quinta-feira, 14 de maio de 2009

PRÉ-TESE DO CONTRAPONTO AO 51º CONGRESSO da UNE

FONTE LISTA DEE-MAILS

PRÉ-TESE DO CONTRAPONTO
AO 51º CONGRESSO da UNE
Por um movimento estudantil
democrático, autônomo e de luta!

- APRESENTAÇÃO -
Este é um convite à rebeldia. Todos os dias nos deparamos com a opressão e a
injustiça e não queremos fechar nossos olhos diante delas. Olhar para o mundo da
forma como ele é combustível que nos faz projetar a transformação, um novo mundo, e
lutar por uma nova sociedade, fundada na justiça, na solidariedade, na liberdade. Para
isso é preciso ousar: fazer dos erros, a crítica; do inconformismo, a coragem; e da
indignação, o movimento!
Esta é a primeira versão da Pré-Tese do Contraponto, coletivo de luta do movimento
estudantil, que visa dar os passos iniciais na construção de uma plataforma de
propostas para a 51º Congresso da União Nacional dos Estudantes.
Aqui estão os princípios que nos norteiam: um movimento democrático e que
transforme a realidade ao seu redor através da mobilização e da luta; de uma
educação pública, gratuita, popular, e de qualidade como pressuposto para uma
universidade crítica e transformadora, espaço de reflexão e ação; e de uma sociedade
mais humana e solidária, sem desigualdades, opressões e injustiças.
Queremos construir, em conjunto com os/as estudantes que compartilhem de nossa
indignação, um amplo debate sobre os rumos do movimento estudantil, sobre a
educação e sobre o Brasil, e como podemos nos mobilizar para transformar a realidade
do país.
Fruto desse debate, queremos nos somar a todas as mobilizações dos estudantes e do
povo, na luta por novas formas de estudar, produzir e viver, contra aqueles que querem
nos ver calados, passivos como mercadorias. Nossa pré-tese foi construída a muitas
mãos e está aberta à contribuições de coletivos regionais do movimento estudantil de
luta, CA's, DA's e estudantes que, como nós, acreditam que só a luta muda a vida.
É essa nossa tarefa. Desde já, te convidamos para fazer parte dessa caminhada!
Transformar a indignação em reflexão; a reflexão em mobilização; e a mobilização em
um mundo mais justo e livre!
Ousamos lutar, quando a regra é vender!
Vamos juntos!
CONTRAPONTO
ÍNDICE
MUNDO
Crise econômica: a falência de um modelo...............................................................3
As veias da América Latina continuam abertas........................................................4
Imperialismo, violência e controle dos recursos naturais.........................................4
A questão ambiental e a luta anticapitalista...............................................................5
BRASIL
Fortalecer a unidade popular para derrotar o neoliberalismo!.................................5
Economia brasileira: um tigre de papel......................................................................6
Uma saída à esquerda para a crise............................................................................6
Por uma política econômica distribuidora de riqueza e renda.................................7
Por Reforma Agrária e soberania alimentar..............................................................7
Defender o Meio Ambiente..........................................................................................7
Meia-entrada: democratizar o acesso à cultura.........................................................8
Direito à verdade e à justiça.....................................................................;...................8
Defender a educação pública e gratuita para todos e todas...................................8
Valorizar do Sistema Único de Saúde........................................................................9
Transporte público, gratuito e de qualidade: Passe-Livre já!...................................9
Democratizar a Comunicação...................................................................................10
Fortalecer os movimentos sociais para derrotar o neoliberalismo........................10
COMBATE ÀS OPRESSÕES
Em defesa da diversidade Sexual.............................................................................11
Igualdade racial............................................................................................................11
Mulheres na luta!......................................................................................................12
...
UNIVERSIDADE
Revolucionar a universidade.....................................................................................13
A Universidade hoje...................................................................................................14
Derrotar o REUNI .......................................................................................................14
Novo vestibular x Universalização do acesso.........................................................15
Repensar a universidade: propostas para a universidade brasileira...................15
MOVIMENTO ESTUDANTIL
A natureza da crise do movimento estudantil...........................................................19
UNE: uma entidade distante dos estudantes e das lutas.......................................19
A saída errada.............................................................................................................20
Por uma nova cultura política.....................................................................................20
Breve balanço da atual gestão..................................................................................21
Propostas.....................................................................................................................22
- MUNDO -
“Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em
pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da
lei. Meu nome é tumulto e escreve-se na pedra.”
Carlos Drummond de Andrade
Vivemos tempos de crise. Uma crise que se manifesta através de guerras, violência, fome e opressão.
Mas que, recentemente, também se revelou autofágica: a crise do capitalismo global colocou novamente
em xeque o discurso neoliberal. Mas afinal, em que consiste este discurso?
O neoliberalismo surgiu na década de 70, quando a burguesia internacional, vendo suas taxas de lucro
despencarem, elaborou uma nova estratégia: a cartilha neoliberal, cristalizada no “Consenso de
Washington”, surgiu propondo a privatização dos direitos sociais, diminuição de investimentos públicos,
criação de grandes áreas de livre-comércio, flexibilização de direitos trabalhistas e a diminuição do papel
do Estado, o chamado “Estado Mínimo”.
Desde então, seja pela via diplomática, seja pela via militar, o imperialismo avança sob a estratégia
neoliberal, cujas principais motivações são de ordem econômica: abertura de novos mercados a partir do
aprofundamento da divisão internacional da produção e do trabalho. Ao mesmo tempo, intensifica-se
brutalmente a exploração da força de trabalho no mundo. Nos países onde há sistemas de proteção
social, o neoliberalismo avança de forma voraz sobre os direitos sociais para restringi-los e eliminá-los.
Onde o Estado não cumpre seu papel, o neoliberalismo amplia de forma direta a miséria dos povos por
ele explorados.
Em qualquer território, a hegemonia neoliberal utiliza todos os métodos e instrumentos de que dispõe
para ferir a soberania e a autodeterminação dos povos e privatizar os serviços públicos mais essenciais,
levando destruição para o meio ambiente, fome, desemprego, miséria, violência e morte em escala cada
vez maior.
A crise econômica que culminou em 2008 é prova disso. Tendo como estopim a especulação imobiliária
nos EUA, ela se alastrou em pouco tempo, resultando numa crise de todo o sistema financeiro
internacional. A economia mundial a serviço dos interesses imperialistas, apostou na financeirização do
capital para maximizar seus lucros. O crescimento da riqueza financeira mundial (ações e debêntures,
títulos de dívida privados e públicos e aplicações bancárias) e o crescimento do PIB mundial são a prova
desta opção nefasta: entre 1980 e 2006, o primeiro cresceu mais de 14 vezes, enquanto o segundo não
chegou a cinco. Esta crise, portanto, é resultado do mundo desregulado e governado exclusivamente a
partir da lógica do capital.
Em todo o mundo, governos neoliberais entram e cena para socorrer os interesses capitalistas. Salvam
bancos e seguradoras com recursos públicos, jogando por terra a cantilena neoliberal enquanto
permitem demissões em massa. No Brasil, para salvar bancos e multinacionais o governo anuncia
pacotes, libera crédito e aceita passivo o aumento desenfreado do desemprego. Mais uma vez, seja nos
EUA, seja no Brasil, os poderosos e seus governos querem que o povo paga a conta pela crise...
Crise Econômica: a falência de um modelo
Mas por que se fala tanto desta crise? Ela é resultado da ciranda financeira em que se meteu o
capitalismo. O longo ciclo de descolamento entre a economia real, isto é, a produção, e o mercado
financeiro é o que está em questão. A estimativa é de que o volume de ativos financeiros em circulação
no mundo especulativo chega a dez vezes o PIB do planeta, cerca de R$ 60 trilhões.
Esta crise, por sua extensão e por afetar a maior potência financeira do mundo, já tem tido
desdobramentos diretos sobre as demais economias do planeta. As conseqüências sobre a economia
dos EUA já estão sendo sentidas, especialmente sobre a população: após a farra privada dos lucros
fáceis, o povo estadunidense pagará a conta para salvar o sistema financeiro. Os sucessivos pacotes
econômicos em todo o mundo são expressão disso. No Brasil, diante da crise financeira que atingiu o
mundo, Lula arvorou-se em defender a “solidez” da economia brasileira. Porém, o país segue com uma
enorme vulnerabilidade externa. Ela ocorre no plano produtivo, tecnológico, financeiro e monetário,
demonstrando a enorme dependência que o Brasil segue tendo diante dos mercados.
Ao mesmo tempo, há exemplos que demonstram como é possível realizar a transição do modelo falido
dos bancos e transnacionais para outro tipo de economia, menos dependente do exterior e da
especulação, valorizando o trabalho, os recursos naturais e o papel do Estado. A Venezuela foi o único
país sul-americano que não teve queda na bolsa na “segunda-feira negra”. Mesmo com uma nova queda
nas exportações do petróleo, há fatores que explicam esse fenômeno: a) o governo da Venezuela
controla os setores estratégicos da economia, evitando que estes capitais sirvam exclusivamente à
expeculação financeira internacional; b) o governo venezuelano tem uma rígida política de controle de
capitais e; c) recentemente o governo nacionalizou o Banco da Venezuela, braço venezuelano do grupo
Santander e principal banco privado daquele país.
Enquanto isso, os EUA viram, em 17 de fevereiro, Obama sancionar seu pacote de “estímulo” à
economia. Foram mais de US$ 700 bilhões destinados a tentar salvar a economia estadunidense. O
exemplo da indústria automobilística é emblemático: receberam mais US$ 40 bilhões para uma suposta
“reestruturação”. Em outras palavras usam o dinheiro público para tentar evitar a falência, mas ao
mesmo tempo não dão nenhuma garantia de manutenção do emprego (ao contrário, a General Motors
planeja demitir 47 mil trabalhadores em todo o mundo). Esta é a síntese da receita de Obama e dos
capitalistas americanos: recebem bilhões de dólares do povo para demitir trabalhadores
As veias da América Latina continuam abertas
Porém se a crise econômica é a expressão do domínio do capital financeiro sobre o planeta, é preciso
lembrar que existem outras formas de dominação ainda em vigor. Com o mesmo discurso hipócrita com
que ocupa militarmente os países no Oriente Médio, o imperialismo articula seu projeto de dominação na
América Latina baseado na desnacionalização das economias e sua abertura para as transnacionais. A
tática dos EUA é dividir o continente. De um lado, cooptam Governos com os quais fazem acordos
comerciais e militares, como México, Chile, Uruguai, Nicarágua e Brasil – inclusive garantindo a este
último o lamentável papel de liderar as tropas da ONU na ocupação do Haiti. De outro lado, perseguem
os movimentos populares e sociais que lutam por um caminho próprio para seus países, em particular as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e o Exército Zapatista de Libertação Nacional, no México;
e financiam movimentos golpistas, como na Venezuela e mais recentemente na Bolívia.
No entanto, as veias da América Latina continuam abertas. A resistência de Cuba, onde mesmo com o
afastamento do Comandante Fidel Castro, a revolução prossegue; e os êxitos dos Governos
Democrático-Populares da Venezuela, Bolívia e Equador, são provas de que o imperialismo sofre
derrotas no continente. Com graus diversos de consciência e mobilização popular, estas experiências
acusam o cansaço do povo com as forças políticas tradicionais e com o neoliberalismo e cumprem
importante papel no avanço de um pólo anti-imperialista e anti-monopolista no continente.
Nacionalização de recursos naturais e estatização de empresas estratégicas, ampliação e fortalecimento
da educação e saúde públicas, Reforma Agrária e Reforma Urbana, quebra do monopólio dos grandes
meios de comunicação. Estes e outros fatores só são possíveis com a radicalização da democracia e a
intensa mobilização popular impulsionados por projetos comprometidos com a libertação do povo da
dominação imperialista.
Imperialismo, violência e controle dos recursos naturais
Sob comando do imperialismo, guerras e ocupações militares têm sido promovidas sob a absurda
justificativa de levar a “democracia” e a “liberdade” aos países e garantir a paz ao mundo. Porém, seu
único objetivo é, na verdade, garantir os lucros da indústria bélica estadunidense e das transnacionais do
petróleo e da construção civil. Mesmo com a promessa de retirada das tropas do Iraque e redução do
contingente militar no Afeganistão, as diretrizes gerais da política imperialista dos EUA sob o comando
de Barack Obama seguem intactas. A postura do governo estadunidense diante do massacre israelense
contra os palestinos é expressão disso.
O ataque brutal das forças armadas israelenses, causou centenas de mortes, boa parte delas de
crianças e idosos, num desastre humanitário descomunal. Sem água corrente, com escasso
abastecimento de alimentos, sem calefação, confinados ao espaço da Faixa de Gaza, sem capacidade
para curar os feridos, um milhão e meio de habitantes se encontra ainda hoje numa situação
inconcebível. O bombardeio e a invasão a Gaza são o corolário do bloqueio criminoso que há três anos
cerca Gaza e que tem transformado seu território em ruínas. Enfim, destruir o povo de Gaza tem sido o
objetivo de Israel com a chancela dos EUA.
Porém, nem todos se calaram diante deste massacre. Milhares de manifestantes saíram às ruas em todo
o mundo protestando contra o genocídio palestino. Os governos da Venezuela e da Bolívia assumiram
uma atitude clara frente ao conflito. Desde o primeiro momento manifestaram apoio ao povo palestino e
expulsarem seus respectivos embaixadores israelenses, enquanto outros países, como o Brasil, apenas
condenaram os ataques como “desproporcionais”.
