quinta-feira, 21 de maio de 2009

UFF DEBATE BRASIL - VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

FONTE (S): http://www.uff.br/obsjovem/mambo/images/stories/Documentos/Carrano_Violencia_escolas[1].pdf

UFF DEBATE BRASIL - VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
(Teatro da UFF, 19 de maio de 2009)
Paulo Carrano – Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF

Observatório Jovem do Rio de Janeiro/UFF
paulocarrano@yahoo.com.br
Agradeço o convite e parabenizo os organizadores pela manutenção do espaço UFFDebate
Brasil; canal de interlocução da universidade com a cidade de Niterói. Coordeno o Grupo
de Pesquisa do Observatório Jovem (www.uff.br/obsjovem) e a temática da violência nas escolas
foi objeto de pesquisa realizada em conjunto com a UNESCO e publicada no livro Escolas
Inovadoras – experiências bem sucedidas em escolas públicas. Uma das conclusões do livro é
que não são projetos isolados ou eventos que têm sido responsáveis pela diminuição da
violência ou estabelecimento de ambiente de paz institucional nas escolas, mas, sim, processos
duradouros e compartilhados de diálogo entre a comunidade escolar.
Sem desconsiderar a existência de situações difíceis envolvendo a comunidade escolar
em torno desta ampla e imprecisa conceituação de “violência escolar”, não me parece que
tenhamos elementos para dizer que há uma escalada sem precedentes do que está se
chamando violência na escola. Não há estudos comparativos abrangentes nem tampouco
consenso sobre conceitos e instrumentos de medida para afirmar que há um aumento da
violência nas escolas. Sem dúvida, há uma representação de que a situação está mais difícil e
isso por si só já significa um dado de realidade. De qualquer forma, é preciso reconhecer que há
suficientes exemplos de instituições que demonstraram que, a despeito da ambiência externa
adversa e indutora da violência, é possível reverter quadros de violência e criar um “clima
cultural” favorável à convivência e à aprendizagem nas escolas.
Aquilo que chamamos violência escolar é fonte de angústia social que faz com que se
pense que estamos caminhando a passos largos para uma decaída civilizatória sem retorno. São
exemplos disso a percepção de que há perda da inocência das crianças e jovens, que a escola é
não mais um lugar protegido onde se possa deixar os filhos, que os professores e funcionários
são desrespeitados e agredidos verbal e fisicamente, e de que há possibilidade de que o
fenômeno não se restrinja apenas à escola mas que ele se espalhe por toda a sociedade, caso
não seja controlado a tempo etc. Sem dúvida, a despeito das iniciativas sinceramente
preocupadas em debater o problema, diferentes mídias tem se encarregado de dramatizar
acontecimentos, amplificar problemas e, não raro, dar voz a apenas um dos lados dos conflitos.
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As pessoas costumam identificar a violência escolar como fenômeno relativamente novo
(algo que teria surgido nos anos 80 e se desenvolvido nos anos 90). Alguns mesmo chegam a
demarcar a redemocratização como o princípio do fim da autoridade escolar e a conseqüente
degeneração do comportamento dos alunos (estaria aqui presente algum tipo de saudosimo em
relação aos tempos de disciplina autoritária da escola na ditadura militar?). Diferentemente, a
violência escolar não é algo novo. A literatura registra casos desde o século XIX; o cinema trata
o tema desde, pelo menos, a década de 50. O que se pode dizer, contudo, é que a natureza da
violência e a forma como a sociedade enxerga os atos violentos mudam com o tempo. É preciso,
então, não perder a dimensão histórica da análise dos fenômenos. A partir dos anos 90 as
pesquisas apontam mudanças no padrão da violência observada nas escolas públicas. Além dos
atos tradicionais de vandalismo, percebe-se o aumento das agressões interpessoais, sobretudo,
entre o público estudantil; as agressões verbais sendo as mais freqüentes, e também agressões
a professores com freqüência que já não podem ser desconsideradas. O fenômeno é tão visível
que sindicatos de professores incorporaram a defesa da integridade física e moral dos
professores em suas pautas de reivindicações.
