Abaixo segue a entrevista sobre a gestão de uma UNE que lutou para que a história do movimento estudantil viesse à tona. È vergonhoso o que querem a atual diretoria da UNE fazer com a documentação do movimento estudantil (e em sociedade com uma fundação mais que privada). É mais vergonhoso o que fizeram (ou não fizeram) com dois milhões de reais (R$2.000.000,00) do povo brasileiro. As ligações perigosas explicam tudo. A omissão encobre tudo. A quem interessa o Projeto Memória do Movimento Estudantil? O que vemos aí é o mal uso de recursos públicos, assim como a privatização da história do movimento estudantil. Quanto nós pagaremos mais para essa gente? Quantos mais cobrarão dos brasileiros para ter acesso à história do seu próprio país? Diga-se de passagem através de um projeto totalmente tendencioso e preconceituoso.
ENTREVISTA DE GISELA MENDONÇA – PRESIDENTE DA UNE
A UNE SEGUE O RASTRO
A invasão da ASI – Assessoria de Segurança e Informação – ASI – da Universidade Federal do Ceará – UFC – E e desativação da mesma, na prática, foi, sem dúvida, uma ousada investida dos estudantes contra esse órgão que é o braço do Serviço Nacional de Informação – SNI – dentro das Universidades.
No Seminário que a UNE realizou no final de setembro, em Brasília, sobre a Constituinte, estudantes de todo o Brasil aprovaram por unanimidade a proposta de limitar o papel das Forças Armadas, que implantou esse sistema de informação na época do regime militar, e ainda hoje o controla.
Para Gisela Mendonça, 24 anos, estudantes de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – e atual presidente da UNE, as Forças Armadas devem se restringir ao papel de guardiãs de nossas fronteiras e de defensoras da nação contra possíveis ataques externos.
Nesta entrevista, Gisela explica as posições da UNE sobre essa questão dos militares e da repressão aos estudantes e professores.
P1 – Gisela, qual o significado para o movimento estudantil, da invasão da ASI no Ceará?
R- Acredito que é mais um grande marco na história de lutas de nossa entidade, que é uma história que se mistura com a de todo o povo brasileiro, na defesa da liberdade e da democracia.
Já na época de Vargas, quando da Segunda Guerra Mundial, foi a primeira voz a se levantar contra o nazi-fascismo. Ergueu alto a bandeira da soberania nacional lançando a grande campanha do “O petróleo é nosso”. Agitou o país com o Centro Popular de Cultura, que lançou muitos novos artistas e deu um novo incremento à produção nessa área.
Junto com a UNE-Volante, esses artistas percorreram todos os Estados no início da década de 60, engajados na luta por melhores condições de ensino.
Veio o Golpe. E está registrada a heróica resistência à ditadura exercida pelo movimento estudantil. Por isso a UNE teve muitos de seus líderes cassados, presos e torturados. Outros mortos e desaparecidos, como Honestino Guimarães, último presidente da UNE antes da reconstrução. Participamos também ativamente das últimas grandes batalhas que levaram à vitória do povo contra o regime militar – a campanha da anistia, das diretas-já e a do candidato das oposições, Tancredo Neves, e que levou milhares de pessoas às ruas. Portanto, os acontecimentos do Ceará não poderiam deixar de contar com a nossa presença. O que está sendo colocado com isso é a busca da verdade e da justiça. É importante que a gente esclareça os fatos: como funcionou todo o aparelho repressivo do Estado? Quais foram as perdas, os danos causados? Não podemos simplesmente fingir que nada disso ocorreu. Muito pelo contrário. Devemos ter consciência disso para que nunca mais ocorra.
P2- Como andam essas assessorias em outras universidades? O fato de se ter encontrado a ASI em funcionamento na Federal do Ceará é uma exceção?
R- Infelizmente não. Talvez a vigilância hoje não seja exercida no mesmo grau que em outras épocas. Ou, mesmo que sim, a conseqüência não é mais a mesma – prisão, tortura, desaparecimento, clandestinidade. Afinal, alguma coisa mudou neste país. Mas a estrutura está toda aí, continua montada. Houve até uma tentativa da diretoria da Divisão de Segurança e Informação – DSI – do Ministério da Educação, ligada ao SBI, é bom enfatizar, que através do Cel. Brochado, seu atual diretor, enviou um ofício às reitorias levantando um plano de reativação das ASIs nas universidades. E isso foi amplamente denunciado pela imprensa. Existem, porém, algumas universidades, como a de Brasília, cujo reitor, eleito diretamente, recolheu tudo o que havia nos arquivos, na seção de “segurança e informação” e formou uma equipe que está catalogando o material para posteriormente apresentá-lo ao público.