Porém, as investidas imperialistas sobre o mundo assumem hoje um novo papel estratégico: o controle
jurídico, econômico e militar sobre as reservas naturais e, conseqüentemente, sobre as fontes
energéticas alternativas e a biodiversidade. Essa investida ocorre em paralelo à presença de falsas
ONG’s na Amazônia, que procuram justificar sua presença em território brasileiro para fins de pesquisa e
ajuda humanitária às comunidades ribeirinhas, mas que na verdade estão “pirateando” os recursos
naturais brasileiros em benefício da indústria farmacêutica da Europa e EUA. Além disso, avança a
monopolização das novas tecnologias através do direito de “propriedade intelectual”, em particular no
campo da biotecnologia e da informática, privando parcela majoritária da população mundial de seu
usufruto, apesar das pesquisas serem financiadas, via de regra, com dinheiro público.
Ao mesmo tempo, as pesquisas em busca de alternativas ao esgotamento da atual matriz energética –
hoje baseada no petróleo – apontam para fontes de energia igualmente danosas. Os agrocombustíveis
(no Brasil chamado de “biocombustíveis”) ameaçam a soberania alimentar e reservam um futuro de
dependência do agronegócio e retomada das grandes monoculturas do século XIX.
A questão ambiental e a luta anticapitalista
O aquecimento global é a maior ameaça ao futuro do planeta. Os maiores países produtores são
responsáveis pela emissão de mais da metade dos gases e resíduos que destroem a camada de ozônio
e fazem aumentar a temperatura em escala planetária. As conseqüências já são visíveis em todo o
mundo: tsunamis, furacões, tornados, enchentes, terremotos, derretimento das geleiras e extinção de
espécies vegetais e animais. Mesmo assim, os países que mais poluem a terra, em particular os EUA e a
China, responsáveis por mais de 50% da emissão de gases poluentes sobre a atmosfera, recusam-se a
assumir os já insuficientes compromissos assinados pelos protocolos do Rio de Janeiro (1992) e de
Kioto (1999).
Isto porque, o modelo econômico vigente não tem preocupação com as questões ambientais. Ao mesmo
tempo, crescem em todos os países as manifestações, mobilizações e lutas em defesa do meio
ambiente e por uma sociedade mais consciente dos riscos da degradação ambiental e de suas
conseqüências para as gerações atuais e futuras. Porém, muitas destas lutas carecem de um
questionamento mais geral do capitalismo como responsável pela degradação ambiental.
O ecossocialismo é um debate recente e que busca não apenas sintetizar o socialismo e o
ambientalismo em uma só visão de mundo e estratégia política, mas também formular propostas
concretas que alcancem a raiz do problema ambiental, ou seja, a estrutura econômica da sociedade,
como por exemplo o desenvolvimento de fontes de energia renovável. Este é o caminho para a síntese
entre a luta ambiental e a luta anticapitalista.
- BRASIL -
“Brasil, mostra a tua cara! Quero ver quem paga pra gente ficar assim!”
Cazuza
O começo desta década foi marcado no Brasil pela grande frustração das expectativas de milhões de
brasileiros que resistiram às políticas neoliberais da década de 1990 e lutaram pela construção de um
projeto político alternativo ao desmonte do Estado e ao crescimento da exploração do trabalho. Ao
contrário dos exemplos latino-americanos que usaram da chegada ao poder para, a partir dele, conduzir
reformas estruturais, estimulando a mobilização e organização do povo, Lula e o PT tomaram o rumo da
continuidade do projeto político anterior e protagonizaram uma grande derrota das forças populares.
O resultado disso é que o poder das elites no Brasil e de sua política neoliberal, a despeito das crises
que assolam o sistema, continua forte. Através de grandes grupos econômicos, partidos conservadores,
mídia, promovendo o desmonte dos serviços públicos estatais, a criminalização da pobreza e dos
movimentos sociais, a burguesia segue no controle dos aparatos do Estado, utilizando a política como
forma de maximizar seus lucros e diminuir os riscos de suas operações.
Ao mesmo tempo, aos poucos vão sendo desvendados os mecanismos pelos quais esta política
antipopular se sustenta: os numerosos casos de corrupção mostram claramente que o governo e sua
base optaram pela política dos acordos de gabinete, ao invés da mobilização, da pressão popular e dos
instrumentos de democracia direta como os referendos, plebiscitos e leis de iniciativa popular.
Fortalecer a unidade popular para derrotar o neoliberalismo!
Mesmo assim, ainda há quem diga que no Governo Lula o neoliberalismo está embrenhado apenas no
Banco Central e no Ministério da Fazenda – ou seja, apenas na política econômica. De fato, a política
econômica do atual Governo é tão ortodoxa quanto a de FHC e Malan e sua suposta estabilidade tem
relação mais com uma conjuntura internacional favorável, que com qualquer alteração significativa dos
“fundamentos” da economia brasileira. Aliás, com a crise econômica em curso este discurso vai ruindo
pouco a pouco. No entanto, à semelhança de seu antecessor – que tentou aprovar reformas para retirar
direitos do povo e que aprovou medidas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que restringe os
recursos das área sociais – o Governo vem aplicando, para além da política econômica, medidas de
caráter estrutural (reformas e leis) que seguem fielmente a cartilha neoliberal.
Ainda no primeiro mandato de Lula, vieram as primeiras destas medidas. A Reforma da Previdência,
efetuada em 2003, taxando os inativos do serviço público, ao invés de garantir a cobrança dos grandes
sonegadores, restringiu e retirou direitos dos servidores públicos. Nesse bojo veio também a Reforma
Tributária. À semelhança da Reforma da Previdência, o Governo optou por não fazer o que deveria ter
feito – taxar as grandes fortunas e combater a sonegação fiscal – mas sim por ampliar ainda mais os
mecanismos de transferência de recursos públicos para o setor privado, seja através de isenções fiscais,
seja mantendo a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que retira direitos legais da saúde e
educação para a geração de superávit primário e os compromissos com a dívida pública. Além das
reformas, o Governo Lula, em conluio com o Congresso Nacional, vem implementando outras medidas
que implicam na transferência de recursos públicos para a iniciativa privada. São exemplos destas, a Lei
de Falências, a Lei de Parcerias Público-Privadas (PPP), dentre outras.
Economia brasileira: um tigre de papel
“Quando era o Brasil que tinha problemas, todo dia tinha banco dando palpite. Toda semana vinha uma
equipe do FMI e o coitado do Brasil quebrava. Cadê os palpites que eles estão dando agora na crise
americana? Cadê o FMI? Por que o FMI não está lá dando palpite? É porque a crise é deles (...)”
Lula, durante cerimônia de batismo da plataforma P-51, em Angra dos Reis
Infelizmente, Lula se engana ao dizer que “a crise é deles”. A atual crise econômica já tomou proporções
internacionais e os milhares de novos desempregados no Brasil são expressão disso. No Brasil, os
números falam por si: o PIB já caiu 4%, o consumo das famílias 2% e a queda dos investimentos foi de
9,6%. Desde dezembro foram mais de 750 mil novos desempregados, segundo o DIEESE. Os efeitos
imediatos foram sentidos nos setores mais vulneráveis da força de trabalho, como as mulheres, os
negros e os jovens, conforme apontaram recentemente os dados do IBGE.
Além disso, o ano começou com demissões em empresas reconhecidas e nos últimos meses se
estendeu para empresas de ponta, como foi o caso das mais de 4200 demissões na EMBRAER – que
pouco antes, recebera vultuosos recursos públicos via BNDES justamente para evitar demissões. A
Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, privatizada durante o governo FHC, demitiu desde o final do
ano passado mais de 1200 funcionários e prevê pelo menos o mesmo número de demissões nos
próximos meses e a Vale, antiga CVRD, também privatizada por FHC, após demitir mais de 1300
trabalhadores, rebaixar salários e suspender contratos de trabalho, vai distribuir R$ 5 bilhões de lucros
aos seus acionistas este ano (a empresa foi privatizada em 1997 por U$ 3,3 bilhões).
Assim, a “marola” de Lula vai se transformando num tsunami. Mas ainda há quem diga que o governo
“enfrenta a crise ao lado dos trabalhadores”, que “a economia está forte” e que “a crise ainda não chegou
com força ao Brasil”. Será? Além do número de demissões, que comprovam o impacto da crise na
economia brasileira, devemos deixar claro o papel do governo diante da turbulência do capitalismo
internacional: Lula socorre grandes grupos econômicos, garantindo a privatização dos lucros e a
socialização dos prejuízos. Isso tem acontecido através do papel do governo diante do risco de
quebradeira de setores do grande capital. A Medida Provisória 443, editada no ano passado, permite que
o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, comprem ações de empresas em dificuldades, assim
como foi feito pelo governo britânico para salvar os bancos daquele país. A compra por parte do Banco
do Brasil de 49% das ações do Banco Votorantim, dono da Aracruz Celulose (comprada por este com
recursos do BNDES), foi expressão cabal das opções do governo: ao contrário de Chavez, que
nacionalizou o Banco da Venezuela, o governo Lula compra ações para salvar os interesses de grandes
investidores sem sequer garantir controle estatal sobre estas instituições, deixando o controle das ações
com grupos privados.
Além disso, quando adota uma política de despejar recursos do Estado na economia o faz a partir da
pressão daqueles mesmos setores que tiveram altos lucros no passado e participaram da especulação
financeira. Os bancos pressionam para não pagarem os custos da crise que eles mesmos
desencadearam e são atendidos através da liberação do compulsório, da redução de impostos e da
política de juros extorsivos do Banco Central. O agronegócio pressiona e é agraciado com políticas de
proteção aos exportadores. As montadoras tiveram lucros altíssimos no passado, estão capitalizadas a
ponto de enviarem 11 bilhões de remessas de lucro ao exterior para compensar as dificuldades das
matrizes, desencadeiam demissões e férias coletivas e o governo ainda despeja recursos públicos para
salva-las: sem nenhuma contrapartida social ou garantia do emprego, Lula e Serra despejaram 8 bilhões
de reais em ajuda para as montadoras de São Paulo. Ou seja, o governo e os trabalhadores brasileiros
passaram a financiar os prejuízos das matrizes no exterior. Isso não pode continuar!
Uma saída à esquerda para a crise
A diminuição dos juros pelo Banco Central, da ordem de 1,5%, mostra quanto a ortodoxia neoliberal
comanda a política econômica do governo Lula e mantém os juros nas alturas, quando todos os países
do mundo os reduzem, entregando na prática a definição da taxa de juros nas mãos do capital
financeiro. O governo Lula não se prepara para os impactos da crise com medidas efetivas como a
queda substantiva da taxa de juros, a diminuição do superávit primário para ampliar os gastos nas áreas
sociais ou um giro na política econômica neoliberal. Ao contrário, segue trabalhando com o falso
pressuposto de que o país está mais preparado para enfrentar a crise e terá reflexos menores que as
economias capitalistas centrais. Isso faz com que o modelo econômico neoliberal seja mantido em suas
premissas principais. Assim, Lula atende às pressões dos setores dominantes para responder à crise. De
concreto só operou medidas para salvar bancos, montadoras e empreiteiras. Não protege os
trabalhadores e os mais prejudicados com a crise, que perderam seus empregos e têm seus salários
rebaixados. Além disso, corta mais de R$ 21 bilhões nos investimentos das áreas sociais para garantir a
ajuda aos capitalistas.
Por isso, é preciso defender medidas que possam amenizar os efeitos da crise, ao mesmo tempo que
possibilitem aos setores populares, questionarem fortemente o modelo econômico ainda vigente em
nosso país. Uma importante iniciativa é a instalação da CPI da Dívida Pública, proposta pelo deputado
Ivan Valente (PSOL/SP) como forma de denunciar ao povo e à opinião pública a necessidade de abrir a
caixa preta da dívida no Brasil. Os números são incontestáveis e mostram que a sangria dos recursos
nacionais continua. Em 2008, somente em juros e amortizações foram gastos R$ 282 bilhões, o que
significa 30,6% do orçamento do país. Se juntássemos tudo aquilo que foi gasto com educação (2,57%),
saúde (4,81%), habitação (0,02%) saneamento (0,05%), segurança pública (0,59%) não chegaríamos
nem a um terço do montante gasto com a dívida. Outras medidas poderiam ser adotadas, como a
garantia de estabilidade no emprego por um período determinado (por exemplo, os próximos seis
meses); a estatização das empresas que estão demitindo, a queda radical da taxa de juros e o fim da
Desvinculação de Receitas da União (DRU).
Por isso, ao contrário do que afirmam os setores majoritários na direção da UNE, não basta pedir a
cabeça do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Por tudo o que já foi dito, ele não é o único
responsável pela postura do governo Lula diante da crise. Mais do que demitir Meirelles, que através da
Medida Provisória nº 422 aprovada por Lula no fim do ano, passou a gozar de ainda mais autonomia
para salvar bancos e financeiras, é necessário denunciar o caráter conservador do governo de Lula e
seus aliados e reconstruir, a partir dos movimentos sociais do campo e da cidade um projeto popular
para o Brasil.
Por uma política econômica distribuidora de riqueza e renda
Quando assumiu a presidência da República, Lula disse ter encontrado uma “herança maldita”. De fato,
os índices econômicos eram desfavoráveis. Porém, ao invés de enfrentar a crise social e econômica,
Lula e sua equipe fizeram a opção oposta: dar continuidade para a mesma política econômica de
recessão e desemprego de FHC e Malan. Quando Lula assumiu, em janeiro de 2003, a dívida externa
correspondia a R$ 270 bilhões. Que fez o Governo diante disso? Na contramão do programa histórico
que defendeu – auditoria e realização do plebiscito oficial da dívida – Lula optou por “honrar” os
contratos às custas de um superávit primário que sangra o investimento social.