O pesquisador americano Peter Lucas registrou também nos EUA que na cidade de
Boston a reivindicação pela instalação de detectores de metais na entrada das escolas chegou a
atingir prioridade mais alta do que o aumento salarial na pauta do sindicato. O mesmo
pesquisador registrou que com a criação de uma guarda escolar própria e a tomada de medidas
de segurança que tiveram como conseqüência principal o enfraquecimento da capacidade de
mediação de conflitos por parte dos professores e agentes escolares, diminuíram os delitos com
arma de fogo, mas aumentaram, contudo, outros delitos tais como estupros e participação de
alunas em atos de violência e vandalismo.
As escolas francesas instituíram a figura de jovens mediadores das escolas situadas em
“bairros difíceis”. Esses jovens não possuem uma função específica, nem poder de sanção, mas
precisam estar disponíveis, 39 horas semanais, na escola para atuarem quando necessários na
mediação de conflitos. Françoise Dubet (2002) comenta que entre os profissionais da escola
francesa se produziu o senso comum de que a principal causa dos problemas da violência na
escola seria o impacto na instituição do ambiente degradado dos bairros e dificuldade de
socialização das famílias. Esses jovens mediadores, então, teriam como atributo maior serem
também jovens e estarem mais próximos dos valores e momento de vida dos alunos e, neste
sentido, teriam maiores condições de atuarem como suportes do trabalho pedagógico. Não é
possível entrar em detalhes sobre as conclusões do sociólogo francês sobre o trabalho dos
jovens mediadores, mas algo significativo de registrar é a situação de renúncia dos professores
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em assumirem função de mediação de conflitos frente a presença desses “profissionais” da
mediação que, até mesmo pela condição efêmera da idade e do contrato precário de tempo
determinado, não chegam a se institucionalizar na escola.
O que as pesquisas sobre o tema da violência nas escolas têm revelado?
Bernard Charlot cita como os pesquisadores franceses estabeleceram diferenças entre
violência (que fere a lei), a transgressão (que fere o regimento da instituição escolar) e a
incivilidade (que fere as regras do boa convivência). Esta categorização da violência escolar tem
o efeito positivo de colocar ordem nas idéias e hierarquizar os fenômenos, evitando que tudo
seja computado como algo que contribui da mesma forma, intensidade e conseqüência para um
quadro de violência. A busca por delimitar os fenômenos também tem como efeito positivo criar
condições para atuar com precisão sobre as causas e contribuir para diminuir a angústia pessoal
institucional de que tudo aquilo que não se coaduna com as regras é vetor construtor da
violência. Desta forma, torna-se possível distinguir indisciplina, mal comportamento e violência
propriamente dita.
É preciso evitar os perigos de se estabelecer um continuum que iria desde os pequenos
incidentes de incivilidade até os atos mais graves de violência. Veja-se a teoria da janela
quebrada que inspirou a doutrina da tolerância zero. Este evolucionismo da violência pode se
transformar no pressuposto da intolerância cotidiana no ambiente escolar.
Ambientes de violência escolar são ambientes onde a comunidade escolar vive sob
permanente tensão. Em contrapartida, aquelas escolas que lograram diminuir a violência são
aquelas cuja comunidade escolar (principalmente professores e direção) conseguiu reduzir os
focos de tensão. Uma maneira relativamente simples de diminuição dos focos de tensão é o
estabelecimento de regras claras de conduta no interior da instituição escolar. Isso não quer
dizer, necessariamente, que todos tenham de discutir todas as regras durante todo o tempo, pois
isso inviabilizaria qualquer processo de regularização do cotidiano. Mas é importante que o que
pode e o que não se pode fazer seja regra estável e que não mude ao sabor do humor das
“autoridades educacionais” e conveniência dos “donos do poder” na instituição. Em diferentes
pesquisas os jovens têm chamado atenção sobre este aspecto da clareza e estabilidade das
regras para o bom funcionamento da escola. Um exemplo disso é a proibição de fumar na
escola. A proibição de fumar no espaço público da instituição deveria ser para todos e não
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apenas para os alunos. Um professor que utiliza o telefone celular em sala de aula “perde” o
direito de sancionar seus alunos pelo uso do mesmo tipo de aparelho de comunicação.
É preciso, então, dedicar-se a atuar sobre as fontes de tensão no ambiente escolar.