P3- Mas a argumentação usada pelo Cel. Brochado vinha no sentido da necessidade de um órgão na universidade que fosse uma Central de Informações, e não mais o controle da vida política e social das pessoas ....
R – Que Central de Informação? Para quê? Os meios de auferir conhecimento já estão aí. A área que deve conter as informações sobre o desempenho acadêmico é a de ensino e graduação ; professores e funcionários devem ser admitidos por concurso público. Patrulhamento ideológico? Não, isso não. Mesmo porque, a pretexto de se investigar a vida política das pessoas, e isso já é vergonhoso, o negócio vira uma perseguição sem fim. Os documentos apreendidos no Ceará mostram claramente isso: a vida particular de cada um fichada. Na universidade, nas reuniões, nas discussões de grupo e tudo mais. Você vai numa festa e eles ficam sabendo, isso, se não derem um jeito de também estar presentes. Você está com um novo namorado e isso já vai logo para a sua ficha. Não, não dá. Coisas absurdas e ridículas chegaram a acontecer. Gostar da cor vermelha era perigoso. Chegaram a queimar livros de capa vermelha e a apreender um livro que falava sobre cubismo, uma escola de artes plásticas, como material subversivo proveniente de Cuba. O livre debate de idéias, das mais diferentes concepções, junto com a sociedade, é condição fundamental para o incremento da produção cultural e cientifica na universidade.
P4- Existe relação dessa política com o baixo nível de ensino hoje existente?
R- É total. O papel que cumpriram e, não tendo sido completamente desativadas, estão aptas a cumprir, essas assessorias de segurança – ou insegurança – foi desastroso. Em todos os sentidos. Era a polícia instalada dentro do campus, impondo à universidade uma produção que atendesse aos interesses de um desenvolvimento dependente. E a gente sabe (e sente) o resultado disso tudo.
P5 – Mas no mês passado o governo anunciou publicamente que iria desativar as ASIs nas universidades ...
R- Você falou certo. O presidente da República assinou decreto desativando as ASIs nas universidades, delegacias regionais do Ministério da Educação. Mas isso não é suficiente. Sequer chega a alterar muito o quadro em que hoje nos encontramos. É preciso que não haja apenas “extinção oficial” ou que as ASIs mudem de nome. É preciso que elas deixem de existir na prática.
P6 – Você falou na universidade servindo a um modelo de desenvolvimento econômico dependente. Poderia explicar melhor o significado dessa afirmação?
R- Havia necessidade, na época, de se formar um grande contingente de técnicos que viessem a atender a demanda de tal desenvolvimento. Não havia interesse em formar cientistas, muito menos em produzir ciência – isso era com a matriz, os Estados Unidos. O que se precisava era de gente que pudesse operar, ou comandar a operação de modernas máquinas que surgiram com o avanço tecnológico, bem como administrar e gerir empresas e a própria máquina do Estado, de acordo com essa linha de pensamento. E todas as áreas do conhecimento acompanhavam e eram induzidas a justificar essa proposta.
P7 – Como era feito isso na prática?
R- Por exemplo, muito contribuíram para isso os acordos firmados entre o Ministério da Educação e a USAID – United States Agency of International Development –, os famosos acordos MEC-USAID.
P8 – Existiu alguma relação entre esses acordos e as ASIS?
R-Penso que sim. E de colaboração. Isso tudo foi muito planejado e fazia parte da diretriz que foi traçada na época, pelo regime militar, para o ensino superior brasileiro, formalizada nesses acordos, cuja meta era privatizar o ensino e transformar as universidades em grandes empresas, atendendo assim aos objetivos que falei anteriormente. Veja, por exemplo, o curso de Agronomia. A tendência que se deu foi a de voltar todo o ensino para a produção de monoculturas. “Exportar é preciso” . Formam especialistas em soja, sem se saber orientar a produção de arroz e feijão, alimentos básicos do povo brasileiro. E as ASIs estavam aí para assegurar a implementação dessa diretriz.