Entre as principais medidas deste segundo mandato, está o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), apresentado pelo Governo como uma medida de indução do crescimento e do emprego e
distribuição de renda. No entanto, trata-se na verdade de mais uma medida de transferência de recursos
públicos e dos trabalhadores para a iniciativa privada. O PAC reduz, através de isenções fiscais, em R$
6,6 bilhões o montante de impostos que os grandes grupos econômicos deveriam pagar. Além disso,
parte dos supostos “novos investimentos” previstos no PAC não vêm dos recursos da União, mas de
investimentos privados ou das empresas estatais, ou seja, na verdade não é a União que financia o
PAC, mas o setor privado e as empresas públicas. Portanto, na contramão da euforia governista, o PAC
não representa nenhum tipo de avanço, como evidenciou o Projeto de Transposição do Rio São
Francisco, que apesar dos protestos de Dom Luiz Cappio, virá em benefício do agronegócio e dos
grandes usineiros.
Por Reforma Agrária e soberania alimentar
Menos de 1% dos proprietários de terra detêm o equivalente a 46% das terras, dos quais uma parte
significativa são latifúndios improdutivos. Para se ter dimensão, apenas as 300 maiores propriedades
agrícolas somam uma superfície igual à soma dos territórios dos Estados de São Paulo e do Paraná! O
outro lado da moeda é a existência de 4,6 milhões de famílias camponesas que não possuem terra para
cultivar e viver.
Enquanto o Governo Lula mantém uma política voltada para o agronegócio, com créditos vultosos a
juros baixos, assistência técnica gratuita fornecida por órgãos públicos, isenções fiscais e tudo o mais
que se possa imaginar, a Reforma Agrária continua parada. O crescimento das monoculturas da soja e
do eucalipto, com linhas de crédito do BNDES são expressão dessa opção. Segundo o MST, “assim
como a política econômica do governo Lula, a política de Reforma Agrária nada tem de original e repete
os mesmos passos do governo Fernando Henrique Cardoso”.
Enquanto o Governo faz seu jogo de cena, o MST e os demais movimentos de luta pela terra seguem
firmes organizando os pobres do campo, conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para a
luta em prol da terra e da Reforma Agrária. O movimento estudantil e a UNE devem assumir como tarefa
o combate em defesa da reforma agrária, investindo em iniciativas que rompam as barreiras impostas
pela universidade, como os Estágios Interdisciplinares de Vivência (EIV's) e outras iniciativas.
Defender o Meio Ambiente
No Brasil, a questão ambiental segue sendo um dos principais temas da agenda política do país. Muitos
foram os que dedicaram-se à causa ambiental e pagaram com o preço de suas próprias vidas o desafio
de enfrentar a ganância dos poderosos.
Na contramão de zelar pela preservação do meio-ambiente, o Governo Lula oferece aos desmatadores e
especuladores todos os privilégios possíveis, seja através da Lei de Florestas - que concede por 40 anos
47% de todas as terras da Amazônia para exploração de empresas estrangeiras e desobriga o mercado
madeireiro a obedecer à legislação ambiental e fundiária - seja através da facilitação legal para o cultivo
de sementes transgênicas. A saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente foi a sinalização final
dos compromissos e prioridades do Governo Lula: o PAC e outras medidas do governo – como a
instalação das novas hidrelétricas no Rio Madeira - vão na contramão de uma política de defesa da
soberania e integridade ambiental. A UNE deve se somar às campanhas em defesa do meio ambiente e
de todos os seus biomas. Defender a natureza e seus recursos é defender a vida e as futuras gerações.
Meia-entrada: democratizar o acesso à cultura
Quando a assunto é cultura, logo nos vem à cabeça a questão da meia-entrada. Acreditamos que este
debate deve transcender a perspectiva da “política de finanças” das entidades estudantis, pois reduz a
meia-entrada a mero instrumento para a obtenção de recursos, deixando de lado o essencial, a saber, a
democratização e a valorização da cultura popular brasileira.
O direito à meia-entrada já foi vinculado única e exclusivamente à Carteira de Identificação Estudantil
(CIE) da UNE e da UBES. Tratava-se, portanto, de um monopólio. Em 2001, o Governo FHC modificou,
através de uma medida provisória, as regras do direito à meia-entrada, que desde então é – em tese –
garantido mediante a apresentação de qualquer identificação estudantil. A situação hoje é de impasse.
Enquanto UNE e UBES abandonaram a defesa do seu monopólio sobre a emissão das Carteiras que
garantem o direito à meia-entrada, defendendo agora o “monopólio das entidades estudantis” (incluindo
DCE's, CA's, Grêmios Estudantis, etc), as regulamentações locais (por meio de leis municipais e/ou
estaduais) tem encaminhado soluções à revelia dos debates hoje travados no movimento estudantil.
O novo Projeto de Lei apresentado pelo Senador Álvaro Azevedo (PSDB) prevê a reserva de um
percentual de 40% de ingressos para a meia-entrada. Uma evidente e clara tentativa de restrição deste
direito, à moda neoliberal. A proposta do Senador tem como objetivo aumentar os lucros dos
empresários, impedindo o acesso da juventude à cultura. Por isso, defendemos que o direito seja
estendido para toda a juventude, mediante a apresentação de documento oficial com foto. Essa medida
é crucial porque a grande maioria da juventude brasileira está fora da universidade e uma parte
considerável fora da escola. Defendemos ainda que o usufruto do direito dos demais estudantes seja
garantido mediante apresentação de CIE padrão fornecida pelo poder público, terminando
definitivamente com a farra das carteirinhas, obrigando as entidades que têm representatividade a
buscarem formas alternativas de financiamento.
Direito à verdade e à justiça
Todos os anos, o movimento estudantil toma as salas de aula para reescrever a história e lembrar a
Ditadura Militar que matou, perseguiu, torturou e exilou centenas de brasileiros por mais de 20 anos. A
abertura dos arquivos da Ditadura é uma bandeira histórica dos movimentos sociais brasileiros. À
semelhança do Chile, Uruguai e Argentina, onde os arquivos foram abertos e os responsáveis pelos
crimes vêm sendo punidos, o Governo Federal precisa permitir que a sociedade brasileira tome
conhecimento das atrocidades cometidas por agentes públicos durante a Ditadura, de tal forma que os
responsáveis sejam identificados, julgados e punidos. Porém, o que temos visto é um enorme silêncio
sobre o assunto. Após as declarações dos ministros Tarso Genro e Paulo Vanucchi defendendo a
revisão da Lei da Anistia para os torturadores, a reação foi forte. Desde o centro das Forças Armadas,
passando pelo próprio presidente Lula, a idéia foi amplamente rechaçada e retificada horas depois por
ambos os ministros como um infeliz “mal-entendido”. Essa, infelizmente, tem sido a postura do governo
Lula e seus ministros.
A UNE teve papel de destaque na resistência à Ditadura Militar. Por isso, a entidade tem de ser mais
firme em relação à exigência da imediata abertura dos arquivos daquela época, à revisão da Lei da
Anistia e, conseqüentemente, à defesa da punição de todos os envolvidos nos crimes de lesahumanidade,
já constatados por inúmeras organizações de direitos humanos no Brasil. A exemplo do
movimento estudantil de história, a UNE deve assumir esta pauta como prioritária. A “Caravana da
Anistia” embora válida, pouco fez para alterar esta situação. Só a pressão e a denúncia dos acordos
entre Lula e os militares pode fazer avançar a luta em defesa da verdade e da justiça;
Defender a educação pública e gratuita para todos e todas
No início de 2007, o Governo Federal divulgou o PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação. O PDE
representa uma linha de continuidade com a política educacional hegemônica no nosso país nas últimas
décadas, pois seu fio condutor é a concepção de que a principal tarefa do poder público é o de regulação
do sistema educacional, baseada em instrumentos de avaliação e exames que mensurem a
aprendizagem dos alunos e alunas, eximindo-se de sua responsabilidade como provedor da educação.
Todo o PDE está ancorado justamente na criação do IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação
Brasileira, que pondera os resultados de exames já existentes e dos indicadores de desempenho
captados pelo censo escolar. A partir da construção do IDEB, o MEC vinculará o repasse de recursos à
assinatura de compromisso dos gestores municipais com determinadas metas de melhoria dos seus
indicadores ao longo de determinado período, sem, no entanto, prover-lhes de recursos adicionais.
Em seu discurso eufórico de apresentação do PDE, Lula declarou: "Eu o anuncio como o Plano mais
abrangente já concebido neste país para melhorar a qualidade do sistema público e para promover a
abertura de oportunidades iguais em educação". Mas Lula, não sem razão, “esqueceu-se” de um outro
Plano, formulado pela sociedade brasileira: o Plano Nacional de Educação - Proposta da Sociedade
Brasileira (PNE-PSB). Diversas entidades, entre elas a UNE, são co-autoras deste Plano.
O PNE tramitou no Congresso Nacional, e sofreu inúmeras modificações, sendo a principal delas
referente ao financiamento da educação. Pela proposta das entidades, a União deveria destinar 10% do
PIB em educação por ano. Na proposta aprovada, o montante caiu para 7% do PIB. O texto aprovado
pelo Congresso sofreu vários vetos de FHC, dentre os quais o montante de recursos, que, com o veto,
ficou em 4% do PIB. Mas apesar de toda a expectativa dos movimentos de educação, que desde então
reivindicavam a derrubada dos vetos de FHC ao PNE, os vetos não só foram mantidos pelo presidente
Lula, como parece cada vez menor a chance de que derrubados na medida que o novo PNE começa a
ser discutido. O Plano tem um prazo de duração de 10 anos e como foi promulgado em 2001, o atual
expira em 2011, devendo um novo Plano ser aprovado pelo Congresso Nacional. É preciso rearticular o
movimento social de educação para essa dura batalha.
Valorizar do Sistema Único de Saúde
O SUS - Sistema Único de Saúde foi uma grande vitória da população brasileira. Nas décadas de 70 e
80, trabalhadores da saúde e movimentos sociais se organizaram para lutar pela Reforma Sanitária
Brasileira, que culminou com a criação do SUS pela constituição de 1988 e leis subseqüentes.
Se antes somente os trabalhadores que contribuíam para a previdência tinham acesso aos serviços de
atenção à saúde, com o SUS, a saúde passou a ser considerada como um direito de toda a população.
No entanto, sua implantação não acontece sem conflitos. Desde o início até os dias atuais, o SUS
enfrenta os interesses do lobby das empresas privadas que comercializam saúde (convênios, hospitais
particulares, clínicas privadas, laboratórios etc.) e, mais recentemente, vem enfrentando as tentativas de
privatização através da terceirização da gestão e de serviços.
A transferência da gestão dos serviços do Estado às Organizações Sociais (OS) vem crescendo a
passos largos. Essa forma de terceirização permite a flexibilização do contrato trabalhista e a
desorganização da rede de serviços e gestão, além de impedir o controle social do Sistema. O mesmo
acontece com a proposta de criação de Fundações Estatais de Direito Privado, que seriam responsáveis
pela gestão dos hospitais e implementação de uma lógica completamente privatista na saúde.
Em meio a todas estas dificuldades, a UNE lançou em conjunto com o Ministério da Saúde, uma
Caravana Nacional tendo a saúde como tema. A iniciativa, que poderia ser um marco no questionamento
às políticas do governo para a saúde pública, transformou-se numa Caravana “oficial”, debatendo temas
de interesse do Ministério e deixando em segundo plano o debate acerca das Fundações ou tratando
como elemento de segunda importância a defesa do SUS. Mais uma vez, a UNE assumiu a infeliz
postura de “secretaria estudantil” do governo Lula, o que justifica a decisão das Executivas e Federações
dos cursos da área da saúde de boicotarem a Caravana. Reconhecemos a proposta de uma Caravana
da Saúde como positiva, porém, criticamos a postura da UNE diante do MS na escolha dos temas e a
conseqüente perda de autonomia da entidade diante do governo também neste tema.
Transporte público, gratuito e de qualidade: Passe-Livre já!
Segundo dados do IBGE, o transporte é a terceira maior fonte de despesa entre as famílias brasileiras.
Portanto, o transporte público como condição necessária ao exercício de ir e vir, em particular nas
grande cidades, onde mais de 70% da população depende de seus serviços, deve ser assegurado a
todos e todas. Nos últimos anos, as prefeituras em conluio com as empresas de transporte, vem
aplicando sucessivos aumentos de tarifa no transporte público muito acima da inflação e da correção
salarial dos trabalhadores e trabalhadoras.
A monopolização do setor por poucas empresas faz das prefeituras e do povo reféns dos empresários,
que elevam os preços das tarifas porque a população não tem opção de não se locomover ou trabalhar,
num processo em que, ou abocanha fatia cada vez maior do orçamento das famílias, ou simplesmente
exclui um número cada vez maior de pessoas do direito ao transporte coletivo urbano.
Por isso, as mobilizações tem crescido a cada ano. Tendo especialmente os estudantes como
protagonistas, o movimento em defesa do direito ao transporte tem conquistado vitórias importantes. A
luta pela redução dos lucros dos empresários e ampliação dos direitos da maioria do povo já garantiu em
Salvador, Cuiabá ou Florianópolis – onde os estudantes após intensas mobilizações e conflitos,
conquistaram o direito ao passe-livre. Devemos ter como foco a universalização do transporte público e
gratuito, pois apenas sua estatização poderá garantir de fato o direito de ir e vir a grande maioria do
povo.
Democratizar a Comunicação
No Brasil, a mídia cumpre a tarefa de partido político das elites. É pela mídia que a direita ataca
ideologicamente os movimentos sociais. Portanto, a luta pela ampliação de direitos aos “excluídos”
passa necessariamente pelo combate à concentração dos meios de comunicação.
