segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Tempos de luta e de sonhos (Por José Dirceu)

FONTE: http://www.correioregional.com/conteudo/materia.asp?codigoM=6363&codigo=76

13/12/2008 11:15
Tempos de luta e de sonhos
José Dirceu
Há 40 anos, Luiz Travassos, presidente da UNE; Vladimir Palmeira, líder estudantil carioca e presidente da UME; Antônio Guilherme Ribas, presidente da UBES, e eu aguardávamos ansiosos a decisão da Suprema Corte para sermos libertados. Havíamos sido presos dia 12 de outubro de 68 no congresso de Ibiúna. Havia um pedido de Habeas Corpus que nossos advogados, Marcelo Alencar, Aldo Lins e Silva, Marcelo Cerqueira e tantos outros impetraram no STF. O clima já era de temor e medo na sociedade, havia uma suspeita e uma intuição de que a ditadura militar, pressionada pelo clamor popular e pela crescente oposição da classe média e, cada vez mais isolada politicamente – apesar do apoio que gozava no empresariado e parte da mídia, alguns já começavam a financiar a operação Bandeirantes, semente dos DOI-CODI e da tortura e assassinato político –, iria se fechar ainda mais e concentrar mais poderes.Apesar desse cenário, ninguém jamais, nem nas piores análises e avaliações, voltadas mais para discutir como resistir ao aumento da repressão, como manter a luta estudantil e popular, como iniciar a resistência armada e, em última hipótese, como fugir (já que preso que não pensa em fugir não é normal) previu o que viria: o Ato Institucional número 5. Ele foi uma pá de cal em todas as ilusões democráticas daqueles que de boa fé ainda acreditavam nos "ideais" democráticos da chamada revolução de 64, um golpe militar, mas com força e impulso, como o tempo provaria, para ficar no poder por 24 anos e, para o mal e para o bem, mudar radicalmente o Brasil; até porque duas décadas não passam em vão, particularmente, numa nação continental e rica como o nosso país, com um povo e uma cultura como o brasileiro.Podemos dizer que o Brasil mudou, apesar da ditadura. Para nós que aguardávamos a liberdade, pelo acatamento do Habeas Corpus pelo governo militar, foi um choque, uma decepção, ver que no corpo do Ato Institucional, que o instituto sagrado e universal do HC, era simplesmente suspenso. Ou seja, desaparecia de nossa ordem jurídica, uma aberração como foram as dos institutos, se é que se pode chamar assim, do banimento, da cassação da nacionalidade e por fim da pena de morte, que a ditadura implantaria no país.Nossa angústia foi maior pelo temor das próprias vidas, do risco agora eminente da tortura, agravado pela libertação dias antes por um Habeas Corpus, o que nos causou grande alegria, de nossos companheiros de cela – estávamos presos, eu, Franklin Martins, Valter Cover, Marco Aurélio Ribeiro, Omar Laino, em Itaipu, em uma fortaleza do Exército na Praia Grande na Baixada Santista no Estado de São Paulo, dirigida pelo então Coronel Erasmo Dias. Para nós iniciava uma nova jornada de lutas e resistências na prisão, que terminaria dia 7 de setembro de 69, quando fomos trocados pelo embaixador norte-americano Charles Elbrick, seqüestrado pelas organizações armadas e devolvido mediante nossa libertação. Outros tempos e outras lutas começavam. Luiz Travassos, para nossa tristeza e saudade, morreu num acidente de carro em 82 no Rio; Antonio Ribas, que não entrou na lista dos trocados pelo embaixador, já que seria libertado meses depois, como aconteceu, foi assassinado pela ditadura no Araguaia. Continuava nossa luta. Para nossa vergonha nacional, continua dado como desaparecido, uma dívida que continuaremos a cobrar das Forças Armadas e dos governos, inclusive do nosso. Vladimir Palmeira é dirigente do PT no Rio e professor; o jornalista Franklin Martins é o ministro encarregado da área de comunicação social do governo; Marco Aurélio Ribeiro, advogado, foi deputado estadual do PMDB e do PT; Valter Cover é diretor da Vale e foi responsável pela sala de investimentos da Casa Civil nos primeiros três anos do governo Lula, trabalhou na FIESP na gestão de Horário Lafer Piva; Omar Laino, que foi presidente do CA 22 de Agosto depois de minha gestão (em 66-67), é empresário em Santos e eu estou aqui, recordando hoje, com carinho e afeto, esses e tantos outros companheiros e os tempos de luta e sonhos.

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