas instituições de ensino superior que ainda não adotaram esse sistema, temos novos desafios como a implementação das políticas de permanência, a efetivação de políticas de assistência estudantil e a construção de currículos não eurocêntricos.

A UNE pode e deve fortalecer as trincheiras de luta contra o racismo nas universidades. E deve também responder com energia a articulação em curso dos neoconservadores brasileiros contras as políticas afirmativas.

Por isso defendemos o fortalecimento dos Encontros Nacionais de Estudantes Negros e Cotistas da UNE (ENUNE’s) e à campanhas permanentes por “Universidade sem racismo”.

Saúde: o movimento estudantil construindo bases em defesa da vida

O Sistema Único de Saúde (SUS) e sua lógica de integralidade, equidade, descentralização e controle social é fruto da importante participação da sociedade civil. Sua criação foi uma vitória da população brasileira, pois garantiu a saúde como direito de todos e dever do Estado. Junto a esta luta esteve o movimento estudantil, especialmente na figura das Executivas e Federações de Curso. Porém, ao longo de sua implementação, o SUS vem encontrando obstáculos múltiplos, que variam desde a falta de recursos financeiros, passando pela carência de profissionais aptos a lidar com a concepção de saúde proposta pelo novo sistema, até o forte lobby dos planos de saúde no Congresso Nacional.

Hoje, o ME e a UNE tëm a responsabilidade de contribuir com o SUS: transformar a universidade para que deixe o modelo ainda hegemônico, centrado na doença, no médico, no hospital e nos medicamentos; participar e fortalecer o controle social do Sistema; contribuir na Educação Popular e na Educação Permanente em Saúde; entre outras ações.

Iniciativas como a Caravana de Saúde, Educação e Cultura da UNE, realizada durante o segundo semestre de 2008, contribuem para a incorporação da bandeira de luta da saúde. Mas ainda se faz necessário que a entidade aprofunde suas discussões neste terreno no I Seminário de Saúde da UNE, fortalecendo os laços com as Executivas e Federações Nacionais de Cursos da Saúde e democratizando as ações da entidade referente ao tema – principalmente no que se refere a participação da UNE no Conselho Nacional de Saúde.

Neste CONEB defendemos que a UNE se posicione a favor do fortalecimento do SUS e contra a mercantilização da saúde, pela regulamentação da Emenda 29 e por mais recursos para a Saúde. Reivindicamos a regulamentação conjunta das profissões da área, o fortalecimento das Residências Multiprofissionais, a aprovação do Projeto de Lei da Responsabilidade Sanitária e a implementação de currículos que efetivem a integralidade em saúde e a formação de profissionais para o SUS.

Se não tem PASSE LIVRE, a gente pula a roleta

Pesquisas revelam que em torno de 30% da juventude brasileira está fora da escola por não ter condições de locomoção. Mais do que isso, o passe livre deve ser visto como parte do processo de formação educacional, profissional e intelectual como algo que vai além da sala de aula e inclui o acesso aos espaços de cultura, lazer e entretenimento oferecidos pelos centros culturais das cidades, geralmente afastados das periferias.

As manifestações pelo PASSE LIVRE no Brasil são uma resposta clara à concepção de transporte público dominante, que tem como objetivo central a manutenção dos lucros dos "barões da catraca", a qual podemos perceber em fenômenos como o aumento constante das passagens, a falta de transparência das planilhas de custo do transporte público e a concentração do setor em mãos de monopólios privados.

O Passe Livre, portanto, deve ser compreendido como um instrumento que garanta o acesso dos estudantes não só à educação, mas também à cultura, esporte e lazer. Por essas razões a UNE, em conjunto com a UBES e os demais movimentos que lutam pela democratização do transporte público, deve incorporar a bandeira do PASSE LIVRE de forma mais acentuada às lutas mais gerais dos estudantes brasileiros.
Legalizar as drogas

O debate sobre a questão da violência, do narcotráfico e da drogadição deve ser feito abertamente, sem moralismos ou hipocrisias. A maneira como a grande mídia e a maioria dos governos trata o tema é parcial, equivocada e esconde interesses escusos. O ser humano se utiliza hoje e sempre se utilizou desse tipo de substância para obter estados alterados de consciência, pelo simples prazer e/ou pelo uso religioso.

Tanto as drogas legais como as ilegais geram alteração no estado de consciência e podem até levar à morte. No caso das drogas ilegais, contudo, tais efeitos deletérios à saúde se somam aos efeitos sociais negativos advindos da própria situação de ilegalidade. O dependente químico, ao invés de assistente social, médico, psicólogo e educador, que lhe dariam alternativas de tratamento e mesmo de redução de danos, recebe do Estado apenas a truculência policial, que o mantém na posição de eterno consumidor de um lucrativo mercado.

O consumo humano e, conseqüentemente, o comércio das drogas, não deixará de existir no atual estágio da humanidade. Defender a extensão da norma legal à produção e à comercialização das drogas não significa fazer apologia de sua utilização. Ao contrário, defender a legalização faz parte do combate à alienação das drogas, legais ou ilegais. Ao contrário de "deixar rolar", a extensão da norma legal à produção e comercialização das drogas busca destruir a base material das quadrilhas que realizam o tráfico, permitindo uma ação de saúde pública e de educação muito mais eficaz. Se no lugar do tráfico auferindo lucros existir a ação governamental de esclarecimento, educação e saúde, certamente muitas vidas serão salvas.

Fazer com que a produção e a comercialização das drogas sejam legalizadas é uma questão de segurança pública, uma vez que a questão do tráfico está diretamente relacionada à violência nas favelas, morros e periferias. Enquanto perdurarem as políticas proibicionistas, o tráfico, a criminalização e a repressão continuarão fazendo suas vítimas, que no Brasil têm cor, idade, sexo e classe social, os jovens negros da periferia. Por isso somos favoráveis que a UNE defenda a Legalização das Drogas, defenda políticas públicas de saúde para usuários de drogas e se posicione contrária à redução da maioridade penal.