Recentemente, foram abertas duas grandes oportunidades para se alterar esse quadro, ambas
desperdiçadas pelo Governo Federal, que tem seus compromissos firmados e reafirmados com o
monopólio dos meios de comunicação. A primeira foi a digitalização da radiodifusão (TV e Rádio Digital),
que poderia quadruplicar o número de canais de TV disponíveis para a concessão pública, abrindo
espaço na TV para os movimentos sociais, bem como fazer com que a Internet chegasse a todas as
casas com TV (95% segundo IBGE). Mas o governo Lula optou por um modelo de TV Digital que impede
qualquer nova concessão de canal. A segunda, no dia cinco de outubro de 2007, quando se encerravam
as concessões de inúmeras redes de rádio e TV que não cumprem sua função social (entre elas, a TV
Globo). Havia um clima favorável, a partir da não renovação da concessão da RCTV na Venezuela, para
um amplo debate sobre as concessões no Brasil. Porém, o governo renovou a permissão de todas as
rádios e TV's sem qualquer debate com a sociedade. A própria UNE, embora participando da campanha
pela democratização dos meios de comunicação desde o primeiro momento, teve uma postura tímida
diante da tarefa de denunciar a política do governo Lula para o setor.
Além disso, Lula, à semelhança de seu antecessor, continua perseguindo e reprimindo as rádios e TV's
comunitárias e livres. Em apenas três anos de governo, Lula fechou mais rádios comunitárias e livres do
que FHC em oito anos de Governo! Devemos exigir mudanças nas ditas rádios e TV's públicas, que na
prática funcionam como emissoras oficiais dos governadores e prefeitos, assim como as rádios e TV's
universitárias, em relação aos reitores.
Fortalecer os movimentos sociais para derrotar o neoliberalismo
A atual conjuntura marca o fechamento de um ciclo na política brasileira e a abertura de um novo
momento, onde a esquerda procura se reorganizar. Dentro deste processo de reorganização, é essencial
haver um balanço crítico do ciclo que se esgota. É apenas olhando criticamente para o passado que se
pode avançar sem repetir os erros. Por isso, do mesmo modo que o esforço pela retomada da UNE para
as lutas passa pela construção de uma nova cultura política no movimento estudantil, também a
reorganização do campo de esquerda passa pela construção de uma nova cultura política na esquerda
brasileira cujo centro seja o trabalho de base, o fortalecimento dos movimentos sociais e a articulação de
uma ampla rede de lutadores contra o neoliberalismo.
É dentro deste esforço que surgem experiências como Fórum Nacional de Mobilização Contra as
Reformas Neoliberais, a Assembléia Popular e a própria Coordenação de Movimentos Sociais. Porém,
dentro da UNE segue vigorando uma concepção utilitária na relação com os movimentos sociais. Por
isso, a UNE segue privilegiando a CMS como único espaço de articulação junto aos movimentos sociais
organizados. Isto explica, em certa medida, o fracasso das iniciativas que a UNE tentou articular no
último ano em conjunto com outros setores organizados, visto a limitação deste espaço, criado no auge
do mensalão para defender o governo Lula.
Acreditamos que a UNE deve participar não só da CMS, mas de todas as iniciativas que questionem o
neoliberalismo, participando de lutas que possam fortalecer a luta dos trabalhadores e avançar rumo a
conquistas concretas. A participação da UNE nas mobilizações contra a crise e o desemprego no último
dia 30 de março foi uma vitória, assim como o debate que a UNE construiu em conjunto com outras
entidades estudantis, a partir da Diretoria de Movimentos Sociais durante o Fórum Social Mundial. Sem
dúvida, estas iniciativas marcam a possibilidade de derrotar a atual política da entidade para os
movimentos sociais e colocar a UNE a serviço da construção de uma ampla frente de combate ao
neoliberalismo.
- COMBATE ÀS OPRESSÕES -
“¿Quién dijo que todo está perdido? / Yo vengo a ofrecer mi corazón
Tanta sangre que se llevó el río / Yo vengo a ofrecer mi corazón”
Fito Paez
Nossa sociedade nega a pluralidade e as diferenças. Todo indivíduo oprime o outro ou é oprimido a
partir de valores que ditam paradigmas de normalidade. Aquelas e aqueles que não se adaptam são
relegadas (os) à exclusão. No cotidiano das relações humanas, modelos de raça, orientação sexual,
gênero, língua, entre outros, são impostos. É considerado normal o homem, o branco, o heterossexual, o
rico, o magro, o jovem, o nascido no Sul ou Sudeste do país. Aquele que não se enquadra neste modelo
sofre exclusão.
A Universidade e o movimento estudantil, enquanto parte desta sociedade, reproduzem tais práticas
opressoras, corroborando nos espaços de intervenção, nos discursos, na distribuição dos cargos nas
entidades e/ou fóruns acadêmicos com uma cultura machista, homofóbica e racista. Por isso, é preciso
mudar a referência para pensar a diferença, e a tarefa de forjar uma nova cultura política no movimento
estudantil envolve necessariamente o respeito à pluralidade dos sujeitos e à igualdade dentro dessa
diversidade.
Em defesa da diversidade Sexual
Apesar das relevantes conquistas – desde a aprovação de leis e sua execução pela sociedade civil
organizada em parceria com agentes públicos até a criação de Centros de Referência em favor dos
Direitos LGBTT enquanto Direitos Humanos – e do fato destas conquistas darem ao movimento um novo
ânimo para continuar lutando contra o preconceito difundido por algumas religiões e setores
conservadores em geral, o Brasil ainda traz no seu cotidiano práticas discriminatórias, como atestam os
altos índices de violência e preconceito derivados de uma sociedade machista e homofóbica. Em 2008 o
Brasil foi o campeão em assassinatos de homossexuais: foram 190 pessoas mortas por sua orientação
sexual.
Ainda não existem leis em plano Federal que, assim como a Lei Maria da Penha, combatam a violência
homofóbica, criando base legal para mecanismos que possam, além de punir, também prevenir, orientar
e proteger as vítimas de violência; que permitam a adoção de crianças por casais homossexuais; que
legalizem união civil e uma revisão dos currículos de nossas escolas e universidades acerca da
discussão de gênero e orientação sexual. Projetos de lei como o do Deputado Olavo Calheiros (PMDB/
AL), apresentado em dezembro de 2008 na Câmara dos Deputados (PL 4508/08), que visa proibir a
adoção de crianças por casais homossexuais são expressão da força do preconceito mesmo em
espaços do poder público.
A inserção dos setores organizados do movimento estudantil nesta luta é fundamental. Com a
participação da UNE e outras entidades em parceria com os grupos existentes nas universidades de
todo o país, o movimento estudantil deve promover uma ampla discussão de práticas que combatam a
homofobia em prol da livre expressão afetivo-sexual, fortalecendo o Encontro Nacional de Universitários
pela Diversidade Sexual (ENUDS) e incorporando-o ao calendário da UNE.
Igualdade racial
O Brasil é um país racista. Essa consideração, aparentemente antiquada, é cada vez mais sentida pelo
povo negro. Em meio ao próprio movimento estudantil, práticas de discriminação são comuns e são
manifestas às vezes de forma escancarada, às vezes em atitudes subliminares. Já é hora de enegrecer
a universidade e o movimento estudantil.
Nosso primeiro campo de batalha deve ser a própria universidade. Historicamente, foi negado à
população negra o direito à educação. A presença quantitativa de estudantes negros e negras na
educação superior é quase insignificante. O contingente de universitários no Brasil já é restrito, e dentro
deste pequeno universo, apenas aproximadamente 2% são negros. Existem dois projetos de lei no
congresso que versam sobre a adoção de cotas raciais, porém o Governo Lula nunca se esforçou para
que fossem aprovados. Essa é uma entre outras pautas do movimento negro que estão engavetadas.
No Brasil a opressão de classe e opressão racial estão intimamente ligadas. É essencial entender a
conexão entre ambas, o que determinará as formas assumidas pela luta travada pelo movimento negro,
integrado aos demais movimentos sociais, para garantir vitórias e a presença de cada vez mais negros e
negras dentro dos muros da universidade.
Os programas de expansão do governo Lula obedecem à lógica de “uma educação pobre para os
pobres”, enquanto a luta pelas cotas na universidade pública permanece sem resposta. A elite branca no
Brasil não aceita abrir mão do monopólio do conhecimento, como ficou demonstrado, por exemplo, nas
ações racistas quando da aprovação das cotas em 2007 na UFRGS. Nesse ponto é importante ressalta
o perfil racista do PROUNI quando em detrimento da aprovação das cotas raciais, pobres e negros são
relegados a uma educação normalmente sem qualidade, sem acesso a pesquisa e extensão e
principalmente sem garantia de permanência através de uma assistência estudantil.
Além disso, nossos parâmetros curriculares são extremamente eurocêntricos e negam a raiz africana
das ciências e a sabedoria popular forjada por séculos pelos nativos desta terra. A aprovação da
obrigatoriedade do ensino de história da África nas escolas é um avanço, mas não toca na estrutura
geral dos currículos das universidades e nem conseguiu ser efetivamente implementada.
Para concluir, longe de esgotar o debate, é preciso que o movimento estudantil se alie ao movimento
negro numa pauta extremamente importante: o extermínio da juventude negra em nosso país. No Brasil
o mapa da violência aponta que existe um genocídio em andamento. Todos os dias jovens negros são
executados sumariamente nas periferias do país e a nossa elite branca se cala diante disso. Existem
diversas articulações no movimento social negro às quais o movimento estudantil precisa se unir para
que possamos alcançar vitórias nesse campo.
Mulheres na luta!
Percebemos, no decorrer da história, que a sociedade coloca a mulher numa posição de subordinação
ao homem. Por ser uma construção histórica, podemos e devemos mudar esta sociedade machista e
patriarcal, e a luta feminista é elemento central para isso. Acreditamos que, para tanto, as mulheres
precisam se reconhecer como sujeito oprimido e se organizar: só assim o combate à opressão de gênero
será efetivado.
O Governo Lula nunca reconheceu o Movimento de Mulheres e o Movimento Feminista. O que vemos é
uma Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM) com pouco poder de intervenção tanto
no governo quanto na sociedade, uma secretaria com o mero caráter de articulação e sem orçamento
próprio.
A universidade, como um espaço de formulação, crítica e compreensão, deveria ser um instrumento
contra a opressão. Contudo, nela a opressão também é reproduzida e praticada. Devemos construir a
universidade como um lugar de disputa de hegemonia, caminhando para a superação da opressão de
gênero e todas as outras opressões. Não queremos inversão de papéis, mas a igualdade!
Dentro do Movimento Estudantil acontece o mesmo. As mulheres sofrem muitos tipos de opressão. Suas
falas e suas bandeiras de luta são desqualificadas, são usadas como “vitrines” de chapas e gestões de
entidades estudantis. Também são vistas pela maioria como mero objeto sexual, além das opressões
físicas, psicológicas e raciais que sofrem por estarem num espaço político.
As mulheres estudantes também enfrentam dificuldades de permanência na universidade, apesar de
serem maioria. As universidades que possuem moradia estudantil, nem sempre permitem o alojamento
de mulheres por alegarem falta de estrutura. A contra-reforma universitária do Governo Lula não prevê
nenhum tipo de assistência às mulheres estudantes que são mães. O Projeto de reforma universitária da
UNE, aprovado no último CONEB, até propõe a criação de creches nas universidades, porém não
apresenta uma proposta bem elaborada. Acreditamos que essas creches devem ser garantidas em
todas as instituições de ensino superior como uma política de amparo às mães estudantes e que devem
ser incorporadas à estrutura da universidade, além de terem, obrigatoriamente, recurso financeiro
suficiente para garantir toda a estrutura necessária.
Como forma de combate à opressão contra as mulheres, a UNE aprovou no CONUNE de 2003 a criação
da Diretoria de Mulheres. Porém, esta tem sofrido sob o controle de setores comprometidos com a
burocratização da entidade. Promove poucos debates e suas ações nas universidades são escassas,
agindo, essencialmente, na organização do Encontro de Mulheres Estudantes (EME), que acontecem de
dois em dois anos.
O EME é um importante espaço de debate e formulação, porém, desde sua criação, o setor que compõe
a Diretoria de Mulheres impede que sejam encaminhadas posições de crítica ao Governo Lula e à atual
direção majoritária da entidade. Todo encontro resulta em uma carta de consenso que, intencionalmente,
tende a abafar a disputa de pensamentos naquele espaço. Além disso, a carta não é acatada como
política da entidade.
No ano passado, com o lançamento da Caravana da Saúde da UNE, a direção majoritária da entidade
incentivou a realização de um plebiscito sobre o aborto nas universidades para poder, assim, definir a
posição da UNE. Cabe lembrar, entretanto, que a UNE já tem posição congressual a favor da legalização
do aborto. Porque sua direção majoritária propôs, então, a realização de um plebiscito? Para chegar a
uma conclusão diferente da que chegaram os estudantes em seu último Congresso? Acreditamos que as
mulheres tem o direito de decidir sobre seu próprio corpo, e é tarefa da UNE impulsionar todas as ações
em defesa da imediata descriminalização e a legalização do aborto já! Só com a participação ativa das
mulheres, poderemos construir um movimento estudantil combativo, feminista e plural!