Evidentemente existem fontes de tensão que escapam ao controle direto da instituição escolar.
Este é o caso de escolas situadas em territórios dominados por traficantes e milícias cujas
práticas de violência e de controle dos corpos acabam por influenciar o cotidiano escolar. O
tráfico instaura uma rede de sociabilidade e influência quase impossível de mapear e que
complexifica as interações e cria duplicidade de valores e poderes no cotidiano escolar. A
ausência do poder público nesses territórios ou sua presença corrupta através da chamada
“polícia bandida” é fator de isolamento de escolas e profissionais da educação que têm que
“negociar” suas existências em território adverso às relações institucionais democráticas. Como
ensinar alguns dos preceitos básicos da democracia e da Constituição brasileira, tais como o
direito de ir e vir e o direito de expressão, em regiões onde as regras de circulação e enunciação
são ditadas por aqueles que o psicanalista Hélio Pellegrino denominou como “os barões das
biroscas”, em artigo no Jornal do Brasil no ano de 1987, dizia ele:
Aparecem nos morros os barões das biroscas, os potentados desdentados que
caricaturam, gotescamente, os donos-da-vida cá de baixo. Os traficantes de drogas
assumem o comando das favelas, com o acumpliciamento da polícia e do conjunto da
sociedade. Há aqui uma ilustração dramática da verdade segundo a qual a ideologia da
classe dominante é a ideologia de todo o corpo social. A favela, portanto, cresce e
multiplica, ao preço de que suas lideranças fiquem nas mãos de traficantes e
delinqüentes. A ordem perversa dos morros, ao contrário do que parece, faz o jogo do
conservantismo de direita. O tráfico de drogas subsidia o mínimo conforto do morro, sem
agravamento do déficit público, aplicado às mutretas da praxe. (...) Além do mais, há
grandes traficantes de drogas que utilizam a delinqüência das favelas para manter e
expandir seus negócios. Favela não produz cocaína: de onde vem a droga?
Aliás, em meados dos anos 80 eu trabalhava num projeto de lazer pela UFRJ numa das
comunidades da Maré e presenciei (numa certa e segura distância) a perseguição de um
traficante por um bando rival. Este traficante escapou se refugiando numa escola pública que
não foi invadida em respeito ao código que conferia neutralidade ao território da escola. Nos
anos 90, outra escola na mesma região foi invadida por um bando armado que de lá retirou um
jovem para executá-lo no pátio da escola. Exemplos da escalada da violência, mas também da
perda do simbolismo e da morte do mito da instituição imune à violência do território dos bairros
populares, morros e favelas no Rio de Janeiro.
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Marilia Spósito nos lembra em seu balanço sobre as pesquisas sobre violência escolar
que nos anos 80 e 90 foram realizados importantes estudos que já anunciavam o crescimento do
impacto do predomínio do crime organizado ou do narcotráfico sobre os ambientes escolares no
Rio de Janeiro (Costa, 1993; Rodrigues;1994, Guimarães 1995; Paim, 1997, Cardia, 1997). É
preciso negar, contudo, as relações mecânicas de causa e efeito. Os ambientes empobrecidos
de bairros populares nem sempre geram violência escolar, o desemprego pode gerar
desestímulo nos estudantes e descrença em relação à escola ou pode mesmo ser fator
motivador para a dedicação aos estudos e conquista de melhores posições na disputa pelo
mercado de trabalho.
Quero chamar a atenção para os riscos de estabelecermos uma relação paranóica com
a temática da “violência escolar”.
A preocupação exacerbada com a violência escolar, com as transgressões e com as
incivilidades pode invibilizar aqueles alunos silenciosos que “não dão problema”, que não
incomodam os professores e a escola, mas também não aprendem ou têm uma má relação com
o saber, com as aprendizagens escolares, consigo mesmo ou com os outros. A instituição, além
de elogiar o silêncio e a quietude como requisitos do bom aluno, muitas vezes, omite-se da
possibilidade de mediar uma situação de violência inicialmente provocada pelo desprezo pelo
“diferente” através de práticas de mortificação simbólica do outro. Poderíamos citar vários
exemplos relacionados com a homofobia, o racismo, o sexismo, os padrões de beleza, os
preconceitos de local de moradia ou região de nascimento etc. A escola é instituição
universalista, sem dúvida, mas dentro dela habitam sujeitos diversos que precisam aprender o
ofício de ser aluno e cidadão e para isso precisam contar a contribuição da instituição e seus
agentes nesta humana e árdua tarefa de co-existir.
Gostaria de finalizar dizendo que neste quadro de discussão da violência escolar não se
pode desconsiderar as precárias condições das escolas das redes públicas e também a
ausência de projetos educativos que possam absorver novas realidades com as quais as escolas
e seus educadores têm que lidar. A escola pública no Brasil se expandiu de forma precária, não
se preparando material e humanamente para a chegada dos “novos bárbaros”. Houve a
expansão das matrículas no ensino fundamental e mais recentemente ampliou-se a presença de
jovens de camadas populares na escola de ensino médio. Novos sujeitos, novas realidades
sociais e culturais, problemas de novo tipo na escola e a conseqüente necessidade de respostas
adequadas às novas realidades e públicos. Há evidente dificuldade da instituição escola de lidar
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com as referências dos grupos de sociabilidade juvenil que se constituem fora do ambiente
escolar e cujas regras e subjetividades coletivas, por muitas vezes, entram em choque com a
disciplina e os valores da instituição. A proibição do uso do boné na escola é exemplar dessa
situação de inadequação da instituição aos novos públicos e conseqüente estabelecimento de
foco de tensão e incomunicabilidade entre diferentes sujeitos que deveriam dialogar no interior
da instituição. O boné traz em si um caráter simbólico de representação dos contextos não
escolares produtores de sentidos existenciais para jovens, não apenas de espaços populares, e
seus grupos de cultura e sociabilidade que se vêm rejeitados pela instituição, na maioria das
vezes, sem justificativas plausíveis formuladas pelos agentes institucionais.
Os choques e tensões entre alunos e entre estes e o mundo adulto têm afetado o clima
das escolas. Os professores passam, então, a se sentir permanentemente ameaçados. O aluno,
em grande medida, deixa de ser a razão de ser da instituição e passa a ser o objeto de medo
que precisa ser evitado, controlado ou afastado do convívio escolar.
O chamado problema da violência nas escolas está ancorado em fenômenos objetivos
que ocorrem no ambiente escolar. É preciso pensar que em grande medida esses fenômenos
são expressões, não apenas reflexos, de processos societários mais amplos, tais como a crise
da sociedade assalariada que tornou o desemprego estrutural, a crise do programa socializador
das instituições tradicionais da modernidade, o apelo da sociedade de consumo e aquilo que
chamei de “autoridade das mercadorias culturais” (Carrano, 2003) produzindo subjetividades
juvenis, o consumo e o tráfico de drogas dentro e fora as escolas, a facilidade com que os jovens
acessam armas de fogo, dentre outros fatores. Por outro lado, é preciso pensar nas próprias
dificuldades da instituição escolar em lidar com seus jovens públicos socializados em ambientes
de incertezas, desfiliação institucional e riscos sociais de diferentes ordens. Desta forma, as
escolas precisam não apenas se defender da violência mas abrir espaços e tempos para refletir
até que ponto estão dando respostas satisfatórias aos problemas enunciados e para se indagar
se a presença dos jovens em seus espaços faz sentido para eles e elas e também para a própria
instituição escolar.
O sociólogo e psicólogo italiano Alberto Melucci afirmou, e com ele concordo, que todas
as vezes que dissermos que temos um problema com um adolescente ou jovem devemos
pensar também que não é possível encontrar o pólo problemático num sujeito isolado. O
problema estará sempre no circuito da relação. Em outras palavras, se tenho um problema com
um aluno, não devo acreditar que é o aluno um problema, em si, mas que a nossa relação se
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tornou problemática. É neste sentido que a busca do diálogo é melhor alternativa para a
construção de relações democráticas e o destensionamento da escola. Termino com o convite
ao diálogo que a poesia de Antonio Machado nos faz em seu “método para o diálogo”. Para o
diálogo, diz o poeta espanhol, primeiro pergunte e depois escute.
Referências Bibliográficas
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