P9 – Uma polêmica levantada na época da invasão do Ceará, mas sempre também muito comentada quando se fala em apurar os crimes da ditadura, é que a anistia já foi aplicada, para ambos os lados.
R – Considero a campanha de anistia um dos grandes marcos da história contra a ditadura. Foi o ano em que as manifestações de rua começaram a reaparecer. E o sentimento não era de que se sepultasse tudo com a liberação dos presos políticos. Muito pelo contrário. Sempre foi o de ver tudo esclarecido. Quem são mesmo os terroristas? Quem foi mesmo que matou, torturou, prendeu, forçou ao exílio e tantas outras coisas? Quem fez a lei e a impôs pela força? As pessoas que saíram às ruas, que colocaram adesivos nos carros, que participaram de manifestações, que protestaram, não estavam pedindo anistia para os torturadores. É um absurdo, um cinismo político muito grande vir agora com essa conversa. Não podemos admitir que Coronéis Ustras da vida, homem reconhecido pela deputada Beth Mendes como seu torturador, continuem por aí, ocupando, tranqüilos,seus cargos públicos. O lugar correto para esse tipo de gente não é outro senão a cadeia. Por acaso estão querendo justificar a morte dos estudantes Honestino Guimarães e Helenira Rezende, por exemplo, como legítima defesa?
P10 – Você falou muito sobre a ingerência dos militares na política nacional. É sabido também que a UNE, no Seminário que realizou, tirou posição a esse respeito. Qual é essa posição?
R – Essa é uma questão que não poderíamos deixar de enfocar. São seis os Ministérios ocupados por militares no Brasil. E em qualquer coisa que se faça, plano que se desenvolva, seja na área social, política ou na área econômica, existe a interferência desse setor.
A nossa proposta é portanto a extinção completa do SNI, bem como de todo o aparato repressivo ainda existente. Isso já é um golpe na interferência dos militares, pois eles é que controlam todo o serviço de informação. Apontamos também a substituição dos ministérios militares por um único ministério, que seria o da defesa.
P.11 – E qual é o caminho que a UNE aponta diante dessa situação?
R. É importante que todas as entidades do movimento estudantil busquem se mobilizar no sentido de que essas assessorias seja riscadas do quadro administrativo das Universidades. Mais, que tenhamos acesso a esses documentos. É esse tipo de atitude que nos dará a verdadeira segurança nacional.
P. 12 – Gisela, de agora em diante, como fica o caso da invasão do ASI?
R – Esse episódio já entrou para a História. De repente toda essa luta contra os órgãos de repressão toma um novo impulso a partir da descoberta desses documentos na Universidade Federal do Ceará, e isto acontece num momento histórico para o país, às vésperas da Constituinte. O movimento estudantil demonstrou grande força. Foram muito importantes as mobilizações feitas pelo DCE-UFC e a UNE contra a prisão de Inácio, da Liduína e da Martinha, e para repudiar o SNI. Vamos divulgar bastante o dossiê da UNE sobre o caso do Ceará para mostrar que as ASIs nos causaram. Estamos também batalhando a divulgação das resoluções do nosso Seminário “Educação e Constituinte” que, como já falei, tocam na questão do papel dos militares e da extinção do SNI. Vamos exigir a devolução de todo o material da UNE que foi apreendido quando a nossa sede foi invadida em 1964. Esse material é documento histórico, é um patrimônio dos estudantes e de todo o povo. E tivemos notícia de que está tudo no CENIMAR – Centro de Informação da Marinha –, no Rio de Janeiro. Sabemos que a luta para extinguir os órgãos de repressão não é fácil. Nossos três companheiros presos no Ceará continuam sendo processados e é provável que outros possam vir a ser também. Mas estou confiante. Uma pessoa que admiro muito é d. Rosa, mãe de Honestino. Ela está sempre aí na luta, exigindo justiça. O Honestino disse uma coisa muito bonita: “mesmo se nos prenderem, mesmo se nos matarem, ainda assim voltaremos e seremos milhões”. Estamos nós aqui de volta. A História está do nosso lado”.
FONTE: A Une contra o SNI. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1987
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