- UNIVERSIDADE -
“Ou os estudantes identificam-se com o destino do seu povo, com ele sofrendo a mesma luta, ou
se dissociam dele, e dessa forma, se aliam àqueles que exploram o povo”
Florestan Fernandes
Nos últimos anos, com a ofensiva neoliberal levada a cabo através das políticas do MEC para o ensino
superior, o movimento estudantil brasileiro se dividiu. De um lado, aqueles que mantiveram as bandeiras
históricas dos estudantes brasileiros, em defesa da autonomia, da expansão com qualidade, contra a
mercantilização e a precarização. De outro, aqueles que se curvaram às “razões de Estado” e colocaram
a defesa do Governo Lula e suas políticas acima dos interesses dos estudantes brasileiros. Por isso, o
debate em torno do projeto de universidade da UNE, debatido em janeiro no Conselho de Entidades de
Base (CONEB) da UNE, em Salvador, esteve marcado por esta divisão. O Contraponto, coletivo
nacional do movimento estudantil de luta, se colocou desde sempre ao lado das bandeiras históricas dos
estudantes e da própria UNE: defesa intransigente da universidade pública, gratuita, de qualidade e que
sirva aos interesses do povo e de sua libertação.
Neste último CONEB tentamos resgatar a plataforma do movimento estudantil de luta, uma plataforma
construída em dezenas de ocupações de reitoria; na crítica ao REUNI e na luta por uma expansão de
qualidade, no questionamento do modelo existente no ensino privado; na crítica implacável à
universidade brasileira tal como a conhecemos. Agora, nossa tarefa é ainda mais importante: fazer do
51º Congresso da UNE um espaço para derrotar a postura adesista, hoje majoritária na UNE, e vitoriosa
no último CONEB, retomando as bandeiras históricas do movimento estudantil brasileiro dentro e fora da
UNE.
REVOLUCIONAR A UNIVERSIDADE BRASILEIRA
A educação é estratégica para construção de um projeto de sociedade pautado pelo combate às
desigualdades e às injustiças sociais, pelo avanço das condições materiais e culturais de vida do povo
na direção de um país mais justo e igualitário. Por isso, acreditamos que a universidade brasileira deve
se colocar a serviço deste projeto, soberano e democrático, garantindo acesso ao conhecimento e
possibilitando que este seja produzido e utilizado para o desenvolvimento das potencialidades de nosso
povo e do país.
A universidade que temos hoje é fruto de um longo processo que excluiu milhares de jovens do acesso
ao ensino superior. Até a década de oitenta, a universidade no Brasil se caracterizou pela baixa oferta de
vagas, distribuídas de forma equilibrada entre instituições públicas e privadas, tendo como conseqüência
direta um baixíssimo acesso dos jovens de 18 a 24 anos a este nível de ensino. A partir dos anos
noventa, com a implementação das políticas neoliberais de desresponsabilização do Estado para com a
garantia do ensino superior público, o fenômeno mais evidente foi o da proliferação indiscriminada de
instituições de ensino privadas. Estas políticas, que incluíram a diminuição dos investimentos públicos
nas universidades públicas, a desregulamentação do ensino pago e o aumento da presença da iniciativa
privada nas instituições públicas, tiveram como conseqüência a mercantilização do ensino superior,
mantendo a realidade excludente no acesso da maioria dos jovens à universidade.
É nessa perspectiva que se insere a luta em defesa da educação como um direito de todos e todas e
dever do Estado, protagonizada pelo movimento estudantil em conjunto com os demais segmentos dos
movimentos sociais de educação que, ao longo dos últimos 20 anos, vêm resistindo ao avanço dos
interesses privados sobre a educação superior e depositando suas energias na defesa da
universalização da universidade pública, gratuita, democrática, de boa qualidade e popular.
Ampliar as universidades públicas em cursos de qualidade, gratuitos e que não precarizem a entrada da
juventude no mercado de trabalho, possibilitando a inclusão de milhões de jovens que hoje estão
excluídos da universidade, em particular os jovens que vivem nas grandes periferias urbanas e rurais,
em sua grande maioria negros e negras, é certamente um dos principais desafios postos diante da
sociedade brasileira. No entanto, se a ampliação de vagas na universidade pública é uma prioridade, é
preciso garantir que esta expansão venha acompanhada de uma verdadeira transformação da
universidade que temos hoje. De um lado, é preciso garantir que esta expansão seja feita dentro de
determinados padrões de qualidade e a partir de uma perspectiva popular da universidade, cujo ensino,
pesquisa e extensão estejam a serviço da emancipação do povo. De outro lado, é preciso garantir a
permanência dos estudantes no decorrer do seu curso, pois a evasão ainda é altíssima nas
universidades públicas brasileiras e as políticas de assistência estudantil devem ser encaradas como
elemento central na garantia da democratização e do acesso ao ensino superior.
Hoje está em curso um processo de contra-reforma da universidade brasileira, com o objetivo de ampliar
o acesso ao ensino superior através de medidas que vão na contramão das bandeiras históricas do
movimento estudantil e do movimento educacional em geral. Expande-se vagas em cursos de curta
duração ou à distância, reduzindo currículos, atacando o tripé ensino-pesquisa-extensão, formando
“mão-de-obra” semi-especializada e sem qualquer visão crítica do mundo, criando cursos voltados
exclusivamente aos interesses do mercado e impondo às universidades públicas o cumprimento de
metas draconianas.
Soma-se a isso a privatização indireta que vem avançando sobre a universidade pública brasileira.
Contando com a omissão do poder público, a iniciativa privada vem explorando os recursos materiais e
humanos das universidades públicas brasileiras. Através do oferecimento de cursos pagos e
desenvolvimento de pesquisas operacionais, cujos resultados são direcionados para si próprio, ou seja,
para o seu lucro, o mercado têm usado a universidade como espaço privilegiado para a diminuição de
custos e garantia de excelência nas pesquisas desenvolvidas no seu interesse, ferindo a função social
da produção de conhecimento na universidade.
Para coroar este quadro, além do processo de privatização das universidades públicas, há também uma
outra privatização, mais explícita e talvez mais perversa: a proliferação, sem nenhum critério nem
controle, de instituições privadas de ensino superior. Ainda que o governo tenha negado, os dados
publicados pelo última senso do INEP não deixam dúvidas: hoje, a participação das matrículas do ensino
superior privado é equivalente ao percentual registrado no último ano do governo FHC. Ou seja, inclusive
nos números, o governo Lula mostra a continuidade das políticas neoliberais do governo anterior.
Atrelados aos interesses das mantenedoras, setores do mercado defendem como solução para o
problema do acesso à educação superior, a expansão de vagas em instituições privadas de ensino e a
cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Porém, a inadimplência e a evasão, fruto dos
valores exorbitantes das mensalidades só crescem ano a ano. Hoje, de cada 10 estudantes, que
ingressam numa instituição particular de ensino, 7 abandonam o curso porque não têm condições de se
manter, além do grande número de estudantes inadimplentes.
Mudar essa situação é possível e necessário. Portanto, é preciso lutar por uma verdadeira inversão de
prioridades no campo da educação superior: valorizar, investir e ampliar as universidades públicas
viabilizando o acesso dos jovens de baixa renda em seu interior; e regulamentar duramente as
universidades privadas, protegendo quem nela estuda e trabalha contra a lógica perversa do lucro, ao
mesmo tempo em que se proíbe a entrada do capital estrangeiro nas instituições. A conclusão, óbvia, é
que a solução para o problema do acesso à educação superior no Brasil é a expansão das universidades
públicas com qualidade, acompanhadas de políticas de ações afirmativas e ampliação da assistência.
A universidade hoje
Nos últimos anos, a reforma universitária de iniciativa do Governo Federal esteve no centro dos debates
do movimento estudantil e educacional em geral. Ao questionarmos o mérito e o método desta reforma,
o que estava em jogo era o papel que a educação superior deve cumprir na sociedade: manter o status
quo ou agir criticamente sobre a sociedade para promover verdadeiras transformações sociais.
As medidas já aprovadas pela reforma universitária do governo Lula foram: o SINAES (Sistema Nacional
de Avaliação do Ensino Superior), o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o decreto que
regulamenta a relação entre as fundações privadas ditas “de apoio” e as IFES, a Lei de Inovação
Tecnológica e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação das Universidades Federais – o REUNI.
Além destas, tramita no Congresso Nacional do PL 7200/06, o projeto de reforma universitária em si.
Boa parte de suas medidas têm sido contempladas na implementação do REUNI e vamos aprofundá-las
mais adiante.
Parte destas medidas, caminham na direção de colocar a universidade pública diretamente a serviço dos
interesses do mercado. A Lei de Inovação Tecnológica, por exemplo, coloca em xeque a função social
da pesquisa nas universidades federais, na medida em que abre os laboratórios das universidades,
cedendo seu quadro de docentes a pesquisas de interesse estritamente privado, deixando de considerar
as necessidades do desenvolvimento do conhecimento em cada região. Outro exemplo desta lógica é o
decreto que regulamenta a presença das Fundações ditas de apoio nas universidades públicas. Hoje, a
grande maioria destas fundações administra recursos adicionais, sem qualquer transparência ou controle
da comunidade acadêmica, permitindo a captação de recursos privados (tanto de empresas como
através da cobrança de taxas e semestralidades de estudantes), resultando em recorrentes denúncias
de irregularidades que comprometem a saúde financeira das universidades públicas e atacam
frontalmente sua autonomia, a exemplo de UnB e UFSM, dentre outras.
O sistema de avaliação institucional em vigor no Brasil, não garante um acompanhamento permanente e
compartilhado dos elementos que compõe a formação, permitindo a supervalorização do Exame
Nacional de Avaliação do Ensino (ENADE) e o “ranqueamento” das instituições avaliadas. Assim, o
Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), ao qual o ENADE está vinculado, embora
contenha diversos avanços em relação a outras experiências, acaba favorecendo os interesses dos
grupos privados de educação, pois estes se beneficiam dos resultados da avaliação para garantir a
manutenção de sua fatia do mercado. Todo esse processo corrobora com os interesses privados que se
beneficiam dos resultados da avaliação para garantir sua reputação no “mercado” das vagas no ensino
pago, jogando no estudante a responsabilidade por eventuais falhas em sua formação.
Além destes mecanismos, o ensino privado também tem se beneficiado da transferência de recursos
públicos que se dá através do PROUNI, que tem garantido a sobrevivência de centenas de instituições
privadas de menor porte. Estudos comprovam que, com os recursos oriundos da renúncia fiscal
realizada pelo PROUNI, seria possível aumentar em quantidade igual ou superior o número de vagas
nas universidades públicas. Por isso, é preciso repensar o papel do Estado na garantia do acesso ao
ensino superior, impedindo que sua responsabilidade seja transferida à iniciativa privada. Além disso, o
PROUNI reforça a lógica de garantir aos estudantes de origem popular um ensino de “segunda
categoria”, visto que grande parte das instituições que mais se beneficiam do PROUNI são exatamente
aquelas que não têm uma presença consolidada no mercado e, em geral, têm uma qualidade duvidosa.
Derrotar o REUNI, garantir a expansão!
Por fim, cabe uma análise mais detalhada o Plano de Expansão e Reestruturação das IFES – o REUNI.
Após as mobilizações que no final de 2007 questionaram em todo o país a proposta de expansão
apesentada pelo governo Lula, e apesar do conturbado – e muita vezes ilegítimo – processo de
aprovação dos projetos nos Conselhos Universitários, boa parte das universidades federais acabou
aderindo ao REUNI.
O movimento estudantil de luta deu sua resposta a esta medida que ataca o ensino público de qualidade:
recusou a proposta que vincula o repasse de recursos ao cumprimento de metas de produtividade; à
criação de cursos tecnológicos sem nenhuma função social; ao ataque ao tripé ensino-pesquisaextensão.
A UNE, ao contrário, aprovou resolução defendendo a “disputa” do REUNI nos autoritários
Conselhos Universitários; ainda que na prática o que vimos tenha sido a defesa intransigente do REUNI
por parte de sua direção majoritária ao lado da burocracia universitária em todo o Brasil.
Mas e agora que o REUNI foi aprovado na maioria dos Conselhos Universitários? Que podemos fazer?
Somos contra a ampliação de vagas na universidade pública? Claro que não! Mas queremos que esta
expansão se dê com qualidade e não apenas para atender aos interesses do mercado. O REUNI tem
como proposta central o aumento de recursos e a expansão da universidade sem qualidade, isto é,
mediante o cumprimento de metas que desqualificam o ensino superior. Que devemos fazer? Garantir os
recursos usando-os numa expansão de qualidade, ou seja, barrar o REUNI garantindo a expansão. Mas
isso não é contraditório? Não. Em várias universidades tem sido possível garantir que os recursos vindos
via REUNI sejam aplicados, por exemplo, em melhoria da infra-estrutura ou assistência estudantil,ou
seja, sem o cumprimento de metas draconianas a expansão deixa de ser caracterizada como REUNI.
Devemos lutar para barrar os projetos que estão na essência do REUNI: cursos tecnólogos,
bacharelados interdisciplinares, novos cursos que não cumprem qualquer função social, etc. Ou seja,
não podemos permitir que os recursos pelos quais tanto temos lutado sejam utilizados numa expansão
sem qualidade.
Ampliação de recursos sim, REUNI não!
Novo vestibular x Universalização do acesso
Mais uma vez, o MEC tem conduzido este debate de forma vertical, sem qualquer debate com as
entidades e setores representativos dos diversos segmentos envolvidos diretamente com o debate
educacional – estudantes, professores e técnicos-administrativos. Assim como aconteceu com o REUNI,
o MEC propõe adotar o modelo já em 2010 a partir da adesão dos reitores, enfiando “goela abaixo” o
novo modelo.
