terça-feira, 19 de maio de 2009

Reflexões sobre a greve dos professores do Estado do Pará: a educação entre a formação e a deformação humana

FONTE: LISTA DE E-MAILS

Reflexões sobre a greve dos professores do Estado do Pará: a educação entre a formação e a deformação humana

A greve dos professores do estado do Pará merece uma reflexão à parte, pela simbologia dos novos tempos que ela carrega em si. Reflexo das “sombras e luzes do presente”, como diria o poeta, e das incertezas do futuro, essa greve oferece lições educacionais, éticas, políticas e civilizatórias importantes, mas também oferece uma lição de base para os professores: eles são os únicos que podem se derrotar.
Apesar de a greve vir se encorpando a cada nova manifestação, ainda é muito elevado o número de professores da rede estadual que não quer aderir à greve, mesmo ela sendo, sob todos os pontos de vista, justa, o que a torna historicamente necessária.
A maioria dos professores que não quer aderir à greve usa como argumento para justificar sua posição o seguinte: a greve não vai levar a nada, porque o governo não quer negociar, e ainda vai mandar a polícia bater e jogar spray de pimenta nos professores; estão desiludidos com o governo e com o PT; sentem que, aderindo à greve, servirão apenas de massa de manobra para pessoas oportunistas que, tal como a Ana Júlia e a galera do PT que está no poder hoje, somente usaram os movimentos sociais para se dar bem politicamente.
Impera, portanto, a desilusão, a descrença, o medo, a mágoa e o niilismo entre grande parte dos professores.
Esses dados são importantes, pois evidenciam, primeiramente, uma aterradora crise de consciência crítica entre grande parte dos professores da rede estadual. Essa consciência, necessária para a formação não de atores adaptados à sociedade, mas de sujeitos transformadores da história, é um dos mais importantes legados civilizatórios da humanidade, e se encontra altamente fragilizado entre a categoria
Neste ponto há outra questão de base: está faltando uma profunda reflexão dos professores da rede estadual de sua função não somente educacional, mas também ética, ideológica, política, civilizatória e humanitária.
A ética moderna tem como princípio básico a conduta segundo a razão. Entre os parâmetros de racionalidade estão a conduta segundo a justiça, o bem-comum, a solidariedade e a transformação histórica, esta última entendida como gradativo processo de eliminação, através do acúmulo e distribuição de ganhos humanitários, das desigualdades entre os homens, a fim de se eliminar, no horizonte histórico, os conflitos entre os mesmos. Onde está o senso de justiça, de bem-comum, de solidariedade e de transformação histórica dos professores que não aderiram à greve até agora?
Mas não somente. Não aderir, além de ameaçar esse importante ganho civilizatório da humanidade que é a greve, representa o fortalecimento da desvinculação ética, ideológica e política entre os membros dessa categoria. No limite, isso significa também fortalecer a desvinculação afetiva entre os mesmos.
Em sociologia, chama-se a essa desvinculação política, ideológica, ética e afetiva de atomismo social, algo no que os mestres do neoliberalismo investiram maciçamente a partir dos anos de 1980. Com o sucesso dessa investida, os neoliberais conseguiram esvaziar o poder de grandes contingentes da classe trabalhadora, levando a um aumento da concentração de poder nas mãos da burguesia.
Por sua vez, esse atomismo também indica o aumento dos conflitos não entre classes, mas entre indivíduos, o que não somente significa uma cegueira ou apagão da consciência histórica, mas um mergulho no estado de natureza à moda hobbesiana ou, mais claramente, na barbárie.
Outrossim, é preciso que os professores não esqueçam as suas responsabilidades civilizatórias.
Dentre outras, uma civilização se constrói através do acúmulo, distribuição e transmissão às futuras gerações de ganhos humanos: ganhos econômicos, políticos, culturais, lingüísticos, éticos, estéticos, intelectuais, existenciais etc. Não se contribui para o desenvolvimento civilizatório legando desilusões, desestímulos, mágoas e tudo aquilo que há de mais negativo dentro de nós; não se constrói civilização sobre estruturas políticas, ideologias, humanas e éticas combalidas.
Mas vai além essa questão. Apegar-se a negatividades não é sinônimo de maturidade, mas de imaturidade; o sujeito da história não é o romântico de Victor Hugo, o homem que, vendo as misérias do mundo, apega-se a essas misérias e se torna, também, um miserável; o sujeito da história é o romântico marxiano, o homem que, consciente de si, de suas responsabilidades de todos os tipos e das suas virtudes, invoca e luta para transbordar na história o que há de melhor dentro de si.
A principal função da educação é formar o ser humano. Quando nos apegamos e legamos para o futuro aquilo que há de mais negativo, estamos dando uma lição que, ao invés de formar, deforma o ser humano. O que está em jogo, acima de tudo, é a opção entre barbárie e civilização. Se não for possível conseguir grandes ganhos materiais, que não se desista dos ganhos simbólicos, subjetivos: é preciso lutar, insistir, persistir no fortalecimento destes ganhos.
Os professores que não aderiram à greve precisam fazer uma profunda reflexão das suas funções e responsabilidades éticas, civilizatórias, políticas, ideológicas, humanitárias e educacionais. Uma coisa é certa, os professores estão perdendo para si mesmos esta greve: se ao menos 90% da categoria aderir, amanhã mesmo o governo entra em negociação, com larga vantagem para os professores.

Válber Almeida – Sociólogo, professor universitário e de Sociologia do Estado

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