Para não repetir a postura vergonhosa que teve em relação ao REUNI, a UNE deveria iniciar desde já
um amplo debate sobre a democratização do acesso ao ensino superior, que passa por discutir desde o
financiamento público da educação até a reestruturação do acesso enquanto não se conquista a
universalização do acesso. Além disso, é preciso ter claro o papel que cumpre o Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM) como forma de seleção e suas insuficiências. Supondo que o ENEM, uma vez
modificado, pudesse aferir de fato menos memorização, maior capacidade analítica e, ao mesmo tempo,
comprovar domínio de conteúdos em língua portuguesa, matemática, ciências naturais e ciências
humanas e, ainda, desempenho como redator, essa reformulação teria como consequência, uma
“camuflagem” das condições de absoluta desigualdade social e econômica a que está submetida parcela
significativa da população brasileira, também pela sua origem regional, étnica, de gênero, etc.
Significa, portanto, que independente dos objetivos propostos pela modificação em debate, parece
inegável que ela não atingiria o cerne da questão, pois essa reformulação continuaria não garantindo o
acesso de todos à educação superior pública, sobretudo no caso das universidades públicas. Ou seja,
não se trabalha com a perspectiva de garantir o direito dos milhares de jovens que sonham em ter
acesso à educação superior pública.
Superar o vestibular é uma tarefa com a qual a UNE pouco tem se comprometido. Enquanto não
conquistamos a tão reivindicada universalização do acesso ao ensino superior, através do aumento de
vagas ofertadas e, consequentemente, de professores contratados via concurso público, devemos
buscar medidas capazes de reduzir as brutais desigualdades produzidas pelo atual modelo de vestibular.
Para tal, devemos aprofundar o debate sobre a adoção de políticas de ações afirmativas, sorteio público
de vagas e utilização do histórico escolar, tal como tem sido proposto por outras entidades. Sem isso,
um novo modelo de ingresso torna-se mero “factóide” para mascarar os dados vergonhosos do acesso
ao ensino superior no Brasil.
Repensar a universidade: propostas para a universidade brasileira
A tarefa que temos neste 51° CONUNE marca um novo momento no combate às políticas neoliberais na
educação. Devemos, a partir de nosso diagnóstico, propor ao conjunto dos movimentos sociais pela
educação uma nova agenda em defesa da educação pública, gratuita, democrática e de qualidade
socialmente referenciada. Apresentamos alguns elementos desta plataforma:
1. Para garantir uma universidade em condições de representar um projeto popular e soberano para o
país, é necessário garantir o Art. 124 da Constituição Federal, que compõe um dos pilares da
universidade brasileira efetivamente democrática, garantindo sua plena autonomia. Tratando de um
projeto estratégico de nação de longo prazo, o papel que a universidade cumpre é fundamental para a
construção de modelos ligados a realidade que o conjunto da população vivencia, sendo o espaço
universitário próprio à produção de conhecimento para uma nação soberana e auto-referenciada. Apesar
de quase 90% do conhecimento gerado passar pelas universidades públicas, não é possível atingir
independência administrativa, financeira e didático-pedagógica enquanto estas universidades forem
dependentes do aporte financeiro de instituições e fundações privadas, ou enquanto houver qualquer
tipo de ingerência governamental sobre elas. A autonomia universitária é uma conquista que precisa
ser reafirmada dia a dia, sendo o pilar fundamental para a efetivação de um projeto popular de
universidade.
2. Para tanto, a questão do financiamento é essencial. Hoje, um dos problemas centrais da
universidade brasileira reside precisamente nas fontes que financiam as instituições de ensino. As
opções feitas pelos sucessivos governos ao longo dos anos demonstraram o compromisso destes
projetos com a precarização do ensino superior e os ajustes fiscais impostos pela especulação financeira
e os organismos internacionais. Se, por uma lado, faz parte da lógica do ensino pago seu autofinanciamento
via cobrança de mensalidades, por outro é preciso destacar o papel que o Estado deve
cumprir na função de financiar o ensino público, garantindo a devida autonomia financeira das
instituições financiadas. Porém, nos últimos anos, tem tomado força a idéia do auto-financiamento das
universidades públicas. Assim, a autonomia financeira tem se confundido com a desresponsabilização
do Estado, fazendo com que a universidade pública tenha que buscar fontes próprias de financiamento.
É neste contexto que surgem as Fundações Privadas “ditas” de Apoio e as dezenas de convênios entre
as universidades e empresas privadas. Estas Fundações têm sido alvo de denúncias que comprovam a
presença nociva destas instituições no interior das universidades. Logo, a questão do financiamento por
parte do Estado diz respeito à garantia da autonomia financeira das IES, sem a imposição de metas ou
pré-requisitos para a alocação de recursos. É preciso problematizar o fenômeno do aumento dos
recursos das IFES nos últimos anos. Sim, o orçamento das universidade federais aumentou, porém é
preciso compreender como e em que proporção. Em números gerais, o orçamento do MEC para custeio
e manutenção do ensino superior subiu de cerca de 7,4 bilhões em 2005 para 11,6 em 2007 (já corrigida
a inflação), portanto aumento real. Para 2008, o valor aprovado no Orçamento é de cerca de 11,9 bilhões
(sendo que este valor quase nunca é utilizado integralmente). Porém, quando analisamos a participação
do ensino superior no orçamento da União, percebemos que os valores são estáveis, quando não
decrescentes. Isto é, proporcionalmente à arrecadação de impostos (que cresceu) o valor não aumentou.
Então, na verdade, o governo aumentou o volume de recursos para o ensino superior porque a
arrecadação também aumentou, mas não é verdade que tenha havido aumento do percentual de
investimentos; o MEC investe proporcionalmente o mesmo que FHC investia em 1995! Por isso, o
projeto da UNE para as universidades públicas deve passar, fundamentalmente, pelo aumento de verbas
para educação, garantindo o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação – Proposta da
Sociedade Brasileira de investimento de 10% do PIB em educação e com o fim da Desvinculação dos
Recursos da União(DRU) que retiram até 20% dos recursos garantidos pela Constituição Federal para a
educação e a crítica implacável à política de contenção de investimentos para a geração de superávit
primário do governo Lula.
3. Para garantir a efetiva autonomia da universidade e o controle social sobre seu financiamento, a
democracia é um elemento central. No contexto do processo de redemocratização do Brasil, o direito ao
sufrágio universal e direto para escolha dos nossos representantes nas diversas instâncias de poder
constitui-se num dos eixos essenciais de uma efetiva participação do conjunto da população nos rumos
de nossa sociedade. No entanto, baseada numa lógica medieval, a universidade mantém vigente uma
estrutura na qual a representação de docentes não pode ser inferior, de acordo com os resquícios
autoritários presentes em nossa legislação, a 70% no peso das decisões dos conselhos deliberativos da
universidade e no processo de consulta à reitor, enquanto estudantes e servidores juntos respondem
pelo restante. Embora regulamentada na própria LDB (Lei de Diretrizes de Base), este artigo impede um
verdadeiro envolvimento das três segmentos da comunidade nos rumos da universidade, impedindo ao
mesmo tempo a eleição direta para a reitoria das universidades e a manutenção da famigerada “lista
tríplice”. Porém, a estrutura anti-democrática hoje vigente nas universidades brasileiras passa a ser
questionada. As recentes mobilizações em universidades públicas reivindicando novas formas de
distribuição do poder entre os diversos segmentos da universidade marcam um novo momento da luta
em defesa de uma universidade democrática. Por isso, deve compor o projeto de universidade de UNE a
defesa intransigente de uma verdadeira revolução na estrutura das instituições de ensino superior, seja
nas instituições públicas, seja nas instituições privadas onde a regra é a completa falta de presença da
comunidade acadêmica nas decisões. Defendemos o controle das universidades privadas através da
imediata criação de órgãos de deliberação que contem com a participação dos diversos segmentos da
universidade, e a democratização dos órgãos das universidades públicas através da adoção da paridade
na escolha e na composição dos órgãos de direção como forma de envolver todos os segmentos da
universidade em suas decisões, sem o qual a universidade não pode expressar toda sua diversidade. Ao
mesmo tempo, a experiência da paridade em mais de 20 IFES em todo o Brasil comprova a anacronismo
da legislação em vigor e a necessidade de uma atualização da lei.
4. Além de democratizar a universidade em si, é preciso também democratizar o acesso a ela. Deve
estar no centro de nossa crítica o “funil” que anualmente impede que milhares de jovens tenham acesso
ao ensino público e de qualidade. Na defesa da democratização do acesso, devemos denunciar os
mecanismos de seleção à universidade, como o vestibular, que perpetuam uma lógica excludente e
meritocrática de acesso ao ensino superior. A situação do acesso à universidade no nosso país é uma
das piores do mundo. Apenas 2% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior público.
Enquanto na maioria dos países do nosso continente a realidade é bem diferente, como na Bolívia (um
dos países mais pobres da América Latina), onde 24% dos jovens têm acesso ao ensino superior público
e em boa parte do Continente há o livre acesso à universidade pública. Por isso, o vestibular, na
verdade, é um mecanismo que mascara a falta de investimento na ampliação da universidade pública.
Por isso, é preciso pensar formas alternativas de seleção (como o sorteio público no lugar do vestibular)
ao mesmo tempo em que lutamos pela ampliação das vagas com qualidade. Apesar do necessário
debate a ser realizado em cada universidade respeitando a autonomia das instituições, devemos
defender a implementação de políticas de acesso que possibilitem uma entrada crescente dos setores
historicamente excluídos deste nível de ensino. Defendemos a imediata adoção de políticas de ações
afirmativas como as cotas sociais e raciais. Para estes estudantes, devem ser garantidas pelo Estado
as condições para permanência através de recursos específicos para alimentação, transporte, moradia,
e demais serviços que compõem as políticas de assistência estudantil.
5. Estas políticas são um componente central na garantia da permanência dos estudantes na
universidade. O Plano Nacional de Assistência Estudantil apresentado pelo Governo Lula em 2007,
prevendo R$ 130 milhões para políticas de assistência é absolutamente insuficiente. Segundo dados do
Fórum Nacional Pró-Reitorias de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), cerca de 84% dos
estudantes das instituições públicas dependem das políticas de assistência para continuar seus estudos.
Isto acaba definitivamente com o mito de que as universidades públicas são “elitizadas”. Isto porque, o
mesmo estudo comprova que quase 50% dos estudantes das instituições federais são oriundos dos
segmentos C, D e E (com renda até R$ 900,00). Por isso, a UNE deve defender a criação de uma
Secretaria de Assistência Estudantil com recursos específicos aprovados no Orçamento da União e
gestão democrática dos recursos em cada universidade. Sem políticas de assistência estudantil não é
possível preservar a igualdade de condições durante a formação acadêmica.
6. Neste, processo, os estudantes das instituições privadas sofrem da mesma forma. Diante do
processo de privatização do ensino público e do crescimento vertiginoso do setor privado, os estudantes
se vêem uma grande encruzilhada; a pouca oferta de vagas públicas empurram quase 80% deles às
instituições particulares, fazendo com que muitos tenham que pagar por algo garantido
constitucionalmente como público, gratuito e de dever do Estado. Nas instituições privadas a realidade é
perversa: aumento abusivo das mensalidades sem garantia de qualidade na educação, pesquisa ou
extensão, ou ainda, a mínima democracia nos conselhos universitários, impedindo que estudantes,
professores e funcionários possam decidir sobre os rumos da universidade. Por isso a UNE deve propor
um conjunto de eixos claros que possam, de fato, garantir a regulamentação das universidades pagas,
como a luta por democracia interna nos órgãos colegiados, que deve ser composto de forma paritária
entre os três seguimentos, docentes, estudantes, e servidores técnicos administrativos; o
estabelecimento nas instituições particulares de Ensino Superior em seus estatutos de conselhos
superiores autônomos em relação às mantenedoras; preservação do tripé ensino-pesquisa-extensão,
garantindo verba orçamentária específica no orçamento para pesquisa, extensão e capacitação de
docentes; garantia de rematrícula dos inadimplentes, assistência estudantil e demais medidas que
devem também ser garantidas nas universidades públicas; garantia de quadro docente com dedicação
exclusiva de um terço, conforme previsto na LDB e a restrição total do capital estrangeiro no ensino
superior, tendo em vista o processo de desnacionalização da educação em curso. Nesse ínterim, a UNE
deve promover uma ampla campanha nacional contra o aumento abusivo das mensalidades.
7. Ao mesmo passo em que garantimos o acesso ao ensino superior, é preciso lutar em defesa da
qualidade destas instituições, enquanto elemento indissociável da função social da universidade. Essa
qualidade deve ser aferida pelo Estado e comunidade acadêmica, prevendo um forte controle social das
instituições privadas e públicas. Para isso, devem ser pensados mecanismos capazes de mensurar esta
qualidade respeitando as diversas realidades regionais. Portanto, a UNE deve ter como proposta para
garantir uma verdadeira avaliação institucional, o fim do Exame Nacional de Desempenho (ENADE),
preservando os avanços presentes nas recentes experiências adotadas no Brasil, como a avaliação
permanente e a avaliação externa das instituições de ensino superior, garantindo mecanismos mais
eficazes de fiscalização das instituições.
8. Quanto ao desenvolvimento de novas tecnologias e sua utilização nos processos pedagógicos,
devemos garantir que estes sejam objeto de um amplo debate do movimento educacional. Se por um
lado não é possível negar que estas tecnologias podem contribuir no acesso às fontes de informação e
na democratização de mecanismos de interação e formação, por outro é preciso evitar que estas
tecnologias substituam métodos pedagógicos essenciais à garantia de uma formação de qualidade. O
uso da internet e de outros mecanismos de interação não presencial, possibilitaram o aumento
vertiginoso do ensino à distância (EAD) que tem sido adotado em larga escala. Para um projeto
emancipatório de universidade, é necessário garantir uma formação sólida que interaja com as diversas
realidades locais, garantindo ensino pesquisa e extensão. Dentre os problemas do EAD, estão a
tendência à padronização (especialmente quando oferecido por grandes redes privadas), sem a garantia
de preservação do tripé ensino-pesquisa-extensão, acesso à políticas de apoio e garantia da interação
junto à comunidade universitária, garantindo uma formação completa. Evidentemente, não podemos
negar as novas tecnologias e seu uso na formação acadêmica. Porém, devemos combater modelos de
expansão à distância aos moldes do Universidade Aberta do Brasil (UAB), programa pelo qual o ensino
à distância tem sido implementado nas universidades públicas (Federais, Estaduais e Municipais). O
UAB é o exemplo acabado de expansão precarizada, que ataca o tripé ensino-pesquisa-extensão. Como
os cursos tem caráter semi-presencial, mas são majoritariamente desenvolvidos pela internet ou por
contatos telefônicos, tem-se a necessidade de haver uma estrutura física para cursos, os chamados
“pólos”. Geralmente estes pólos localizam-se em escolas municipais, prédios ou demais espaços
públicos (uma vez que a maioria dos cursos ofertados nos pólos surgem de convênios entre as
prefeituras e as universidades, oque não oferece qualquer garantia de manutenção dos cursos com a
alternância dos governos municipais). Nos pólos, os tutores, responsáveis pelo acompanhamento
cotidiano aos alunos, não mantém vínculos empregatícios, recebendo sua remuneração através de
bolsas, que podem ser rescindidas a qualquer momento. Por isso, é preciso combater as modalidades
integralmente não presenciais, fazendo a crítica às experiências semi-presenciais que não garantem um
efetivo acompanhamento pedagógico. Da mesma forma, um projeto de expansão da universidade
brasileira não pode ter como método prioritário, a proliferação de modalidades de ensino não
presenciais; em outras palavras, é necessário preservar o caráter complementar do ensino à distância na
formação acadêmica, garantindo uma efetiva regulamentação destas modalidades e investindo na
interiorização da universidade através da construção de novos campi, com ensino, pesquisa e extensão.
9. Acompanhando esta polêmica está a luta pela restruturação acadêmica e curricular. Devemos
avançar na formulação de novos parâmetros curriculares que coloquem a universidade a serviço do
povo, articulando a interdisciplinariedade a bases pedagógicas horizontais. Para tanto, defendemos o fim
dos departamentos em benefício de estruturas acadêmicas mais amplas. Além disso, devemos formular
novos paradigmas e métodos de ensino, rompendo com a velha fórmula unilateral “professor-aluno” de
transmissão de conhecimento, prevendo ações que permitam o intercâmbio cultural, científico, didático
entre todos os segmentos da universidade e seu entorno. Além disso, é dever do Estado garantir
recursos que possibilitem fomentar programas de intercâmbio regional, nacional e internacional entre
universidades, promovendo a troce entre saberes e culturas.
10. Em relação à produção de conhecimento, uma das lutas históricas do movimento estudantil tem sido
a preservação do tripé ensino-pesquisa-extensão. Dentre estes elementos, destaca-se, pela relevância
que assume na produção de conhecimento estratégico para o país, o tema da pesquisa. A universidade
deve ter clareza do papel da pesquisa na produção de alternativas para melhorar as condições de vida
do povo, constituindo um canal de diálogo efetivo entre a universidade e os movimentos sociais na
perspectiva de solucionarem suas demandas. A UNE deverá lutar pela ampliação de políticas de
iniciação científica e pesquisa básica com financiamento público, observando as demandas do
desenvolvimento regional e a ampliação do percentual de jovens pesquisadores. As recentes medidas
que abriram os laboratórios das universidades públicas à iniciativa privada vão na contramão da visão de
uma produção científica autônoma. A ciência, transformada em mercadoria, perde a capacidade de
transformar a realidade num sentido emancipatório, e assim, sua função social. Por isso, lutaremos pelo
fim da Lei de Inovação Tecnológica, defendendo maior autonomia dos órgãos públicos de financiamento
e garantindo a democracia na estruturação das pesquisas na universidade.
11. Junto à pesquisa e ao ensino, a extensão complementa o tripé universitário. Hoje, profundamente
desrespeitada pelo Governo Lula e pelos tubarões do ensino pago, a extensão é um elemento central
em um projeto popular de universidade. Ela é um dos elementos capazes de colocar a universidade em
contato com seu meio, a sociedade ao seu redor, ao mesmo tempo em que expressa as diferentes
experiências de aprendizado e produção de conhecimento. Infelizmente, a extensão no Brasil tem sido
tratada como política de “segunda categoria”. Os projetos de expansão das universidades públicas em
curso, seja presencial (REUNI), seja na modalidade à distância (EAD) desrespeitam solenemente o
papel da extensão. Por isso, o projeto de universidade da UNE deve ter como eixo dois elementoschave:
extensão com/para quem e recursos para a extensão. No primeiro caso, devemos defender que a
extensão, além de seu papel pedagógico, seja uma ferramenta de aproximação da universidade com o
povo e seus setores organizados. Devemos reivindicar a implantação de projetos junto aos movimentos
sociais do campo e da cidade, resgatando a função social da extensão. No segundo caso, devemos
reivindicar que as universidades garantam nos seus orçamentos, recursos específicos para projetos de
extensão, visto que em muitas instituições a extensão é tratada como uma espécie de “voluntariado”.
Sem extensão, não há formação de qualidade e a universidade não cumpre sua função social.
12. Da mesma forma, o ensino tecnológico hoje no Brasil não atende devidamente às demandas
sociais. São tratados pelos tubarões de ensino como cursos voltados para o mercado e que surgem aos
milhares com várias nomenclaturas para atrair públicos distintos. Necessita-se de uma universalização
dos cursos, baseados nas reais necessidades do povo, com garantia de uma regulamentação
profissional de qualidade. Os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET's), que desempenham
papel importante nessa área estão defasados e com a predominância de parcerias público-privadas
influenciando seu ensino. Os Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFET's), proposta do governo
para a educação tecnológica, não resolve os problemas atuais como a democratização das instituições,
a falta de verba específica para assistência estudantil, a regulamentação do ensino tecnológico,
colocando este nível de ensino em benefício de cursos de formação continuada para as empresas e a
implantação de cursos de licenciatura nos IFET's.
- MOVIMENTO ESTUDANTIL -
“Nas ruas, nas praças, quem disse que sumiu? Aqui está presente o movimento estudantil!”
Grito entoado em ocupações de reitorias de todo o Brasil
Vivemos um importante momento no movimento estudantil brasileiro. Os últimos anos, repletos de
mobilizações em todo o país, demonstraram que é possível transformar os ataques do neoliberalismo em
combustível para a luta em defesa de uma educação pública, gratuita, de qualidade e que atenda aos
interesses do povo. As diversas ocupações de reitorias e o combate ao REUNI nas universidades
federais, foram sinais importantes de que é possível garantir conquistas que façam avançar nossas
bandeiras históricas. Ao mesmo tempo, as mobilizações trouxeram à tona diversas discussões quanto
aos rumos do movimento estudantil. Quais suas características hoje? Como ele tem se organizado?
Qual sua representatividade? Em que situação estão suas entidades nacionais?
Todos reconhecemos a importância do movimento estudantil na história política do país. O momento
atual, cheio de contradições, também é produto de um processo histórico complexo. Sem entendê-lo é
impossível encontrar saídas que coloquem o movimento estudantil e a UNE de volta no caminho das
lutas.
O Contraponto propõe esta reflexão e um convite: um convite à rebeldia!
A natureza da crise do movimento estudantil
Com o avanço do neoliberalismo, a partir dos anos 1990, ingressamos num longo e ainda inacabado
período de refluxo das lutas sociais. A ofensiva do capital ao aumentar as taxas de exploração causou
um profundo impacto na organização da classe trabalhadora. Com as derrotas sofridas em inúmeras
greves durante toda a década passada, o movimento sindical não conseguiu mais enfrentar o bloqueio
jurídico-repressivo, mantendo mobilizações que, embora importantes, permanecem localizadas. As
mobilizações dos demais movimentos sociais, pouco alteraram essa correlação de forças, fazendo com
que a luta camponesa se transformasse – num país essencialmente urbano – na principal expressão de
resistência ao neoliberalismo.
Nos anos 90, o movimento estudantil, assim como grande parte dos movimentos sociais, também viveu
um refluxo de suas lutas e mobilizações. Desde o “Fora Collor”, em 1992, as entidades estudantis
nacionais pouco responderam aos ataques contra a educação pública. No mesmo período, a ofensiva
neoliberal provocou efeitos devastadores sobre a juventude brasileira. Os índices de participação política
dos jovens decresceram e a crise do movimento estudantil – que não se resume a uma “crise de direção”
– teve efeitos avassaladores, disseminando práticas e valores cada vez mais conservadores. Por isso,
disputar os rumos do movimento estudantil a partir de uma nova concepção de movimento –
democrática, radical, combativa e autônoma – é a tarefa central para superar esta situação.
UNE: uma entidade distante dos estudantes e das lutas
Qual o papel das entidades nacionais nas mobilizações dos últimos anos? Qual o papel da UNE diante
da luta contra o REUNI ou durante as ocupações de reitorias? Certamente, a ausência das entidades
nacionais à frente das mobilizações não chega a ser novidade. Porém, há elementos que exigem um
balanço mais atento à esta situação.
Em 2007 a UNE completou 70 anos. Mais do que comemorar, é preciso refletir sobre o papel desta
entidade ao longo desse período, em particular nos últimos 20 anos. O momento é oportuno para essa
reflexão. Observando sua trajetória em retrospectiva, é nítido que a UNE oscilou no decorrer desse longo
percurso entre a combatividade e o conservadorismo. Marcada por intensas idas e vindas, devemos
destacar o fato da UNE sempre ter refletido as tensões e os conflitos presentes na sociedade brasileira.
Por isso, tentando caracterizar a atual situação da UNE, saltam aos olhos dois fatos. O primeiro é o
profundo distanciamento da UNE em relação aos estudantes, de suas entidades locais, CA’s, DA’s e
DCE’s, e suas lutas. Isso passa fundamentalmente pela ausência da entidade em praticamente todas as
mobilizações e lutas travadas pelo movimento estudantil a partir das entidades locais – isso quando a
UNE não intervém contra a posição das entidades de base. O segundo fato que salta aos olhos, e que
se tornou uma marca da intervenção política da entidade, é a sua defensividade. No fundo, trata-se de
uma postura que carrega uma visão de negação do conflito em nome do “diálogo pacífico” ou do
“entendimento” com Governos e Reitorias e que com o Governo Lula tornou-se puro adesismo.
Mesmo quando a UNE aprova resoluções avançadas e que são unanimidade na sua Diretoria, a
entidade nada faz para mobilizar os estudantes. A UNE pouco tem feito diante das centenas de
mobilizações travadas espontaneamente pelos estudantes nas universidades país afora. Mesmo nas
exceções, como no apoio à ocupação da UnB, a UNE não consegue tomar para si a direção política
destas lutas, hoje diluída entre diversos setores, mas presente principalmente na oposição de esquerda
à sua direção majoritária.
Porém, o principal fator de rejeição da UNE entre os estudantes, não é resultado apenas da posição da
UNE diante dessa ou daquela medida do Governo, mas sim da total ausência da entidade de toda e
qualquer discussão e luta que os estudantes travem. E o mais absurdo é que tais mobilizações se dão,
várias vezes, por reivindicações aprovadas também nos fóruns da UNE.
A saída errada
Se é verdade que nas entidades nacionais e estaduais do movimento estudantil a correlação de forças é
hoje profundamente desfavorável – e adiante desenvolveremos os fatores para isso – também é verdade
que os setores que não abandonaram a luta contra o neoliberalismo seguem tendo expressiva
representatividade em diversos DCE’s do Brasil e em diversas Executivas e Federações de Curso, CA’s
e DA’s em todo o país. Foi em parte por conta dessa representatividade que o movimento nacionalizou
suas lutas durante as ocupações de reitoria no meio do ano e na luta contra o REUNI, no segundo
semestre. Isso fez com que um setor do movimento estudantil, defendesse a idéia de que é preciso
“romper com a UNE” e construir uma nova entidade nacional de estudantes. Este setor é representado
pela Conlute/PSTU.
Como oposição de esquerda na UNE, discordamos desta iniciativa, porque ela parte de uma análise
unilateral da crise do movimento estudantil, típica de setores da esquerda para os quais a crise do
movimento revolucionário é, em última instância, a crise da direção revolucionária. Logo, derrotando a
direção “traidora” e garantindo uma direção “revolucionária”, estará superada a crise do movimento
estudantil. Por isso, toda a atenção deve estar voltada para a denúncia da direção “traidora” e a
construção de uma nova direção. Assim, qualquer vitória (como as conquistadas nas ocupações de
reitoria, em 2007) se torna o prenúncio da “vitória final”. Esta visão, ao reduzir o problema do movimento
estudantil a uma “crise de direção”, não dá conta de responder às enormes dificuldades que temos tido
em alterar a atual correlação de forças e de observar o movimento a partir de sua realidade e não do
movimento do “faz de conta” das direções. Tal como aconteceu nos anos 60, o que determinará se a
UNE e outras entidades construídas historicamente pelos estudantes poderão ou não voltar às ruas em
defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade, é a retomada das lutas e do movimento de
base, e não a vontade de organização “A” ou “B”, que do alto de sua autoridade “decreta” que estas
entidades estão “superadas” ou em “disputa”.
Mesmo assim, cabe dizer que a confusão criada pelas iniciativas divisionistas tem como responsável não
apenas a Conlute/PSTU, mas também a direção majoritária da UNE, composta pela União da Juventude
Socialista (a juventude do PCdoB) e seus aliados: partidos tradicionalmente de direita e setores ligado ao
PT, como Kizomba e Mudança. Cada um a seu modo, cumprindo papéis diferentes, igualmente
alimentam a divisão das entidades. Os primeiros, porque operam a divisão na prática; os segundos,
porque adotam, de forma sistemática, práticas que distanciam a entidade de sua base social. As opções
feitas pelo setor majoritário no último período demonstram sua irresponsabilidade, pois elas só podem
ser encaminhadas se descerem “goela abaixo” de uma parcela significativa da base social da UNE,
como as Executivas e Federações de curso, contrárias ao REUNI. Não se trata de minimizar ou
relativizar a parcela de responsabilidade da Conlute/PSTU: estes setores efetivamente operam a divisão,
mas eles o fazem tão somente explorando um sentimento acumulado contra a entidade. Por outro lado,
setores que até 2003 estiveram na oposição às práticas da direção majoritária da UNE, hoje, por conta
da sustentação ao governo Lula e por migalhas dadas a eles na UNE, aliaram-se, formal ou tacitamente
à UJS/PCdoB, o que dificulta uma maior resistência às práticas hegemônicas no interior da UNE,
fortalecendo um movimento de cúpula, ao invés do movimento de base.
Por uma nova cultura política
O divisionismo afirma que reivindicar a UNE é o mesmo que compactuar com o imobilismo da direção
majoritária. Pelo contrário: as principais campanhas, mobilizações e lutas travadas nos últimos anos, em
âmbito nacional, estadual e local, foram organizadas exatamente pelos setores de oposição na entidade,
que são minoritários no interior de sua diretoria proporcional. Mesmo durante as mobilizações de 2007,
foi marcante a presença da oposição de esquerda em todas as ocupações de reitoria, na luta contra o
REUNI e na organização e fortalecimento da Frente de Luta Contra a Reforma Universitária do governo
Lula.
Se por um lado é certo que, à frente da entidade, os setores majoritários, sob a liderança da UJS/PCdoB
e seus aliados na direita e no PT, adotam uma política que só reforça o atual estado de coisas na UNE,
por outro lado reduzir a situação pela qual a UNE passa atualmente às iniciativas e políticas da parcela
majoritária de sua Direção é simplificar grosseiramente o debate e perder de vista aquilo que é essencial:
se a UNE encontra-se hoje burocratizada e com posturas políticas defensivas e adesistas, é preciso ver
que essa situação deve-se menos à Direção e à estrutura da entidade e muito mais a uma cultura
política que prevalece entre os estudantes brasileiros. Essa é a verdadeira raiz do problema.
O fato é que a maioria dos estudantes brasileiros tem identidade com as práticas e a política da UJS e
seus aliados, no método e no conteúdo. Seja de uma forma mais consciente e clara, seja de uma forma
mais difusa, em ambos os casos o que se vê é não só uma base social que sustenta uma maioria na
Direção da entidade como reproduz as mesmas práticas e a mesma política no âmbito local.
E não se trata de uma base social composta por estudantes deste ou daquele grupo. O presidencialismo,
a estigmatização da divergência, a “tratoragem” nas assembléias, a “conciliação” com Reitorias, estas
são, ao lado de muitas outras, práticas naturalizadas no imaginário da grande maioria dos estudantes, e
a grande maioria destes estudantes não é da UJS. É justamente essa naturalização generalizada de
certas práticas que está na raiz da atual situação da UNE.
Em termos mais claros e diretos, o motivo principal pelo qual a UNE está distante dos estudantes e das
lutas é o mesmo pelo qual vários CA’s estão distante dos estudantes, voltada apenas para integração e
festas, e alheia aos problemas do país. Entendemos que é somente fazendo este diagnóstico que
conseguiremos armar corretamente a luta contra o burocratismo no movimento estudantil. A luta só surte
efeito quando se combate os problemas pela sua raiz.
A presença e a atuação dos setores de oposição na UNE têm sido muito importantes na resistência ao
aparelhamento e ao encastelamento da entidade. São os setores de oposição na Diretoria da entidade
que, ao lado das entidades de base, das Executivas e Federações de Curso e mesmo de setores que
saíram da UNE, vêm puxando as mais importantes lutas dos últimos anos.
Defender uma nova cultura política no movimento estudantil significa disputar valores diferentes,
construindo uma contra-hegemonia, mesmo que de longo prazo. Hoje, esta nova cultura política de
movimento poderia ser sintetizada na luta por um movimento estudantil:
a) autônomo,
b) radicalmente democrático,
c) combativo
d) plural,
e) de base.
Além disso, também é tarefa desta nova forma de movimento, dar expressão de massas no âmbito do
ME a pautas consideradas transversais, tais como a luta feminista e anti-sexista e a luta anti-racista e por
ações afirmativas.
O que almejamos é a disputa de valores e práticas. A UNE é um termômetro dessa disputa. Enquanto
prevalecer na base uma cultura política conservadora, a UNE continuará sendo uma entidade dirigida
por práticas e posturas conservadoras. E, na medida em que os valores da democracia e da
combatividade ganharem força no imaginário e na prática política da juventude, essa força poderá se
expressar também na UNE. Em outras palavras, o que determinará se a UNE pode ou não voltar a ser
um instrumento das lutas é o resultado de uma disputa muito mais complexa, e não o “decreto” desta ou
daquela organização.
Breve balanço da atual gestão
A atual gestão (2007-2009) manteve a mesma correlação de forças da gestão anterior. A UJS/PCdoB,
aliada a outros setores governistas como Kizomba, Mutirão e Mudança, segue mantendo uma maioria
confortável. Mesmo assim, tem sido possível a oposição dar combate a algumas iniciativas que colocam
a UNE na contramão das bandeiras históricas do movimento estudantil de luta.
A atual gestão tem perdido grandes oportunidades de colocar a UNE ao lado dos setores combativos do
movimento estudantil na defesa de suas pautas históricas. Assim foi na aprovação do REUNI no final de
2007. A direção da UNE, ao invés de se colocar ao lado dos estudantes das universidades federais em
defesa de uma expansão de qualidade, optou por negociar junto aos autoritários Conselhos
Universitários. No caso da UFRJ, os setores da direção majoritária UNE se colocaram na infeliz condição
de “guardas” da reitoria contra os estudantes que questionavam o REUNI. Na UFRGS, organizaram uma
vigília pela “aprovação do REUNI” (contra a própria resolução da UNE que defendia a “disputa” do
projeto nos Conselhos Universitário, e não sua defesa intransigente!).
Mas, infelizmente, este não foi o único episódio em que a direção majoritária abdicou da crítica às
posições conservadoras do governo em favor de sua defesa. O episódio envolvendo o Plebiscito da
Vale, quando a UNE se colocou contra a proposta do MST de inclusão de perguntas que questionassem
os rumos gerais do governo Lula, também é emblemático. Na prática, a UNE assumiu uma posição na
contramão dos movimentos sociais mais combativos e autônomos. Na UnB, contra as resoluções
congressuais da UNE, a direção majoritária defendeu primeiramente a “regulamentação” das fundações
ditas “de apoio”, para só depois, defender a extinção destas fundações, conforme aprovado por
consenso no 50º CONUNE.
A campanha pela reforma política impulsionada pela UNE, embora positiva, simplesmente não dá
qualquer importância a um tema central da atual conjuntura política: a corrupção. Lançada em meio ao
escândalo envolvendo o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, o manifesto da campanha sequer
tratou do assunto. Na prática, trata-se de negar que a base dos escândalos de corrupção está nas
alianças espúrias feitas pelos governo Lula, afirmando que o problema é “estrutural” e que só uma
reforma política pode resolver o problema. Mais uma vez a direção majoritária da UNE, em nome da
defesa do governo Lula, abriu mão de enfrentar de forma progressista um tema central que mobilizava
amplos setores da sociedade, e não teve iniciativa e vontade política para tratar deste tema.
O episódio mais recente deste “institucionalismo” está relacionado à reconstrução da sede histórica da
UNE. Definida pela direção majoritária como a “prioridade da gestão”, a reconstrução do prédio da Praia
do Flamengo 132, destruída pela Ditadura Militar, é uma bandeira mesmo dos setores da oposição.
Cobrar do Estado brasileiro a responsabilidade pelo crime cometido com a destruição do prédio da UNE
é um consenso entre todos na UNE. Porém, a energia dispensada pela direção da entidade, com
jantares, campanhas, ações na mídia (incluindo a TV Globo), pressão de ministros e parlamentares, não
condiz com a história de lutas da UNE.
O anúncio da reconstrução da sede, feito por Lula durante um ato público realizado no terreno da Praia
do Flamengo, apenas marca mais um capítulo desta novela. Mesmo antes da aprovação do projeto de
lei que reconhece a responsabilidade do Estado na destruição da sede e prevê recursos (até R$ 30
milhões) para sua reconstrução, a direção majoritária já se movimenta para garantir o controle de todo o
processo. Defendemos a maior transparência na gestão destes recursos. Para isso, propomos que a
UNE assuma para critério em todos os contratos a Lei de Licitações. Embora não seja uma obrigação,
acreditamos que assim, evitaremos possíveis desgastes à entidade e garantiremos uma gestão mais
transparente dos milhões de reais que virão com a aprovação do PL que tramita no Congresso Nacional.
Os ataques sofridos pela UNE na grande imprensa também tem a ver com a falta de transparência da
entidade no trato dos seus recursos. As prestações de contas são apresentadas da noite para o dia, sem
qualquer debate prévio. Da mesma forma, a alocação dos recursos oriundos, seja do financiamento
públicos aos projetos da entidade, seja das carteirinhas, não são fruto de qualquer debate mais
aprofundado nos fóruns da entidade. Por isso, propomos:
a) Contribuição voluntária – Porque direito conquistado não se paga!
Devemos negar veementemente o modelo da contribuição compulsória via esquema das carteirinhas. A
história tem mostrado que a “carteirização” da UNE só contribuiu para afastá-la mais ainda do cotidiano
dos estudantes. Daí para a burocratização foi um passo. Criaram-se entidades com mega-estruturas
desprovidas de sujeitos, grandes máquinas com enorme arrecadação financeira mas sem nenhum poder
de mobilização e representatividade. Por isso, reivindicamos a adoção de contribuição voluntária, não só
na UNE, mas em todas as entidades do ME. Esta medida tem por objetivo garantir a autonomia política
da entidade, que deve ser baseada na sua representação e na participação, forjada nas lutas.
b) Eleições diretas para a diretoria da UNE – Nós não abrimos mão!
A organização de eleições diretas para a diretoria da UNE impulsionará uma aproximação entre a
entidade e seus representados, estimulando a ampliação da participação dos estudantes na definição
dos rumos de sua entidade representativa. A atual estrutura de eleição de delegados por universidade já
possibilita a adoção de eleições diretas para a diretoria da entidade.
A proposta de eleições diretas não visa acabar com o Congresso. Compreendemos que o espaço para
definição da política da UNE continua sendo o Congresso, que é o que tem maior potencial para que o
estudante, a luz das demandas de seu próprio curso, possa ampliar seus horizontes com o debate
político nacional e interferir de forma decisiva nos rumos da UNE.
c) Democracia interna: proporcionalidade na diretoria e pluralidade na comunicação
A UNE precisa representar as várias idéias e correntes de pensamento existentes dentro do ME,
atuando como uma “frente única” de todas as posições políticas. Por isso, a diretoria da UNE deve ser
eleita proporcionalmente aos votos obtidos por cada chapa, bem como se organizar de forma colegiada,
sem hierarquia entre os seus diretores.
É necessário também que essa pluralidade seja representada na comunicação da entidade. Os veículos
de comunicação da UNE não podem fingir que a entidade é monolítica. Todos/as foram eleitos/as para,
igualmente, participarem da construção da entidade e, por isso, têm o direito de expor sua opinião sobre
quais caminhos a UNE deve seguir.
d) Transparência nas contas. Demonstrativo detalhado de receitas e despesas mensal.
As finanças da UNE não podem continuar sendo um mistério. Reivindicamos que a UNE apresente
mensalmente demonstrativo detalhado de receitas e despesas, as quais devem ser fiscalizadas por um
Conselho Fiscal eleito no Congresso da entidade. Além disso, é preciso que as contas da entidade
sejam disponibilizadas pelo sitio na internet e os investimentos sejam fruto de um planejamento
amplamente debatido por seus fóruns.
e) Federalização a UNE: ousadia e compromisso com a história da UNE e do ME
O Brasil é um país gigantesco. Por isso, sabemos da necessidade da articulação estadual dos
estudantes. Contudo, os desafios que estão colocados na atual conjuntura e o papel que as entidades
estaduais vem cumprindo demonstram que as UEE´s não tem dado conta de enfrentá-los. Por um lado,
porque não existe vontade política de suas direções majoritárias em fazer com que essas entidades
tenham um papel de luta; por outro, por conta de sua baixo ou quase nenhuma referencial político e
social. Nesse sentido, propomos a federalização da UNE, impulsionando a organização das UNE's
estaduais e a democratização dos seus fóruns. Isso não se chocaria com a existência das UEE's – que
tem sua autonomia, independente da UNE – e ainda aproximaria a UNE da realidade dos estudantes em
cada estado, acabando com a idéia de que a entidade deve se voltar apenas para pautas nacionais.
contraponto

Nenhum comentário: