TRABALHO DE FINAL DE CURSO: O EPISÓDIO DO PAVILHÃO Fb-2:DITADURA MILITAR E MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UFPA (1964 – 1980).
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
LUCIANO ANTONIO DA CRUZ BRITO
O EPISÓDIO DO PAVILHÃO Fb-2:
DITADURA MILITAR E MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UFPA (1964 – 1980).
BELÉM-PA
2005
LUCIANO ANTONIO DA CRUZ BRITO
O EPISÓDIO DO PAVILHÃO Fb-2:
DITADURA MILITAR E MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UFPA (1964 – 1980).
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado ao Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA, como requisito para obtenção do grau de Licenciatura e Bacharelado do curso de História.
Prof. Dr. Edilza Joana Oliveira Fontes.
BELÉM-PA
2004
A Antonio da Cunha Brito, meu pai, por sua vida e luta.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em especial, a duas formidáveis negras: a minha negra mãe, Orlandina Cruz Brito, e a minha negra amiga e companheira, Lilia Tatiana de Barros Vieira, que me apoiaram, incansavelmente, durante toda minha Graduação.
Agradeço também a minha família, principalmente, meus irmãos Lúcia, Lucivaldo, Lucy, Gilmar, Gilberto e, meu primo, Jurandir, que foram compreensíveis e solidários companheiros do dia-a-dia.
Quero agradecer também aos meus colegas de curso e a todos aqueles que partilharam na UFPA momentos exaustivos de discussões em sala de aula, no Centro Acadêmico de História (CAHIS) e no Diretório Central dos Estudantes (DCE).
Agradeço, com muito orgulho, também aos freqüentadores da “beira-do-rio” da Universidade Federal do Pará. Ali, onde muitos, extasiados pela exuberância de sua brisa, passam momentos oportunos de discussões, entretenimento e lazer. Sem esses encontros meu objeto de trabalho talvez fosse outra perspectiva por mim assumida.
Agradeço ao Núcleo de Produção Cultural (NPC), pelos momentos que confabulamos na construção do Projeto de Reforma e Revitalização da Galeria e Atelier César Moraes Leite, do próprio Vadião, cuja captação de recursos se deu através da Emenda Parlamentar do Deputado Federal João Batista Babá.
Agradeço a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH) pela disponibilidade dos poucos jornais Resistência que lhe restaram depois do incêndio ocorrido no final do Regime Militar.
Agradeço ao professor Alexandre Cunha, antropólogo, que dispôs de seu arquivo pessoal do jornal Resistência e possibilitou uma pesquisa complementar. Sem o mesmo não seria possível a realização desta pesquisa de forma mais aprofundada.
Também agradeço a minha amiga Lucilene Baia, que faz o curso de Letras nesta universidade, por seu dedicado apoio na formatação deste trabalho conforme exige as regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas.
Agradeço ao Samuel Campos, professor do Curso de Mestrado em Letras da UFPA, por suas contribuições no desenvolvimento deste trabalho.
Agradeço também a minha orientadora, professora Dra. Edilza Joana Oliveira Fontes (Historiadora), primeira presidente do DCE-UFPA, em 1981, eleita pelo voto direto dos estudantes, por seu sincero apoio e pela força constante, que me incentivaram nesta temática.
Um agradecimento, muito especial, para a família de César, a Sandra Moraes Leite (irmã) e a Helena Moraes Leite (mãe), sem as quais essa pesquisa talvez não se fizesse realidade.
O presente trabalho não seria possível sem a contribuição de várias pessoas. Portanto agradeço a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente com a construção desse texto.
“O guarda passa
o guarda-roupa
naturalmente guarda
a minha roupa
o quarda passa
passa
a minha roupa
o guarda passa
na galeria
o guarda passa
tirando retrato
no lambe-lambe
da rua
um guarda e um guarda
dum circo
ou do banco
central
guarda guarda
nem te guarda”
(Milton Gaivota, poeta homenageado no livro Glóbulos Negros editado pelo DCE/UFPa, 1995, poema escrito em 1988, durante ocupação da Galeria César Moraes Leite)
RESUMO
Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), sobre O Episódio do Pavilhão Fb-2, é fruto de um trabalho de pesquisa etnográfico-histórica que buscou, de um lado, desnaturalizar a política da ditadura militar no Brasil, principalmente, sua faceta autoritária diante dos movimentos de oposição estudantil, e, de outro lado, trazer ao debate acadêmico o episódio que levou à morte do estudante de Engenharia Elétrica César Moraes Leite no Campus da UFPa (Guamá). A partir deste episódio, nos propusemos a discutir a história da repressão ao movimento estudantil na UFPa, durante a Ditadura Militar, que gerou perdas consideráveis, como o fato histórico focalizado neste texto. Para desenvolver esta discussão, nos embasamos em estudos sobre a pesquisa em história, em especial, sobre a abertura de arquivos, uma vez que permitiria resgatar o contexto da repressão ao movimento estudantil, durante a Ditadura Militar no Brasil, a morte de César Moraes Leite e os principais acontecimentos que marcaram o desenrolar do episódio. Porem, essa tarefa segue a ser cumprida: os arquivos seguem fechados. Em nossa pesquisa de campo (depoimentos, entrevistas, coleta de documentos, textos jornalísticos da época), nos orientamos pelos pressupostos da etnografia, com intuito de gerar dados, informações, expressões da história e vozes sociais que possam contribuir para as discussões teóricas sobre determinado assunto.
SUMÁRIO
RESUMO 06
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
A Pesquisa em História e a Abertura dos Arquivos da Ditadura 11
CAPÍTULO II
O Máximo de Governo e o Mínimo de Oposição 17
CAPÍTULO III
O Episódio do Pavilhão Fb-2: Momentos Inesquecíveis 26
· A Morte 26
· O enterro 29
· O Ato Ecumênico: culto, procissão e as manifestações em repúdio à
Ditadura Militar na UFPa 30
· As repercussões da morte de César Moraes Leite 32
Capítulo IV
A Ditadura é acidental? 35
Conclusão 44
Referências 47
Anexos 48
INTRODUÇÃO
O Episódio do Pavilhão Fb-2: Ditadura Militar e Movimento Estudantil na UFPA (1964 – 1980) é um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado ao Departamento de História da UFPA para obtenção do título de graduação em Licenciatura e Bacharelado em História, que tenta trazer a tona o episódio que levou a morte de César Moraes Leite analisando o contexto de repressão ao movimento estudantil universitário durante a Ditadura Militar.
Este trabalho é uma pesquisa etnográfico-histórica que pretende analisar o contexto em que ocorreu a morte de César, tratado aqui como o Episódio do Pavilhão Fb-2. O trabalho de campo foi feito com fontes jornalísticas da grande imprensa, descrita nos jornais A Província do Pará e O Liberal; com a imprensa alternativa, nas publicações do jornal Resistência da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH); com documentos da legislação militar; e com depoimentos e entrevistas de sujeitos participantes do período de 1964 a 1980, recorte que nos propomos estudar.
O trabalho procura levantar problemas para a historiografia paraense. Problemas sobre direitos políticos e liberdades de organização dentro das universidades brasileiras que com o golpe militar foram interrompidos com a violência do Estado. Em função de ser uma pesquisa de uma história recente, o trabalho também se limitou pelo debate sobre a “abertura dos arquivos”, haja visto que os documentos oficiais gerados por esses órgão de segurança e informação, muito poderiam contribuir com a elucidação de particularidades do cotidiano da repressão em Belém.
Ao trabalhar com as fontes, procuramos explora-las expondo os documentos sem muita interferência para depois elucida-los numa abordagem contextual de nosso recorte. Contudo, a abordagem contextual foi valorizada a partir de uma narrativa antropológica do objeto como um fenômeno sócio-político.
A pesquisa divide-se em quatro breves capítulos: A Pesquisa em História e a Abertura dos Arquivos da Ditadura; O máximo de governo e o mínimo de oposição; O Episódio do Pavilhão FB-2: momentos inesquecíveis; e A ditadura é acidental?
Realiza-se, no Capítulo I – A Pesquisa em História e a Abertura dos Arquivos da Ditadura, uma discussão da importância da “abertura dos arquivos militares” para a realização de uma pesquisa etnográfico-histórica com objetivo de elucidar as ações dos “Órgãos Setoriais” da “polícia política” do Estado na repressão ao movimento estudantil universitário em Belém. A pesquisa, neste capítulo, apresenta a formação da estrutura “policial-burocrática-totalitária” promovida pelos altos comandos militares para realização de serviços de “informação” e “contra-informação” e analisa-se a violência política gerada pelas operações policiais do Regime. Com esse objetivo, usa-se depoimentos de representantes das entidades estudantis e de militares de órgãos do governo que vivenciaram esse contexto.
No Capítulo II – O máximo de governo e o mínimo de oposição – a pesquisa concentrou sua atenção principalmente na discussão bibliográfica com o objetivo de trazer a tona o contexto da repressão política ao movimento estudantil universitário durante a ditadura. Preocupou-se nesta parte da pesquisa em abordar a forma como se “tolerava” as ações da polícia política e da repressão ao estudantil nos "ambientes de ensino" brasileiro.
Neste capítulo, trabalhamos o momento do golpe militar no Brasil e em Belém, com ênfase as intervenções na UNE e na UAP; à morte de Edson Luiz no Rio de Janeiro em 1968; e, partindo-se de uma análise política da legislação militar em vigor, estudamos as ações da repressão ditadas pela Lei Nº 4.464, conhecida como lei Suplicy de Lacerda; pelo AI-5; pelo Decreto-lei nº 477; e pela ASI (Assessoria de Segurança e Informação).
No Capítulo III, em que buscamos discutir O Episódio do Pavilhão Fb-2: momentos inesquecíveis, preocupamo-nos em levantar uma espécie de coletânea dos relevantes acontecimentos que vão da morte de César ao Ato Ecumênico. A pesquisa preocupou-se com a exposição do que refletia dos jornais Resistência, A província do Pará e de O Liberal.
Para melhor sistematização deste capítulo, achamos melhor dividi-lo em quatro temáticas: A morte; O enterro; O ato ecumênico; e, por fim, As repercussões da morte de César Moraes Leite, onde expomos o clima de espanto e repúdio que envolveu e sublevou a comunidade universitária, e principalmente o movimento estudantil, às ruas de Belém.
Por fim, no Capítulo IV – A ditadura é acidental? – trabalhamos um confronto entre as duas visões sobre o episódio que levou a vida de César: a polêmica visão factual de “acidente” aceita principalmente pelos órgãos governamentais e muito ressaltada pela grande imprensa (O Liberal e A Província do Pará); e, a visão contextual e crítica de uma morte de responsabilidade do Regime Militar, defendida clamorosamente expressada nas manchetes da imprensa alternativa (jornal Resistência).
Por meio de fontes jornalísticas, de documentos jurídicos oficiais, depoimentos e de uma bibliografia não muito despeça, preocupou-se em expor: o debate sobre a “abertura dos arquivos” e sua importância para a consolidação de um trabalho mais consistente sobre a ditadura em Belém; a repressão ao movimento estudantil; a morte de César Moraes Leite e os principais acontecimentos que entendemos como Episódio; e, por ultimo, as considerações finais sobre o Episódio, quando discutimos a “fatalidade” do “acidente”.
A pesquisa preocupou-se em manter uma certa autenticidade usando nos títulos do segundo e do quarto capítulo manchetes usadas em matérias retiradas da publicação do jornal O Liberal e do jornal Resistência.
Por entender que o estudo sobre a morte de César Moraes Leite é um estudo pioneiro sobre a Ditadura Militar na UFPa, sustentamos a idéia de que a pesquisa que realizamos abre um caminho para futuros trabalhos que poderão utilizar outros mais tipos de fontes, como as orais, num estudo mais aprofundado sobre a história do DCE da UFPA e da repressão no Campus.
CAPÍTULO I
A pesquisa em História e a abertura dos arquivos da Ditadura.
Os estudos sobre a repressão política durante o Regime Militar em Belém ainda são insuficientes. Seja pela ausência de fontes esperando pela tão protelada “abertura dos arquivos da ditadura”, ou pela falta de pesquisa sobre a ditadura militar, referente ao período de 1964 a 1985.
A pesquisa em história no âmbito da ditadura militar, realizadas a partir de documentos oficiais, principalmente daqueles procedentes de órgãos do governo envolvidos diretamente com a repressão às organizações de esquerda, tem nos mostrado detalhes de uma história da repressão que jamais poderiam ser vistas sem o auxílio dos mesmos. Tal pesquisa, para uma melhor e mais rica elucidação requer uma diversificação das fontes trabalhadas num estudo contextualizado.
Narrar a história de um povo a partir apenas do tempo presente, tempo fragmentado, direcionado, ‘instante fugidio tido como único tempo real’, é negar a articulação de épocas e situações diferentes, o simultâneo, o tempo da história e o pensamento do tempo. [1]
É necessário, para isso, que se faça um estudo sobre a amplitude da violência política realizada pelo Estado durante a ditadura militar e que alcance o cotidiano das ações dos órgãos da repressão. Debatendo o fenômeno da violência urbana no Brasil, durante a década de 60 e 70, estudos dizem que o mesmo não se restringem a uma única esfera da realidade social:
Uma dessas esferas refere-se à arena política, na qual também já se fez o uso indiscriminado da força em vários momentos de nossa história. Refiro-me aqui a embates ideológicos pelo poder que, com a radicalização das partes envolvidas na defesa de seus interesses políticos, saem do campo das idéias para o da ação violenta. [2]
A partir de 1970, formou-se no país uma estrutura “policial-burocrática-totalitária”, correspondente à implantação do Serviço Nacional de Informação (SISNI) e o Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), que veio possibilitar a realização de tarefas de espionagem, informação e operações policiais. Os DOI-CODIs funcionavam em cada região militar do país, vinculados ao Exército e compostos por efetivos das 3 forças armadas, das Policias Federal, Civil e Militar e até do Corpo de Bombeiros. Esses órgãos foram responsáveis pelas violências políticas praticadas pelo regime militar.
Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que a ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros; ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos internos". Esses "inimigos internos" procurariam implantar o comunismo no país pela via revolucionária, através da "subversão" da ordem existente – daí serem chamados pelos militares de "subversivos". Essa visão de mundo estava na base da chamada "Doutrina de Segurança Nacional" e nas obsessões das teorias de "guerra anti-subversiva" ensinadas na Escola Superior de Guerra das Forças Armadas.
(...) O que hoje nos parece uma monstruosidade, um pesadelo de dias não remotos, fluiu do ideário que pretendeu mutilar o povo brasileiro no leito de Procusto de uma utopia totaliário-facistóide. Esse ideário se alimentava de variadas obsessões: a obsessão da imposição anticomunista, a obsessão da imposição à sociedade civil da disciplina e hierarquia característica do ethos militar, a obsessão persecutória dos divergentes, a obsessão da construção de uma grande potência. Esta mescla frágil de idéias toscas não pode ter sua significação de maneira completa fora do contexto de Guerra Fria e da influência política americana, cujos efeitos se fizeram sentir poderosamente na conjuntura dos anos 60 e 70. (...). [3]
Deu-se início à implantação de um regime político marcado pelo "autoritarismo", isto é, um regime político que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário.
Diferentemente de Belém, no país, muito já se tem escrito sobre o movimento militar de 1964. Carlos Fico realizou um trabalho nos arquivos do Departamento de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Justiça, atualmente sob a guarda do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, contendo documentos considerados “reservados” e “confidenciais”, que lhe permitiu, embora com restrições em citar nomes de pessoas, um notável e proveitoso trabalho sobre a atuação desses órgãos de espionagem e repressão ditatorial. Fico teve a oportunidade de estudar a formação da estrutura “policial-burocrática-totalitária” do regime promovida pelos autos comandos militares. Segundo Fico:
O que o SISNI entendia como ‘Outros Órgãos Setoriais de Informações’ eram assessorias de informações situadas em importantes esferas da administração pública ou em empresas estatais, como a chefia de gabinete da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional, o departamento de Administração do serviço público ou a Itaipu Binacional. Esses órgãos setoriais tinham funcionamento assemelhado ao de uma DSI. Provavelmente, muitas assessorias de segurança e informação foram criadas em fundações e autarquias, pois é perceptível que elas, na época, conferiam prestígio a seus chefes imediatos e superiores. Ademais, mostram-se bastante adequadas como lócus de atuação de oficiais militares que buscavam as típicas vantagens decorrentes dos cargos do funcionalismo da administração pública federal num período em que ‘ser militar’ era credencial suficiente para ocupar postos de mando da administração civil. As universidades públicas, por exemplo, contava sempre com um órgão do tipo – inclusive em função das restrições impostas pelo Decreto-lei nº 477, que tratava das ‘infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimento de ensino. [4]
O trabalho que Fico realizou junto a DSI do MJ, tornou-se um trabalho pioneiro no âmbito da pesquisa historiográfica em documentos oficiais sobre a ditadura militar. Através dele foi possível elucidar particularidades sobre os “porões” da repressão ainda não revelados em nossa história recente. E ainda, considerar a enorme relevância que tem essas fontes oficiais para o resgate de uma memória pouco estudada.
Contreira deu voz a destacadas personalidades militares a expressarem também sobre os “erros” e os “excessos” do regime militar. Neste, Contreiras arrecada depoimentos de militares “arrependidos” com os rumos que estava tomando a diligencia do regime, a ponto de ocorrerem discórdias em relação aos desdobramentos nefastos tomados pelo AI-5 e pelo Decreto-lei nº 477. Desdobramentos que levaram a ocorrência de episódios como o do Riocentro; a proibição de que os estudantes fizessem políticas dentro das Universidades que, dentre os vários casos, resultou na morte de estudantes como Edson Luis de Lima e Souto, no Rio de Janeiro, e de César Moraes Leite em Belém do Pará.
segundo Contreiras, “Os erros cometidos são, enfim, reconhecidos por militares que chegaram a alta hierarquia nos anos 60, 70 e 80” (p. 57). No depoimento tomado do General José Maria de Toledo Camargo, oficial do gabinete do presidente Médice e depois porta-voz do presidente Geisel, disse o mesmo que: “O SNI se tornou um poder paralelo, policialesco e verdadeiro instrumento de abuso do poder e desrespeito a privacidade do cidadão” (Contreiras, pg. 110). Já no depoimento do General Ivan de Souza Mendes, prefeito interino de Brasília em 1964 e depois adjunto do Gabinete Militar no governo castelo Branco, o General admitiu que: “Nós, militares, não somos preparados para exercer a política no seu sentido partidário, mas no sentido político de Defesa, que não envolve posições partidárias e abarca todos os cidadãos brasileiros” (p. 70).
Embora discuta o período militar, bem poucos privilegiam o debate sobre a repressão política no meio urbano de Belém, e em especial ao movimento estudantil. Dentre as quais, importantes, mas ainda insuficientes, somam-se algumas poucas obras.
Em Belém do Pará, em 2004, dentre os poucos trabalhos já realizados, também foi lançado um livro de depoimentos sobre a invasão da União Acadêmica Paraense (UAP) em 1964. Chamado Relatos subversivos, esse livro, de organização do publicitário Pedro Galvão, presidente desta entidade durante a intervenção militar, tornou possível a realização de estudos sobre essa intervenção golpista e o movimento estudantil em Belém. A UPA, segundo Ronaldo Barata, era considerada como o “quartel general da subversão esquerdista no Pará”. Segundo o mesmo, “A UAP no início de 1964, transformou-se numa grande caixa de ressonância onde ecoavam as idéias e posições dos diversos grupos de esquerda” (GALVÃO, 2004, p. 123).
Em uma entrevista[5] realizada com Aspásia Camargo, pioneira na introdução da história oral no Brasil, Maria Celina de Araújo buscou explorar a importância da introdução das fontes orais como recurso de pesquisa histórica no Brasil. Nesse momento a historiografia internacional estava dividida em “historiadores tradicionais”, que faziam uma história factual e limitada do ponto de vista interpretativo e de conteúdo, e a “história dos Annales”, que embora competente e mais ligada numa história social, não se interessava pela história política por achar que política era coisa dos interesses. Ela explica que as fontes orais podem complementar os arquivos e nos colocar uma visão estrutural, já que a história política também é uma história social. A entrevista torna-se um processo mais amplo onde o autor tenta expressar e transmitir toda sua vivência e ser interpelado pelo entrevistador. Já num depoimento escrito o autor pode mentir colocando informações falsas ou omitindo informações e interpretando o que lhes convém. Segundo Aspásia:
A limitação do documento é que ele só diz aquilo que está escrito, não diz nem mais nem menos. Certamente, a pessoa que escreveu tinha informações muito maiores do que as que passou na carta, mas você só tem a carta. A entrevista não, ela é inesgotável. Pode-se perguntar aquela pessoa tudo o que se quiser, e ela pode responder num sentido muito mais amplo do que uma pergunta localizada.
As interpretações que se pode dar sobre o passado, às vezes até se baseiam em troca de datas, imprecisão nas coisas, pode haver erros, mas nós ali definimos que o que nos interessa não é a entrevista como documento absoluto. A entrevista como documento é limitada como qualquer outro documento, e não deve ser interpretada como uma informação absoluta: é um documento parcial e limitado. A nossa metodologia não se baseia num documento, baseia-se num conjunto de documentos: a definição estratégica foi essa. [6]
De 1964 a 1985, milhares de pessoas foram presas, torturadas e mortas. Centenas de desaparecimentos políticos, cujos restos mortais, até hoje, não foram entregues aos seus familiares, cujas circunstâncias em que se deram ainda não foram esclarecidas. Apesar dos governos federais, após 1985, se negarem, sistematicamente, a abrir os considerados arquivos secretos do período da ditadura militar, pouco a pouco, vai se reescrevendo a história do que, efetivamente, ocorreu no Brasil.
Há um clamor pela abertura dos arquivos da ditadura. Trata-se de um direito de familiares de pessoas mortas, desaparecidas, presas e torturadas. E, mais do que isso, do direito da nação, que não pretende ver jogados para debaixo do tapete os crimes cometidos pelo Estado entre 1964 e 1985, os sombrios anos de domínio arbitrário e violento dos militares. Entidades de direitos humanos, como os Grupos Tortura Nunca Mais e Comissões de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, dentre outras, lutam, há mais de 20 anos, para trazer ao conhecimento de toda a sociedade brasileira o terror que foi implantado naquele período. O resgate dessa história, das memórias e das lutas de todos que foram rotulados como bandidos “subversivos”, marginais e criminosos “terroristas”, vêm se fazendo, apesar da insistência de grupos saudosistas da ditadura militar que teimam em trazer suas falsas versões. A identificação e a recuperação, em benefício dos pesquisadores brasileiros, das fontes primárias relativas à história do Brasil confirmam sua importância para a pesquisa sobre a história política e social.
As principais fontes encontram-se nos arquivos das forças armadas, da Polícia Federal, e do antigo SNI, dos centros de torturas – os DOI-CODI de muitos Estados, a OBAN em São Paulo, o CENIMAR da Marinha, o CISA da Aeronáutica, toda a superestrutura criminosa de repressão e tortura que a ditadura montou com o objetivo de destruir os que se dispunham a combatê-la precisam estar disponíveis não só aos familiares, como um direito que lhes assistem, mas ao povo brasileiro, com disponibilidade aos pesquisadores para fazer jus o conhecer de nossa história de luta pela democracia. Arquivos de auditorias militares, inquéritos formais e outros de natureza clandestina, mas que ainda podem existir e devem ser colocados à disposição dos familiares e de toda a sociedade.
Do ponto de vista da democracia, é indispensável que se desnaturalize o que aconteceu no período ditatorial. Questões que ocorreram no Pará, como o genocídio do Araguaia onde dezenas de guerrilheiros foram mortos e deles não se tem notícias. Os documentos existem, como se sabe, mas as ditaduras acreditam ser possível esconder para sempre as verdades ainda não reveladas. Os militares envolvidos no golpe de 1964 justificaram suas as atitudes, mas a Lei 9.140/95, criada em dezembro de 1995, reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro com os 136 militantes de esquerda mortos dados como desaparecidos políticos. As circunstâncias das mortes e a localização dos corpos, em grande parte, ainda permanecem desconhecidas por seus familiares.
Pela primeira vez, após a anistia política de 1979, o Estado assumiu a responsabilidade pelos seqüestros, torturas, desaparecimentos forçados e assassinatos cometidos no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Recentemente, a lei foi ampliada para atender casos semelhantes ocorridos até 1988. Atualmente, o governo federal possibilitou que uma Comissão de Verificação estude os casos de queima e a disponibilidade desses documentos para os arquivos públicos.
CAPÍTULO II
O máximo de governo e o mínimo de oposição[7]
“O estudante brasileiro pode fazer política onde ele quiser, só não pode fazer política dentro da Universidade, que deve ser sempre, um lugar exclusivamente ligado aos estudos, declarou ontem enfaticamente, o Ministro da Educação, Sr. Ney Braga”.
(O Liberal: ‘Proibida a política dentro das universidades do país’; 14/06/1975, p. 6)
Ney Braga, Ministro da Educação do governo Ernesto Geisel, comentando sobre a participação política dos estudantes nas universidades, declarou enfaticamente a forma como se tolerou as discussões políticas nos "ambientes de ensino" brasileiro durante a Ditadura Militar. Os governos dos cinco generais mantiveram, por quase todo o regime militar que se impôs após o Golpe de 64, instrumentos que regulavam os movimentos dentro das universidades, em especial, o movimento estudantil, considerado vulnerável as proposições comunistas discutidas em todo o mundo e, portanto, uma das principais ameaças a segurança nacional.
A opção política do movimento estudantil, mesmo antes do golpe militar, já provocava o futuro penoso que teriam os estudantes a partir do Golpe Militar de 1964.
A UNE participou ativamente da campanha pela posse de João Goulart, deslocando, inclusive, a sua sede para Porto Alegre, onde o governador Leonel Brizola liderava a resistência contra um golpe militar.
O cardápio de lutas da UNE incluía itens como a reforma universitária e educacional, limitações ao capital estrangeiro, combate ao imperialismo, política externa independente, indisfarçável simpatia por Cuba, reforma agrária, efetiva participação dos trabalhadores nas decisões do poder público. [8]
O setor estudantil, até então organizado nacionalmente pela União Nacional dos Estudantes (UNE), foi o setor que demonstrou mais resistência ao golpe militar. Por esse motivo, também foi o setor que mais sofreu com a repressão.
Em Belém do Pará, dois dias antes do golpe, ocorreu a invasão do 1º Seminário Latino Americano de Reforma e Democratização do Ensino Superior (SLARDES), que acontecia no auditório da antiga Faculdade de Odontologia do Pará. Sobre a “invasão dos lenços brancos”, disse Pedro Galvão, estudante da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará e então presidente da União Acadêmica Paraense (UAP), que “... fora articulada sob a liderança do coronel Jarbas Passarinho, com os rapazes arrebanhados e insuflados por Avelino Henrique dos Santos,...”. O coronel Jarbas Passarinho, Chefe do Estado-Maior do Comando Militar na Amazônia desde 1962, após o golpe, conduziu inúmeros Inquéritos Policiais Militares (IPM’s), juntamente com o Major Alacid Nunes.
No primeiro dia após o Golpe, a UNE foi invadida, saqueada e queimada pelas forças militares golpistas. Coincidência ou não, no mesmo dia, 1º de abril de 1964, a UAP, onde os estudantes realizavam “vigília cívica” em virtude do golpe que já se articulava, também foi invadida. Pedro Galvão, destituído da presidência nesta ocasião do golpe militar em Belém, conta-nos o que viu no momento da invasão das forças golpistas a UAP.
Nas janelas da frente da UAP fomos surpreendidos pela chegada espaventosa da tropa: soldados avançando no marche-marche típico da ordem unida militar, deitando nas calçadas e no asfalto onde posicionavam os tripés de suas metralhadoras apontadas contra nós. Daí para frente foi correria e atropelo, a rapaziada escapando pelos fundos, galgando pelos muros, varando os quintais vizinhos. Uns poucos se esgueiraram pela porta da frente e se confundiram com as pessoas na rua. Muitos ficaram encurralados nas três primeiras salas da UAP. [9]
O golpe que se impunha destituía de seu cargo desde um simples dirigente estudantil ao presidente da República. Com a destituição do governo legal, as invasões das entidades estudantis e a destituição de suas lideranças, instaurava-se no país um clima ostensivamente odioso. Deixava-se o terreno “puramente” político para entrar nas esferas psiquiátricas de “guerra permanente” desenvolvida pela obsessão anticomunista.
A partir de abril de 1964 a história ganha os rumos da repressão articulada e intensiva no vale tudo da caça aos comunistas. Para acabar com a subversão nas universidades, e principalmente com a movimentação estudantil, a solução encontrada pelo regime militar foi o “tratamento de choque” dado com a repressão organizada.
(...) suspender, expulsar, prender e torturar estudantes; demitir professores; invadir Faculdades; intervir, policialmente, nas entidades estudantis; proibir qualquer tipo de reunião ou assembléia estudantil; acabar com a participação discente nos órgãos colegiados da administração universitária; decretar a ilegalidade da UNE, das Nações dos Estudantes nos Estados e dos Diretórios Acadêmicos; destruir a universidade de Brasília; deter, enfim, o processo de renovação do movimento estudantil e da Universidade em nosso País, (...). [10]
Em decorrência dessas práticas intervencionistas os congressos estudantis foram proibidos de serem realizados; as Universidades foram invadidas por forças policiais para impedir reuniões e manifestações contra o regime e; muitos estudantes, atados pelo sistema de segurança, foram perseguidos, presos, torturados e assassinados. O Estado voltava-se contra o povo usando sua estrutura de espionagem e repressão.
Durante a invasão da UAP, conta-nos Rui Barata, então estudante da Faculdade de direito da Universidade Federal do Pará, que as pessoas que presenciaram esse momento vivenciaram um “clima de tensão” diante daquele “espetáculo deprimente de brutalidade”.
Um espetáculo deprimente da brutalidade militar se descortinou aos olhos de todos: o desfile de dois homens conduzidos presos, somente de cuecas e sapatos, sob a mira de velhas metralhadoras, a uma camionete que estava estacionada próximo à esquina da travessa Rui Barbosa, onde já se encontrava Pedro Galvão de Lima. [11]
A partir do governo Castelo Branco legalizavam-se as ações que proibiriam a livre movimentação estudantil. Foi decretada em 6 de novembro de 1964 a Lei Suplicy de Lacerda (nº 4.464), que proibia as atividades políticas estudantis. A Lei Suplicy, considerada um ataque particular ao movimento estudantil, já que atingiu a autonomia e a representatividade de suas entidades originais, deu uma nova envergadura a estrutura de organização dos estudantes.
Pelo documento, a UNE era substituída pelo Diretório Nacional de Estudantes e as Uniões Estaduais pelos Diretórios Estaduais (DEES). Impedia-se, além disso, através de restrições as mais variadas, o livre curso do diálogo entre os Diretórios Acadêmicos e os alunos. Na regulamentação das entidades estudantis, feita inteiramente à revelia dos estudantes e sem qualquer consulta a eles, a Lei Suplicy de Lacerda tornava possível a convocação do Diretório Nacional dos Estudantes pelo Ministério da Educação ou pelo Conselho Federal de Educação, ferindo, assim, o mais elementar princípio de funcionamento de uma entidade de representação - o direito de autonomia. Os direitos de livre manifestação do pensamento, de livre associação e de organização interna eram, também, vulnerados, com o estabelecimento de data e normas para as eleições, números de participantes dos Diretórios Acadêmicos e da convocação dos pleitos pelas autoridades universitárias, através de edital. [12]
A Lei Suplicy impunha limitações ao movimento estudantil brasileiro, tornando-o num mero apêndice do Ministério da Educação, dependente de verbas e de regimento. Com ela o governo reorganiza as entidades estudantis, proibindo as iniciativas políticas dentro das universidades brasileiras. As entidades legítimas dos estudantes, agora na clandestinidade, estariam expostas ao desafio das novas regras disciplinares impostas pelo regime militar que se consolidava.
Os conflitos entre estudantes e o regime militar ganhariam outros rumos a partir da morte do estudante paraense Edson Luiz de Lima Souto em 1968 no Rio de Janeiro. Vítima de uma intervenção policial ocorrida no restaurante Calabouço, Edson Luiz tornar-se-ia o principal personagem do episódio considerado como o "primeiro assassinato explícito da ditadura" militar.
Edson Luís, assassinado pela PM: estudante secundarista, "pobre", "trabalhador", recém-chegado no Rio de Janeiro. Não traz, portanto, adjetivos como "líder subversivo", "comunista", "agitador", tão caros às buscas militares. Morre "indefeso" enquanto faz a sua refeição no Calabouço - restaurante universitário no qual auxiliava na limpeza para poder prosseguir em seus estudos. "O primeiro assassinato explícito da ditadura", como enfatizam os estudantes. A violência policial explode contra um "inocente", levando, assim, setores da população de vários estados à indignação. [13]
Os ocorridos em função do episódio do Calabouço, levou Costa e Silva a estudar, inclusive, a possibilidade de decretação de Estado de Sítio, caso continuassem as grandes passeatas estudantis. As passeatas irritavam o governo e, ao mesmo tempo, reanimavam a oposição a lutar pela democracia e contra o regime autoritário.
No 1º de abril que se sucedeu à morte de Edson Luiz, dia de comemoração do quarto aniversário da “revolução”, registraram-se várias manifestações em todo o país. À frente dessas manifestações estavam os estudantes, sempre acompanhados pela ação de espionagem e repressão da polícia política do Regime.
Os choques em que mais de cinco mil elementos da Polícia Militar, auxiliado pela DOPS, usaram de violência antes nunca vista no Rio – deixaram um saldo de dois mortos (o estudante Jorge Aprígio de Paula, baleado defronte a residência do Ministro do Exército, e o escriturário Davi de Souza Neiva, atingido no Largo da Carioca), 60 populares e 39 policiais feridos, 321 presos e a ocupação da cidade por tropas federais, do Exército, Marinha e Aeronáutica.(...) Em Goiânia morreu com um tiro de fuzil na cabeça, o estudante Ivo Vieira; dois outros – Telmo de Faria, acadêmico de Direito, e Maria Lúcia Jaime, aluna de Belas-Artes – foram gravemente feridos à bala, no dia seguinte pela polícia, dentro da Catedral, onde conferenciavam com arcebispo, Dom Fernando Gomes, sobre a seleção de missa pela alma do secundarista goiano assassinado na véspera. O prelado enviou imediato telegrama de protesto ao Marechal Costa e Silva, “exigindo a punição dos autores do ato, um sacrilégio e ato de selvageria inominável”. [14]
Em 1968, a intervenção da polícia política do Regime proibiu a realização, na cidade de Ibiúna, 30º Congresso da UNE. Sendo programado clandestinamente, o 30º CONUNE sofreu dura intervenção da policia política militar. A presença de mil jovens nesta pequena cidade do interior de São Paulo, com “... suas aparências e trajes informais (barbas, cabelos grandes, roupas modernas e coloridas)”, despertou a atenção de populares e comerciantes. “O padeiro da cidade (...) logo percebeu que teria que produzir mais pães...”. A informação da movimentação chegou ao conhecimento das autoridades policiais do Estado que desfecharam uma mega operação militar em Ibiúna que culminou com a prisão de quase todos seus participantes.
...desfecharam um cerco sob a minúscula cidade. No dia 14, quase todos os congressistas de Ibiúna foram presos, entre eles os quatro principais líderes estudantis brasileiro da época: Vladimir Palmeira, José Dirceu, Luís Travassos (que vinha de encerrar a sua gestão na presidência da UNE) e Jean-Marc Charles Frederic von der Weid (este, eleito durante o congresso por escassa maioria, para dirigir a entidade por um novo período de um ano). [15]
Com a criação em 13 de dezembro de 1968 do Ato Institucional nº 5 (AI-5), intensificou-se a perseguição e a repressão em todo o país. De forma “legal”, já que as ações seriam sustentadas pelos “atos de exceções”, o regime militar passaria praticar a tortura como forma de desvendar os segredos subversivos. Não precisava ser subversivo para ser vítima da repressão, bastava estar nas proximidades de um foco de subversão para ser enquadrado pelo Serviço Nacional de Informação como “subversivo”. Isso se tornaria muito freqüente após a morte de Edson Luiz de Lima Souto. Os protestos estudantis eram constantemente acompanhados pelos pelo SNI.
Um outro decreto complementaria os procedimentos de perseguição política dentro das universidades brasileiras. O Decreto-Lei nº 477 veio permitir que a Assessoria de Segurança e Informação (ASI) intimasse qualquer membro da comunidade acadêmica envolvidos em reuniões ou congressos não permitidos pelo regime, a depor sobre assuntos disciplinares. Com a prática de intimação por meio de Inquéritos Policiais Militares e com a instituição do Decreto-lei nº 477, o governo pode acompanhar de perto as "... infrações disciplinares praticadas por professores, alunos e funcionários ou empregados de estabelecimento de ensino público ou particulares...". Àqueles estudantes que praticassem atos subversivos, participassem de passeatas, comícios, confeccionassem e/ou distribuíssem material, cometessem seqüestros ou usassem as dependências escolares para atos contrários à moral ou à ordem pública, estariam passíveis a pena de desligamento por três anos, ou mesmo a expulsão.
Na UFPA, durante uma solenidade de formatura coletiva de 382 universitários de 23 cursos em Belém, no dia 29 de julho de 1975, na presença do Ministro da Educação Ney Braga, o orador que representava os formandos manifestou-se a respeito do cerceamento político as organizações estudantis. Ele criticou o Decreto Lei nº 477 e pediu a sua revogação. Disse:
Devemos estar atentos, para os debates que envolvem os movimentos sociais, bem como aqueles que ora se travam, em consonância com a política da distensão, pois que a curto prazo, pudéssemos ter a revogação daquilo que sempre foi para nós, um freio, ou um murro – O Decreto Lei 477.
Enquanto esta esperança no amanhã nos alenta a novas vitórias, ainda agora voltamos o pensamento para muitos que nos ajudaram na construção deste dia. [16]
A espionagem e a polícia política faziam parte desse complexo e poderoso sistema nacional de segurança e informação. O Regime Militar tinha necessidade de manter funcionando dentro das esferas do serviço público, na universidade, por exemplo, um conjunto de órgãos com a finalidade de vigilância. Atuando nos mais variados e possíveis setores da sociedade organizada, esse sistema é quem dava a dinâmica da atuação da polícia política do Regime dentro das universidades no país.
Para a garantia de todas as atividades de informação e contra-informação, a partir de 1970, entra em funcionamento o SISNI – Sistema Nacional de Informação. O SISNI contava com diversos sistemas integrados nos ministérios civis, militares e em outros “órgãos setoriais de informação”. Órgãos sempre presentes nas diversas esferas da administração pública e de empresas estatais.
Em cada órgão importante da administração pública existia uma “Assessoria de segurança e informações” (ASI), por vezes chamada de “Assessoria Especial de Segurança e Informações” (AESI). Portanto, no âmbito de um ministério civil havia uma DSI e várias ASI e/ou AESI.[17]
A ASI percebia as movimentações, detectava e capturava os "subversivos” “infiltrados” nas universidades. Através da ASI, os militares buscavam obter informações sobre “infrações disciplinares” que comprometessem o regime. Intimando professores, estudantes e funcionários durante todo o regime de 1964, os agentes do Serviço Nacional de Informação (SNI) também estavam presentes nas universidades auxiliados pela Assessoria de Segurança e Informação (ASI). Existente em cada universidade com a finalidade de vigiar as atividades políticas realizadas na academia, o SNI recebia todas as informações que precisava da ASI para combater a subversão.
As universidades públicas, por exemplo, contavam sempre com um órgão do tipo – inclusive em função das restrições impostas pelo Decreto-lei nº 477, que tratava da “infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimento de ensino”. [18]
Durante a década de 70 as lideranças políticas dos governos militares já comentavam uma possível abertura democrática, mas ao contrário o que se verificou foi um maior endurecimento do regime. A política adotada, e que se estendeu até o fim do mandato de seu último General, foi a de continuar o controle das movimentações sociais e manter “o máximo de governo e o mínimo de oposição”.
O movimento estudantil, posto na ilegalidade, travaria uma luta armada contra o regime e sua comunidade de informação, numa tentativa de resgatar o direito de autonomia de suas instituições e das instituições democráticas do país. Essa comunidade de informação, qual contava com o auxilio de um conjunto de órgãos com capacidade bélica de policia política, passaria a agir respaldada pelo já comentado "ideário" persecutório anticomunista.
Alimentado por várias obsessões, esse ideário vigorou num tempo marcado por uma cultura política autoritária, dando sentido a ação repressiva dos militares. Embora com o objetivo de Segurança Nacional, buscava-se, no entanto, combater os crimes políticos contra o Estado e defende-lo da influência comunista internacional que assolava o ocidente americano e o mundo capitalista do pós-guerras.
No ano da morte de César, momento pertencente ao processo reconhecido como de "distensão política", a estrutura de repressão do regime militar ainda estava muito presente. Ainda eram peças e instrumentos de repressão ativos dentro do Campus as práticas do Decreto-lei nº 477 e da Assessoria de Segurança e Informação (ASI).
Numa nota lançada pelos estudantes, assinada pelos Diretórios Centrais do CESEP, da FICOM, da UFPa e pela UNE, com o título “Um estudante foi morto por um agente de Polícia Federal no Campus Universitário”, os estudantes denunciam a presença da repressão na UFPa e exigem a extinção da ASI: “exigimos (...) a extinção da ASI: Assessoria de Segurança e Informação da UFPa, que já deveria ter ocorrido por decreto presidencial, baixado pelo presidente Geisel”[19].
O professor Roberto Ximenes endossa críticas à Reitoria sobre o Inquérito Policial Militar (IPM), que foi aberto contra duas professoras e a um aluno:
O titular da ADUFPA “em hipótese alguma” aceita que as professoras Ruthléia Bemergui e Vânia Barriga e o aluno Michel Sauna, todos do curso de Geologia, estejam sendo alvo de inquérito pela Universidade Federal do Pará. Contou que “pelo relatório entregue pela guarda patrimonial, eles estariam fazendo a infiltração de veteranos no meio dos calouros durante a matrícula naquele Centro. Na verdade o que eles estavam fazendo era simplesmente, distribuir uma ‘sugestão de matricula’, e esse fato virou peça de inquérito”, disse o docente. [20]
Mesmo após a extinção do AI-5 e a decretação da Lei de Anistia em 1979, a noção de “guerra permanente” declarada pelo regime ainda permaneceu. No lugar da tranqüila “transição” que muitos apostavam, mas “acidentes” tomam conta de um cenário de luta para por “abaixo a ditadura”.
Somente na segunda metade da década de 70 é que as mobilizações estudantis ganham força e intensificam-se as manifestações pelo fim das torturas, prisões e perseguições políticas, pela libertação dos presos políticos e por anistia para os banidos e exilados. Nesse período, de "distensão política", vemos a extinção do AI-5 em 1978 e a lei de anistia em 1979. A retomada da UNE e a conquista dos Diretórios Estudantis livres por universidades fortaleceu as lutas dos estudantes.
Entendiam os estudantes que se a UNE voltasse, voltariam também os direitos estudantis, perdidos durante todo o regime militar.
(...). Nestes últimos anos, nós, estudantes brasileiros, vimos muitos morrerem nas mãos assassinas da repressão. Vimos o ensino se degradar, tornar-se apenas mais uma mercadoria. Vimos piorarem dia-após-dia, a condição de vida e de trabalho do nosso povo. Mas vimos também o povo brasileiro reconquistar pouco a pouco a sua liberdade, salário mais dignos. Na luta, sempre na luta. (...).
Considerando a tensão criada por esse clima de “o máximo de governo e o mínimo de oposição”, o Resistência, sempre energicamente favorável à queda da ditadura, fez suas reflexões: “Será que se não houvesse necessidade de reprimir tanto a sociedade brasileira seria normal a presença de armas numa sala de aula? [21]
Para um mundo “povoado de guerras” e de “agressões imperialistas” que colocava “Estados fortes contra fracos”, o regime militar adotou no Brasil uma política de segurança com o rótulo de combate a ameaça “estrangeira” representada pelo comunismo internacional. Essa política não faria distinção entre o inimigo interno e o externo. Segundo os militares golpistas, o movimento estudantil era o meio mais vulnerável às "infiltrações" daqueles que pretendiam e investiam na construção de uma República Sindicalista.
Na tentativa de ditar as normas de organização aos estudantes, as autoridades militares não hesitavam em usar outro recurso senão aquele se não aquele que calassem os estudantes e os impedissem de protestar contra o que se passava em sua pátria. Ao longo dos governos militares todo um sistema de repressão tornaria real a ocorrência de um conjunto de episódios muito freqüentes numa conjuntura de ações persecutórias ao movimento estudantil. Esse clima foi o êxtase da repressão que ecoou no seio da história de luta pela democracia no Brasil durante o Regime Militar. Clima no qual viveu e morreu César Moraes Leite.
CAPÍTULO III
O Episódio do pavilhão Fb-2: momentos inesquecíveis
O ano de 1980, ano da morte de César Moraes Leite, segundo jornal Resistência, da Sociedade paraense de Defesa dos Direitos Humanos, foi o “ano do protesto”. [22]. Ano marcado pelo prosseguimento da repressão, e ao mesmo tempo, pela continuidade da luta por direitos políticos, postos em cheques pela legislação do regime de “exceção”. Dentro desse contexto, o movimento estudantil foi alvo permanente da violência política implantada a partir de 1964.
O Episódio do pavilhão Fb-2 movimentou a cidade de Belém e provocou grandes manifestações em repúdio à Ditadura Militar em 1980. Desde os primeiros momentos após o ocorrido com César, a movimentação que se fez na universidade e na cidade de Belém, incitou a sociedade, e principalmente os estudantes, a acompanharem os acontecimentos que se fariam em função do episódio ocorrido na sala dois do pavilhão Fb da Universidade Federal do Pará. O fato sublevou o movimento estudantil organizado a realizar, possivelmente, um dos maiores cortejos fúnebres e um ato ecumênico que ficou para a memória da história de Belém do Pará.
A morte.
Manhã de segunda-feira, 10 de março de 1980, início de semestre acadêmico na Universidade Federal do Pará, os estudantes estavam postos a assistir a primeira aula do dia com a professora Maria Inês na sala dois do Pavilhão Fb. A professora, que lecionava a disciplina Estudo dos Problemas Brasileiros (EPB), mal pronunciou as primeiras palavras sobre o assunto: “violência e porte de arma”, de repente, ouve-se um estampido de tiro de revolver e o estudante de Engenharia Elétrica, César Moraes Leite, é atingido fatalmente pela arma de Dalvo Monteiro de Castro Júnior, agente de polícia federal.
Presente em sala de aula no momento em que ocorreu o episódio no pavilhão Fb-2, o estudante João Batista, calouro de arquitetura, declarou, conforme noticiado em O Liberal, que:
A professora Maria Inês tinha dito apenas as primeiras palavras, começando a aula, quando ouviu o estampido. Eu estava na primeira fila, e me virei para traz. César estava de pé, de seu peito saia um esguicho de sangue. Ele botou a mão no peito, disse “mamãe!”, e caiu para trás. Dalvo também tinha se levantado, e, quando César caiu sobre as carteiras, ele carregou. Todo mundo ficou imóvel. A professora ficou pálida, e naquele instante Dalvo levantou o César e saiu com ele. Logo depois foi aquela gritaria, gente correndo de outras salas. Foi só o que eu vi.[23]
Momento antes do início da aula, pairava o silêncio para ouvir a professora, quando o estampido os apanhou de surpresa. César levou um tiro pelas costas, o projétil perfurou a cadeira, atravessou o seu corpo e foi cravar-se no teto.
Dalvo, policial federal responsável pela arma de onde partiu o projétil que atingiu César, cursava Engenharia Química e fazia a disciplina que lhe faltava para sua formatura (EPB-1). Em seu depoimento ele ressaltou que exercia suas funções há seis anos e tinha necessidade de portar arma pelos lugares que freqüentava, mesmo que por ventura não estivesse de serviço.
... todas as manhãs eu me acordo e me dirijo para o campus levando minha bolsa de couro de cor marrom, onde deposito minha arma de fogo, a fim de evitar que ela esteja na cintura exposta para os colegas de turma. Pela manhã de ontem (...) como faço costumeiramente, me dirigi para a universidade, cheguei e tomei assento em uma carteira da sala do bloco Fb, a fim de guardar o início da primeira aula, que seria ministrada pela professoras Inês. Coloquei inicialmente minha bolsa que continha a arma de fogo, sobre a prancheta da carteira que eu estava sentado, e comecei a fazer algumas anotações preliminares. Ocorre que a bolsa estava empatando e resolvi transferi-la para uma carteira vizinha e continuei a fazer as anotações.[24]
O advogado de Dalvo, Alberto Campus, mais tarde veio argumentar, conforme publicação de O Liberal, que:
... o agente federal informou que se sentara para assistir a aula de EPB-1, e em sua capanga, estava o revolver de serviço, que trazia consigo porque saíra as pressas da própria Polícia federal, onde estava trabalhando, para ir ao campus. No momento em que foi retirar, da capanga, um cigarro, a bolsa caiu ao chão e o revolver disparou.[25]
Entre os presentes em sala, atônitos e surpreendidos pelo estampido do revolver calibre 38 de Dalvo, ninguém soube informar exatamente o que aconteceu. Mas, segundo versão publicada em O Liberal:
Aconteceu que César estava sentado à frente do colega Dalvo, nas últimas filas da sala de aula, onde os alunos haviam sido divididos em dois blocos, ficando um corredor ao meio. Se Dalvo tinha a arma na mão, no colo, ou, como disse mais tarde, ela caíra no chão, não ficou claramente estabelecido. O certo é que o tiro foi de baixo para cima, atravessando o encosto da cadeira, penetrando nas costas do estudante, saindo pelo peito e cravando-se no teto. Havia uma dúvida, que punha em cheque a versão dada por Dalvo, de que a arma caíra ao chão: a bala – calibre 38, duplo, provavelmente, disse o perito – penetrara no encosto da carteira na horizontal. [26]
O jornal A Província do Pará veiculou esclarecendo que um dos diretores do Instituto de Polícia Científica do Renato Chaves lhes participou sobre a polêmica trajetória do projétil que atingiu César:
“(...) Só depois de conversar com os técnicos do ‘Renato Chaves’ é que ia se interar de como ocorreu a trajetória da bala. Porém, sabe-se de antemão que o disparo não foi à queima roupa e de cima para baixo. Com isso, está quase que provado que tudo foi acidente, justamente quando a bolsa do agente caiu e ocorreu o inesperado disparo do revolver calibre 38 duplo, cano curto”. [27]
Socorrido pelo próprio policial e pelo chefe da segurança do Campus, César ainda chegou com vida no Pronto Socorro Municipal de Belém, aonde viera a falecer.
No momento seguinte, em meio aos gritos, e deixando um rastro de sangue, Dalvo carregou, ajudado por colegas (sic) César, gravemente ferido, para fora. Apesar da quantidade de carros estacionados no pátio de estacionamento, ninguém aparecia com a chave de algum, para transportar o ferido. Muitos estavam atônitos, sem saber o que fazer, outros simplesmente gritavam. Um companheiro e amigo pessoal de César, Ricardo, no desespero, correu para o pavilhão “O”, para chamar um amigo que tinha carro. Nesse ínterim, o próprio agente federal conseguia fazer parar um táxi, ajudado pelo chefe de vigilância, da Universidade, Manoel Cirino Souza e outros colegas, e colocar o estudante ferido em seu interior. Dalvo, o vigilante, e César partiram para o Pronto Socorro Municipal, seguidos de perto por estudantes, tomaram os carros e foram atrás. [28]
No PSM, Reginaldo Soares, que ajudou a socorrer César nos primeiros momentos após ser baleado, ainda tentou transferi-lo para outro hospital. Com esse objetivo foi tentar encontrar Sandra Moraes Leite, irmã de César, na Faculdade de Medicina, já que isso só poderia ser feito com a presença da família. Quando Sandra e Reginaldo chegam ao PSM com esse objetivo, foram informados que César falecera.
... fui eu, e mais meu primo, Ricardo Saraiva, que tentamos socorrer nosso colega, o que não foi possível porque a médica de plantão disse que só poderíamos tomar essa atitude com a presença de um familiar da vítima. Foi então, que eu fui buscar a mãe dele, D. Helena, de carro, e quando ela chegou ao PSM, pediu a presença de sua filha Sandra, eu fui busca-la na Faculdade de Medicina onde ela estava tendo aula. Logo depois que chegamos lá, passou uns três minutos e César faleceu. [29]
Neste ínterim, quando a família chegava ao PSM, já providenciavam a transferência do corpo de César para o Instituto “Renato Chaves”.
No interior do Campus, as coisas começavam a se movimentar em função do ocorrido. A tensão crescia e ao terminar o primeiro turno, o DCE da UFPa, dirigido por uma comissão de estudantes representantes de Centro Acadêmicos, que na mesma manhã do acontecimento, já promoviam as primeiras mobilizações com vistas a tomar providências com a presença da repressão na universidade. As aulas eram paralisadas e uma reunião era marcada pelo DCE e pela Associação docente. Com a morte de César a cidade de Belém assistiria grandes manifestações organizadas pelo movimento estudantil.
Muita gente já se deslocava para se informar sobre o assunto e se dirigiam ao local do “acidente”, onde só restavam as evidencias: uma cadeira perfurada pelo projétil e uma mancha de sangue que percorria o corredor por onde passou o corpo de César ainda com vida.
O enterro.
Com as mobilizações promovidas pelos estudantes na Universidade Federal do Pará, apoiada pelos professores e pela sociedade de Belém, pasma pelo fato ocorrido na “cidade universitária”, as primeiras manifestações já se faziam acontecer. As aulas foram interrompidas e cerca de 500 estudantes reuniram-se às 16 horas em frente à Igreja dos Capuchinhos para aguardar a passagem do corpo de César Moraes Leite. Nesse momento, os ônibus passavam rumo à universidade, e os estudantes que dentro deles estavam, eram convidados a descer em homenagem ao colega morto.
Quando os ônibus Universidade e Núcleo Universitário, ou mesmo o Guamá-Universidade passavam, eles gritavam para os colegas descerem, pois não havia aula e pediam solidariedade àquela manifestação pelo colega morto. A chuva começou a cair exatamente às 17 horas, mas mesmo assim todos, uns de guarda-chuva, outros de capa, ficaram no meio da rua, formando uma espécie de corredor, onde o carro tumba pararia e seria iniciado o cortejo a pé até o Cemitério de Santa Izabel.
Uma grande marcha fúnebre, debaixo de forte chuva, ganhou as ruas no cortejo, possivelmente, mais político ocorrido contra o regime em Belém.
O cortejo saiu da capela sob forte chuva. Quando passou pela Igreja dos Capuchinhos uma grande massa estudantil, calculada em duas mil pessoas, acompanhou-o a pé sob chuva torrencial, até o cemitério de Santa Izabel. A bandeira da União Nacional dos Estudantes foi colocada sob o caixão, e novamente os versos fortes de Vandré se fizeram presentes. Momentos antes, em frente à Igreja dos Capuchinhos, o vice-regional norte da UNE, Sérgio Carneiro, em discurso emocionado e veemente, já havia colocado a posição das entidades e dos estudantes: acidente ou não, o fato fundamental é a questão do aparato repressivo da ditadura militar dentro das Universidades, que permite e garante a presença de policiais infiltrados no meio estudantil, como nos demais setores que combatem o regime. [30]
Dezenas de estudantes choraram amargamente e, em suas conversas, perguntavam-se: “teria a morte sido acidental ou não?” [31]. Durante o cortejo, a presença da polícia não intimidava a multidão que parecia se multiplicar cantando Vandré em solidariedade a César e em repúdio a Ditadura Militar.
A ala da frente já passa a rua Oliveira Belo, quando chegou um camburão da Polícia Militar. Na esquina seguinte mais outro chegava, vindo em direção contrária. Os estudantes cantavam “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré, e recebiam solidariedade dos transeuntes e de alguns carros que por ali trafegavam.[32]
Com a chegada do carro tumba à frente do cemitério uma comissão de estudantes conduziu o caixão de César até a Capela Mortuária.
Quando o carro tumba chegou à porta daquele cemitério, novo cordão humano de isolamento foi formado, e todos e todos ainda continuavam a cantar a música de Geraldo Vandré. O caixão foi retirado de seu interior, por uma comissão de estudantes que o carregaram até a Capela Mortuária, com a bandeira da UNE cobrindo-o, e que depois foi retirada pelo próprio vice-presidente da entidade da região Norte, Sérgio Carneiro. [33]
Marchando, cantando e carregando o caixão coberto pela bandeira da UNE a emoção tomava os manifestantes no cemitério Santa Isabel, que juntos clamavam por justiça e, depois, lentamente despersavam-se.
O ato ecumênico: culto, procissão e as manifestações em repúdio à Ditadura Militar na UFPa.
No dia 17 de março de 1980, segunda feira às 17 horas, nunca o Ginásio de Esporte da UFPA, local onde ocorreu o ato ecumênico de César, recebeu tanta gente. Tomado por perto de 3.000 pessoas portando faixas pretas simbolizando o luto e cartazes com dizeres de repúdio ao regime autoritário e sua política de corte de verbas, o ginásio também aportou um dos Atos Ecumênicos mais políticos da história de Belém. Várias entidades civis e religiosas participaram.
Sete padres, um rabino e uma representante da Igreja Luterana oficiaram o culto ecumênico realizado no final da tarde de ontem, por várias entidades, entre elas a União Nacional do Estudantes-UNE e o Diretório Central dos Estudantes da Universidade federal do Pará, pela morte do estudante César Moraes Leite, baleado acidentalmente, no Pavilhão Fb, do Campus Universitário do Guamá, no ultimo dia 10.
O ginásio do Campus, local da manifestação, chegou a lotar suas dependências, já que compareceram 2.500 a 3.000 estudantes. Antes do início houve ensaio das músicas que seriam interpretadas durante o ato religioso/político. [34]
O presidente do SDDH, Humberto Rocha, referindo-se a uma nota distribuída por alguns garotos ao lado de fora do ginásio, alertou pelo microfone repetidas vezes “que a nota era apócrifa, de vez que nenhuma das entidades assinaladas em seu rodapé, concordavam com seus termos” [35]. A nota, com o título “A Volta de Um Revolucionário”, disseram os garotos, segundo O Liberal “... haver recebido dos ocupantes de um carro de chapa branca”.
O presidente da UNE, Rui César, alem de também denunciar a presença da repressão, disse sobre o “acidente”.
Sabemos a dor que toma conta de todos nós pela morte de um companheiro. Nesse culto, queremos reafirmar que um acidente só ocorre quando há condições intrínsecas para tal. Havia na sala um objeto propício para isso, e um objeto que quebrava totalmente o espírito universitário. Há um camburão lá fora do Campus, com quatro homens armados, também quebrando com o espírito que toma conta dos estudantes neste momento de profundo pesar. [36]
Durante o discurso de Rui César, as pessoas presentes no ginásio de esporte interrompiam com palmas e gritavam “Liberdade, abaixo a repressão na Universidade”. Ao final de seu pronunciamento de abertura, concluiu em coro com os presentes: “companheiro César, você está presente”.
Depois do pronunciamento de Rui César, foram convocadas as representações religiosas presentes, que expressaram suas angustias e alguns estudantes ofereceram poesias, mas foi o sermão do padre, vigário da baixada do Guamá, e professor da UFPa, Sabino Mobelli, que empolgou grande parte dos presentes: “somos contra esse poder que coloca à direita os coronéis e à esquerda os marginais”.
Após o ato ecumênico, autoridades religiosas, a UNE e uma multidão percorreu o Campus sob forte chuva e escuridão, ainda cantando a música de Vandré, numa procissão em homenagem a César e em direção ao pavilhão Fb. Embora as aulas tivessem sido liberadas até as 20 horas, para que as pessoas pudessem participar do ato ecumênico, algumas salas ainda havia aula, como na sala onde ocorreu o fato que levou a vida de César Leite. Todavia a aula foi logo suspensa “em sinal de respeito à manifestação ao colega morto”.
Uma placa de chumbo, paga com dinheiro coletado no Ato Ecumênico, foi afixada no pavilhão onde ocorreu o disparo que atingiu César. Depois de descoberta, os presentes leram suas gravuras feitas pelos próprios estudantes, que dizia:
Neste pavilhão foi morto César Moraes Leite, por uma bala da repressão. Homenagem dos estudantes brasileiros – União Nacional dos Estudantes-UNE – Diretório Central dos Estudantes-DCE – Março de 1980. [37]
Depois de um dia de muita movimentação e manifestações de repúdio ante a ante a morte de César e a presença da repressão na universidade, muitos já encaravam o episódio como mais um morto da Ditadura Militar.
As repercussões da morte de César Moraes Leite.
O Campus da Universidade Federal do Pará parou por uma semana a partir do dia em que ocorreu no pavilhão Fb-2. O episódio, que pode ter sido o mais comovente acontecimento já registrado na história da Universidade Federal do Pará, também teve larga repercussão em todo o país.
O Episódio do Pavilhão Fb-2, incentivou os estudantes a combater o autoritarismo da repressão militar. Numa perspectiva contextual, num contraponto a factual, a morte de César provocou a mobilização estudantil contra a ASI na UFPA, e ainda impulsionou a fundação dos Centros Acadêmicos por curso e a retomada da autonomia do Diretório Central dos Estudantes com a eleição da primeira diretoria eleita pelo voto direto.
Uma "Nota aos estudantes e a população em Geral", lançada na tarde do dia 11 de março de 1980 pelos estudantes da UFPa, CESEP e FICOM, durante reunião da antiga Faculdade de Medicina, atual Centro de Ciências da Saúde, denunciava enfaticamente que "Um estudante foi morto por um agente de Polícia Federal no Campus Universitário" e exigia também, dentre vários pontos, "... a extinção da ASI: Assessoria de segurança e informação da UFPa, que já deveria ter ocorrido por decreto presidencial, baixado pelo presidente Geisel".
Nesta nota, de duas laudas, além de um relato sobre a morte de César, mais críticas eram feitas às medidas tomadas pelo reitor Aracy Amazonas Barreto e, ao regime militar. Segundo trechos da comunicação, os estudantes fazem uma série de exigências:
...exigimos também a extinção da ASI: Assessoria de Segurança e Informação da UFPa, que já deveria ter ocorrido por decreto presidencial, baixado pelo presidente Geisel. A indenização da família de César pela União. Já que o mesmo foi morto por um agente federal dentro de uma entidade federal. A imediata apuração dos fatos e devida punição do culpado. O cumprimento da lei que proíbe o uso de armas dentro da Universidade e o afastamento dos membros da direção da UFPa, que tem comportamentos autoritários e repressivos. [38]
A nota é finalizada com mais uma exigência, que pela sua importância, não seria demais considera-la, como a mais trivial delas:
... para que seja feito justiça NÓS EXIGIMOS: o desmantelamento do aparato repressivo dentro da Universidade e a formação de uma comissão para apurar quais os policiais que, disfarçados de estudantes (inclusive entrando na universidade sem prestar vestibular) estão prontos a vigiar e reprimir os universitários. [39]
Ainda na reunião do Centro de Ciências da Saúde, dentre as várias propostas colocadas em votação, uma delas, com significativa expressão de manifestação política, era de percorrer em passeata desde a Faculdade do Colégio Moderno, passando pela reitoria e indo até ao Colégio Nazaré, onde César havia estudado seu 1º e 2º graus. Essas manifestações marcariam, em Belém, um movimento que já se fazia no país todo: o de manifestar-se pelo desmantelamento da estrutura repressora do regime militar que ainda vigorava dentro das universidades brasileiras.
O movimento estudantil de Belém estava de luto e unificado por slogans muito ecoados em suas manifestações: "Pela liberdade: abaixo a repressão na universidade"; "Abaixo a repressão, mais verbas para Educação"; "Companheiro César, você está presente"; "Edson Luiz, você está presente". Muitos aderiram ao cortejo por onde este percorria.
Embora algumas pessoas atribuíssem ao fato que levou a morte de César um “acidente”, muitos protestaram atestando um outro entendimento. Logo após o ocorrido, antes do final da manhã, já se sabia que o estudante que havia sido atingido pala arma de um Policial Federal dentro de sala de aula, havia falecido no Pronto Socorro Municipal de Belém. A partir da evasão da notícia, várias discussões passaram a ser promovidas pelo Diretório Central dos Estudantes da UFPa. Uma delas, a primeira após o ocorrido, que reuniu também alguns professores, realizada no DCE, discutia as próximas horas e dias que se sucederiam.
Um conjunto de episódios marcou o tenso conflito político travado entre Movimento Estudantil e a Ditadura Militar. Um deles tornou-se posteriormente, tornou-se o fato reconhecido como o "primeiro assassinato explícito da ditadura". A morte do estudante secundarista Edson Luiz de Lima Souto, ocorrido no Rio de Janeiro, durante a invasão da Polícia Militar no restaurante Calabouço, em 28 de março de 1968; e, dentre outros ocorridos a partir daí, em função das repercussões de sua morte, grandes manifestações, como A Sexta Feira Sangrenta, a Passeata dos Cem Mil, a Guerra da Maria Antônia e o Congresso da UNE em Ibiúna, um coro de retomada as atividades e um prenúncio de novas organizações de protestos estudantis.
Esse período é marcado por muitas campanhas e movimentos contra os impedimentos e as proibições que acabavam em prisões, desaparecimentos, torturas e assassinatos em massa de representantes estudantis. Como foi o caso de Honestino Guimarães (presidente da UNE) e de Alexandre Vannuchi Leme (estudante da USP), ou como o caso do jornalista Vladmir Herzog, torturado e assassinato em cárcere ainda durante a primeira década de 70.
Ao findar a década de 70, com a revogação do AI-5 em 1978, e a decretação da Lei da anistia em 1979, a nova década anunciava o fim do regime de leis de “exceções”. Em 1980, a morte de César surpreende o país. A Câmara Municipal de Belém declarou o episódio como “... um marco histórico nas lutas estudantis da Universidade Federal do Pará”. [40]
CAPITULO IV
A Ditadura é acidental? [41]
A morte do estudante César Leite deixou a cidade de Belém consternada, gerando os mais diversos comentários. Os estudantes foram às ruas, os setores democráticos manifestaram seu repúdio ante a presença da repressão na universidade. Alguns perguntavam: foi acidente ou não? E o Secretário de Segurança Pública declara a imprensa que as lideranças estudantis são imbecis.
(Resistência: ‘A Ditadura é acidental?’;abril de 1980, ano 11, pg. 3)
A pergunta que fez o Resistência na manchete da matéria acima citada - "A ditadura é acidental?" - foi editada no mês seguinte após a morte de César Moraes Leite e fora feita também por muitas mais pessoas que viveram esses momentos fúnebres de ditadura militar no Brasil. Tal pergunta também tomou outros jornais de maior circulação em Belém e influenciou seus leitores. Foi de fato a pergunta que ganhou maior importância momentos após a sua morte. “Faixas, bandeiras da UNE, cartazes, ‘repudiando o porte de arma na UFPa’, eram exibidos e em pares ou em pequenos grupos, o tema das conversas era um só: teria a morte sido acidente ou não?”[42]
Os jornais ganhavam as ruas publicando o ocorrido na cidade universitária. Muitos se deslocavam para o local onde aconteceu a “fatalidade” que levou a morte de César. Embora o resultado oficial do Laudo de Exame de Corpo de Delito só tenha saído no dia seguinte, no mesmo dia da morte de César o estudante Sérgio Carneiro, representante da UNE-Norte, que acompanhou todo o trabalho pericial feito pelo Departamento de Medicina Legal do “Renato Chaves”, segundo O Liberal, levantou suas considerações extra-oficialmente.
(...) não era ter o fato sido ou não acidental: nada tira a gravidade de um morto em sala de aula. Foi quem primeiro pôde estabelecer a verdade dos fatos. Na Universidade, oficialmente, ninguém informava nada.[43]
No dia 11 de março de 1980, já era de conhecimento público o resultado do Laudo de Exame de Corpo de Delito. Conforme o mesmo:
No levantamento do local do crime encontramos uma carteira (cadeira) perfurada na porção correspondente ao encosto, num ângulo de aproximadamente de 45º em relação ao solo e o projétil cravando no forro da sala. No cadáver verificamos que o projétil descreveu o seguinte sentido: de baixo para cima; de trás para diante e ligeiramente de fora para dentro no sentido da direita para a esquerda, saindo próximo a linha mediana na região external. [44]
O laudo tirava as dúvidas sobre o fato, mas o contexto em que ocorreu o episódio ainda era muito questionado e o movimento estudantil não admitia que o episódio houvesse sido um puro acidente.
Presente em Belém no dia 17 de março de 1980, participando do Culto Ecumênico de César, o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Rui César, entrevistado pelo Resistência, afirmou que "(...) um acidente só ocorre quando há condições intrínsecas para tal", referindo-se a presença de uma arma que destoava completamente do espírito universitário. Rui César também relatou ao jornal O Liberal, que ao reunir com o Ministro da Educação Eduardo Portella, em Salvador, entregou-lhe um documento solicitando que o MEC tomasse providências sobre as questões que vinham ocorrendo dentro das universidades brasileiras. Retrata o referido jornal que:
De acordo com o presidente da UNE, o ministro Portella demonstrou-se bastante indignado com o fato ocorrido dentro do Campus, que resultou na morte do estudante César Leite, e no documento entregue a ele, contém o pedido de imediata intervenção do MEC para instalação de um inquérito destinado a apurar os acontecimentos, além de relatar situações que ocorrem no país inteiro dentro das universidades. Foi reivindicado também a eliminação da assessoria de segurança e informações das universidades, organismo criado, diz Ruy, para vigiar os estudantes e professores. [45]
Depondo por mais de uma hora e às portas fechadas, Dalvo Monteiro de Castro Júnior declarou que todas as manhãs freqüentava a universidade com uma capanga portando sua arma. Segundo Dalvo, alegando não estar de serviço e ter sido uma fatalidade, argumentou: "(...) eu já estive em missões delicadas e sempre soube me sair bem, nunca estive envolvido em qualquer problema, volto a afirmar que tudo que ocorreu foi um acidente, fatalidade".[46]
Também depôs na Delegacia de Crimes contra o Patrimônio, o colega de sala de César, o estudante de Engenharia Elétrica Lorival Augusto Dias Filho, que estava sentado na frente e a direita da professora Maria Inês quando ocorreu o disparo, disse a O Liberal, que César levantou-se ensangüentado e gemendo. Conforme o referido aluno, segundo relata o jornal: "Diz ter sido um acidente, já que não ouviu nenhuma discussão"[47] antes do disparo.
Dentre as testemunhas, estava também o depoimento da professora Maria Inês, da disciplina Estudo dos Problemas Brasileiros, que dava uma de suas primeiras aulas na UFPA e discutia sobre o tema violência e porte de arma. No momento em que se iniciava a aula a professora tinha pronunciado apenas umas cinco palavras e caminhava para a esquerda da sala, quando de repente foi surpreendida por um estampido. Julgava ela, entretanto, tratar-se de uma brincadeira de primeiro dia de aula, contudo percebeu que César levantava-se com as mãos no peito sangrando e, em seguida, caíra em direção à outra cadeira. Segundo O Liberal, a professora:
Antes de deixar o Campus, (...), deixou escrito seu endereço, caso fosse necessário, e foi para o Núcleo Pedagógico Integrado, na Avenida Perimetral. Afirma que o baleamento foi puro acidente.[48]
A Direção Geral de Polícia Federal, no dia 11 de março de 1980, distribuiu uma nota demonstrando sua preocupação "com o lamentável episódio em que se viu envolvido o agente". Nesta, a PF veio a público declarar seus sentimentos aos familiares de César e, ainda esclarecer que:
... tão logo tomou conhecimento do fato, determinou que o delegado de Polícia Federal Paulo Watanab, coordenador central judiciário, órgão integrante da Administração Central do DPF, se deslocasse imediatamente até esta capital (Belém), para o fim especial de presidir o respectivo procedimento destinado a apurar as circunstâncias em que se deu tão infeliz evento e apontar eventuais responsáveis por transgressões disciplinares, já que o competente Inquérito Policial estará a cargo da Segup/PA. [49]
Preocupado com as repercussões que vinha tomando o episódio do pavilhão Fb-2, principalmente no que diz respeito à movimentação estudantil, o Secretário de Estado de Segurança Pública do Pará, Paulo Sette Câmara, “profundamente constrangido”, repudiou-as classificando os estudantes como “verdadeiros e grandes imbecis” por estarem dando uma conotação política ao episódio. Conforme O Liberal Sette Câmara acusava os estudantes de estarem utilizando-se da tragédia para fazer “baderna” e “perturbar a ordem pública”.
Ele repudiou as manifestações de protestos registradas entre os estudantes sobre o caso, e ressaltou que os universitários estão dando para o acontecimento uma conotação política o que considera inconcebível, principalmente por se tratar de um puro e mero acidente o fato ocorrido. Os estudantes, no entanto, afirmou, “estão se aproveitando do caso para promover toda a série de baderna, para perturbar a ordem pública”. [50]
A informação sobre o episódio do pavilhão Fb-2, vagou pelos jornais, rádios e demais veículos de comunicação, comovendo Belém e o Brasil. Embora houvesse quem preferisse frisar que não passava de um acidente, o episódio acabou ganhando uma grande repercussão. Em uma outra conotação que lhe foi dada, chegou-se inclusive a questionar a presença de agentes do Serviço Nacional de Informação (SNI) dentro da Universidade Federal do Pará. Em tempos de liberdades limitadas, muitos tinham interesse em saber se havia sido acidente ou homicídio.
O Liberal publicou que um docente chegou a afirmar numa reunião que ocorreu no DCE da UFPA ao final da manhã do dia 10 de março de 1980, que há um serviço de informação dentro da universidade e que mais cedo ou mais tarde isso tinha que acontecer em função da quantidade de gente armadas e agentes dentro do Campus.
No DCE, professores e alunos realizavam um rápido debate. "Tinha de acontecer, mais cedo ou mais tarde", dizia um professor, "devido a quantidade de gente armada no Campus. Mais isto já está demais, porque há intimidação, a Universidade mantém um serviço de vigilância que é mais de deduragem interferindo nas relações professor-aluno, e é uma das poucas universidades que ainda mantém esse serviço”.[51]
Nesta mesma reunião, professores e alunos aprovaram a suspensão das aulas e, imediatamente logo após, começaram a percorrer o Campus informando o ocorrido, anunciando uma paralisação e convocando todos para o velório de César e para protestar contra a presença desse serviço na Universidade.
Esse vagar das informações gerou inúmeras manifestações de repúdio ao regime militar. Dois dias após a morte de César, o Coordenador Central Judiciário da Polícia Federal, Paulo Watanab, preocupado com as manifestações, veio de Brasília para apurar o envolvimento do agente Dalvo no episódio. Ele afastou de sua função o Superintendente da Polícia Federal no Pará e Amapá, Jaime Brahum. Embora o coordenador tenha admitido que o afastamento de Jaime Brahum não tenha sido em função da morte de César, e sim um procedimento de "mera rotina", pois ele já havia pedido para sair, alguns funcionários deste órgão arriscavam-se em opinar que a exoneração foi precipitada pelos últimos acontecimentos.
Já Luiz de Oliveira Santos, novo Superintendente da PF que substituía Jaime, disse à reportagem de O Liberal que já tinha conhecimento de sua designação para o cargo e aguardava apenas ser nomeado para substituir seu antecessor.
(...) O novo superintendente regional do departamento de Polícia Federal, Luiz de Oliveira Santos, disse ontem à reportagem que há dias tinha conhecimento de sua designação para o cargo e que aguardava somente a nomeação para receber a função das mãos de seu antecessor, Jayme Brahum. [52]
O Coordenador Central Judiciário da Polícia Federal Paulo Watanabe considerou que a movimentação estudantil que vinha ocorrendo, estivesse deturpando os fatos. Contudo, o então novo Superintendente de Polícia Federal, Luiz Oliveira Santos, ao comentar sobre a alegação estudantil de haverem agentes federais dentro da universidade para vigiar estudantes e professores, justificou que ocorria a possibilidade de "(...) haver infiltração na Universidade Federal do Pará", entretanto, negou que a Polícia Federal tivesse deslocado para a Universidade qualquer agente para detectar algum foco de “subversão”.
Na Reitoria, por volta de 17 horas do dia do episódio, ocorreu uma sessão ordinária do Conselho Superior de Administração presidida pelo reitor Aracy Barreto, que comunicou aos conselheiros o que havia ocorrido e classificou como precipitada a acusação dos estudantes em apontar o fato como um homicídio culposo. Segundo consta em ata do Conselho, precedeu-se "(...) um lamentável acontecimento em um dos pavilhões do setor básico, que ocasionara a morte de um aluno, atingido por um tiro de revólver que estava em poder de um outro estudante".[53]
Em face desse "infausto acontecimento", Aracy determinou a suspensão das aulas no dia seguinte, muito embora isso tenha ocorrido no mesmo dia por determinação da iniciativa tomada na reunião dos estudantes. Aracy também "ordenou o fechamento da cidade universitária" e, por esse motivo, deixou de ocorrer uma reunião de estudantes e professores marcada para as 20 horas no Campus.
Com a morte de César, várias criticas, antes muito pouco divulgadas na imprensa, passaram a tomar conta do diálogo entre a comunidade universitária e a reitoria desta. O presidente da Associação Docente (ADUFPA), professor Romero Ximenes, classificou uma série de absurdos cometidos pela gestão de Aracy. Dentre eles, estão dois: um inquérito movido pela Universidade contra dois professores e um estudante, ambos do curso de Geologia; e ainda, a crítica que fez o professor ao fechamento da “cidade universitária” a pedido do Reitor.
Para o professor Ximenes, o reitor Aracy Barreto estaria transformando a guarda patrimonial da universidade em polícia, que por ordens superiores, fazia relatórios contando o que professores e alunos andavam falando em sala de aula, ou se distribuíam algum comunicado.
Considera Ximenes ser inaceitável que as professoras Ruthléia Bemerguí e Vânia Barriga, juntamente com o estudante Michel Sauna, estejam sendo alvo de inquérito movido pela Universidade. Conforme o professor Ximenes, em função desses freqüentes “inquéritos”, que os acusava de dirigir veteranos numa "infiltração no meio dos calouros", "os professores são chamados em seus Centros, inquiridos, e não tem se quer o direito de saber quem formulou as denúncias".[54]
Em relação ao fechamento da cidade universitária, que inclusive havia impedido a reunião de professores e estudantes que discutiria a movimentação do dia seguinte, disse o professor Ximenes, desfechando uma das mais contundente crítica a administração central da Universidade:
(...) A Universidade não é só um local de aulas, mas de debate, e que não pode ser vedado aos corpos docente e discente. Conclui-se que ao invés de ser uma medida de pesar, pela morte do aluno César, torna-se uma medida repressiva. [55]
Com as criticas do DCE sobre a presença de policiais executando serviço de espionagem dentro do campus, o reitor Aracy Amazonas Barreto respondeu aos estudantes e à imprensa em geral, que a existência desse serviço de informação, segundo O Liberal:
... não existe serviço de espionagem no Campus Universitário, como acusam membros do DCE, mas o que houve foi a promoção dos guardas de segurança da Universidade, que foram promovidos a agentes administrativos, mas que de todas as pessoas que transitam no Campus “as únicas pessoas que eu tenho certeza que não andam armados são os nossos funcionários. [56]
Após horas de sofrimentos pela morte do irmão, Sandra Moraes Leite e sua Mãe, Helena Moraes Leite, foram hospitalizadas profundamente abaladas com o episódio que envolveu seu irmão e o levou a morte. Ainda muito abatida Sandra disse: “Quero justiça (...). Não sei se foi acidente, mas eu só queria saber o que faz um homem com um revolver engatilhado dentro de uma bolsa?”. E ainda, em relação à movimentação estudantil ou talvez respondendo às pressões que vinha sofrendo, Sandra indagou que:
Todas as pressões que se sente dentro das Universidades Brasileiras são públicas, e como tal devem tornar-se do conhecimento do povo porque de outra forma nuca se vai conseguir nada. Nós, universitários, é que devemos tomar a frente da luta.[57]
O jornal Resistência, persistente em suas criticas ao Regime, manifesta-se publicando uma matéria assinada por Ruy César, que critica duramente a versão acidental:
Não podemos considerar a morte de César como um simples acidente, porque senão cairíamos no erro de considerar a situação de miséria que assola o país também como um mero acidente, ou a existência da ditadura militar como um mero acaso. (Jornal Resistência: "A ditadura é acidental?", Belém-PA, abril de 1980. Ano II, n.º. 11, pg. 3).
Levar adiante esse Regime e, portanto, a sua estrutura de repressão, frente a esse forte opositor que renascera, já não era mais pertinente. No final da década de 70 para princípios de 80, dá-se então o inevitável desmantelamento da estrutura repressora do regime. O AI-5 e o Decreto-lei 477, impostos em 1968 e 1969 respectivamente, teriam o seu fim declarado dez anos depois (1978) pelo mesmo movimento que lutou para conquistar a Lei de Anistia em 1979.
“Acidente” ou “fatalidade” , como muitos procuravam atribuir ao episódio que levou a morte de César, abstrai-se que o acontecimento tenha se dado num contexto em que se tornavam freqüentes fatos cuja responsabilidade se atribuía ao Regime Militar e sua estrutura repressora de segurança e informação. Eram freqüentes as denuncias da presença de policiais federais nas universidades cujo intuito era de vigiar e reprimir as pessoas ligadas às organizações políticas não permitidas. Eram logo consideradas “subversivas”.
Rui César, em uma matéria publicada pelo Resistência, denuncia a presença da repressão no meio universitário criticando a prática policial desempenhada por seus “seguranças internos”.
A morte de César Leite constitui um exemplo vivo a todos os estudantes brasileiros, pois a morte faz parte de uma ideologia mais global, que permite nas instituições de todo o país a presença de policiais fardados e armados em sala de aula, e que instrui a ação de seguranças internos com praticas policiais coercitivas, gerando no meio universitário a insegurança, o cerceamento e a delação de alunos, professores e funcionários, passando a Universidade a desempenhar um papel desviante de sua real função. Deixa de ser uma instituição de debates, discussões e críticas para ser submetida e castrada no seu desempenho. Esta submissão e cerceamento embotam e atrofiam seu papel de mola propulsora de transformação social e a torna mero instrumento da própria repressão reinante no país, abrindo espaço para que a engrenagem opressiva tome posições nos seus quadros, como a ASI (Assessoria de Segurança e Informação) e agentes federais disfarçados de estudantes.
Esta situação reflete o estado da nação brasileira, que vive reprimida, vilipendiada nos seus mais legítimos direitos, vítima das arbitrariedades inescrupulosas e mórbidas do poder que oprime milhões de Césares através da falta de terras, de habitação, de saneamento, de educação, de emprego, de salário, de dignidade. [58]
Esse tempo produziu inúmeras vítimas, dentre as quais, César Moraes Leite, morto pelo disparo de uma arma de propriedade federal, de posse de um Policial Federal e dentro de uma sala de aula de uma instituição federal, que é a Universidade Federal do Pará. A universidade deixa de ser uma instituição de “debates, discussões e críticas” e de “mola propulsora da transformação social”, e passa desempenhar um “papel desviante de sua missão”.
Ainda na edição de abril de 1980, o jornal Resistência publica uma matéria contendo uma lista de agentes do SNI em Belém. Segundo a manchete, “Os agentes do SNI em Belém”, Resistência denuncia que “São mais de 35 funcionários, só o pessoal da área civil, alguns contratados no final do ano passado, justamente em época da propalada ‘abertura’ ”. Com a estrutura que contava o Serviço de Nacional de Informação formada, os militares interviam com a finalidade de espionagem, informação, realização de operações, interrogatórios, captura e tortura.
A pergunta que fez Rui César, “A ditadura é acidental?”, é muito interessante e por ele já respondido anteriormente, mas só para sustentar sua insatisfação aversão a visão de “acidente”, Rui reforça com uma segunda pergunta: “Será que se não houvesse necessidade de reprimir tanto a sociedade brasileira seria normal a presença de armas numa sala de aula?”.
A “pequena” história de “acidente”, defendida por uns e negadas por outros, acabou ganhando proporções políticas e a discussão se multiplicado em inúmeras críticas ao Regime Militar, mas nos deixou a tarefa de desvendar a sua imensidão. A história factual, estampada na manchete de O Liberal que afirma que o “Laudo pericial diz que houve acidente” [59], era muito simpática principalmente aos administradores dos órgãos governamentais: como a UFPA, a Polícia Federal e a Secretaria de Segurança Pública do Estado. Sustenta a preocupação destes em provar que não havia agente de polícia federal em serviço dentro do campus naquele momento, e justifica a razão que o agente Dalvo tivesse de fato deixado cair sua arma acidentalmente, como comprova o exame de balística.
Embora a grande imprensa desse mais ênfase as explicações do acidente, a imprensa alternativa, representada aqui pelo jornal Resistência, conforme a manchete “A ditadura é acidental?” (de autoria de Ri César, presidente da UNE), formula duras criticas ao Regime Militar e privilegia uma análise contextual considerando uma preocupação diferente da visão factual defendida pelos órgãos governamentais. A discussão sobre o “acidente” que levara a vida de César, para o Resistência, tratava-se de um problema que estava posto num processo por qual vinha passando o país naquele momento. César foi atingido por um revolver da Polícia Federal, de posse de um policial federal e dentro de uma instituição federal.
CONCLUSÃO
A “abertura dos arquivos”, que abordamos no Capítulo I deste trabalho, a pesquisa nos permite concluir que Belém do Pará está bem atrasada, é verdade, em relação, por exemplo, a São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, que já disponibilizaram à visitação pública aos documentos oficiais gerados pelos órgãos de segurança e informação do Regime Militar. Isso se deve por dois motivos: pela falta de pesquisa sobre a ditadura militar e, pela inexistência de movimentos de parentes das vítimas da repressão ou de grupos envolvidos com os direitos humanos na questão da “abertura dos arquivos” em Belém. Em outros Estados, alem destes quais citamos anteriormente, esses movimentos foram e ainda são muito fortes. Esta questão não é mais uma questão de interesse apenas dos familiares, tornou-se uma questão de domínio público uma vez que a legislação que “garante” o acesso aos familiares, restringe o direito a sociedade brasileira em conhecer a sua história.
A importância da liberação desses documentos contidos nos arquivos militares para a elucidação de uma história da repressão em Belém se faz necessário uma vez que a perspectiva de investigação sobre o assunto é embrionária em função da carência de disponibilidade de um acervo documental. Afinal, como poderemos explicar, de forma mais consistente, às futuras gerações de nossa cidade, os significados dos 21 anos de ditadura militar e a perda de lideranças políticas importante para a vida política e cultural na construção de nossa democracia? Como podemos valorizar o direito de expressão se nos é facultado o direito a informações sobre nossa história?
Sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, mas com o objetivo de contribuir com a redução desse grande vazio na pesquisa no âmbito da ditadura militar, vemos somar com os trabalhos cujo interesse é encontrar, aglutinar e debater o conhecimento do passado como contribuição para o nosso tempo. A consolidação da democracia e a construção da memória política sobre o regime militar não podem prescindir desse encontro com o passado.
A análise da violência aplicada com a repressão política, trabalhada no Capítulo II desta pesquisa, nos permite concluir que a falta de democracia dentro das universidades brasileiras levou a ocorrência de uma série de episódios muito freqüentes durante a Ditadura. Episódios como o que ocorreu no restaurante Calabouço que terminou com a morte de Edson Luis e se desdobrou com outras mortes e feridos em função das manifestações que ocorreram no Rio de Janeiro em 1968; o episódio do Rio Centro em 1981, onde uma bomba explodiu dentro de um carro no colo de policiais que tentavam uma ação planejada em uma manifestação político-cultural contra o regime em praça pública, também no Rio de Janeiro, fez parte, assim como a morte de César, deste contexto fúnebre qual muitos militares ainda hoje se orgulham sem arrependimentos; inclui-se aí também, as perseguições políticas e mortes de muitos outros sujeitos que fizeram parte desse cenário repleto de “acidentes” e “coincidências”, ainda hoje não muito bem explicadas, mas que marcou esse tempo de Ditadura Militar que fica para a memória e para história como herança de uma geração de um povo que sofreu lutando por liberdades políticas.
A análise das fontes jornalísticas feitas no Capítulo III deste trabalho, sobre o Episódio do Pavilhão Fb-2 em si, nos permitiu consignar o desenrolar dos acontecimentos em Belém com a morte de César com o que vinha ocorrendo no país naquele momento. As manifestações públicas, apoiadas por várias entidades estudantis, dentro e fora da “cidade universitária” confirmam os momentos de repúdios generalizados contra a Ditadura Militar no país. O Ato Ecumênico, onde estiveram presentes as mais diferentes representações religiosas e políticas do Estado do Pará, também confirmam um movimento de repúdio ao regime militar que ultrapassaram as esferas territoriais urbanas, haja vista que, no campo, a situação dos conflitos agrários também eram excludentes. O povo uniu-se contra a Ditadura Militar repudiando mais um crime do regime opressor.
Sobre a morte de César Moraes Leite no Capítulo IV deste trabalho, consideramos “central” desnaturalizar a problemática do “acidente”. Os capítulos foram organizados com o fim de resgatar a análise contextual em contrapartida a versão factual de sua morte. A pesquisa nos permite sustentar que a idéia de que a morte de César foi um “acidente”, foi uma idéia sustentada com a intenção de tirar a responsabilidade do Regime Militar e de suas autoridades expostas ao corporativismo do uso da máquina estatal.
Considerar a morte de César como um acidente, uma casualidade, é acreditar numa idéia única e absoluta sem uma conexão com o tempo e com a história. A intenção dos factualistas era de provar que sua morte não tinha relação com os responsáveis pela diligência do Regime. Um fato sem responsabilidade alguma com a estrutura de repressão que ainda se mantinha ativa aquela altura em 1980, quando o país já caminhava para o desmonte dos órgãos da repressão. Aceitar essa idéia factual e absoluta é incorrer no erro de aceitar análises de tempo fragmentado, absolutos e sem abertura às condutas múltiplas.
Como vimos anteriormente, a questão “acidental”, debatida no Capítulo IV deste trabalho, tem relação muito íntima com a Segurança Nacional e a repressão direcionada pelos órgãos de segurança e informação. Uma vez que está relacionada com a presença de agentes nos “ambientes de ensino”. Com a morte de César Moraes Leite em 1980, esse fator se mostrou evidente e como uma razão mais provável. Fazendo um paralelo com o episódio do Riocentro, em que policiais morreram numa ação terrorista planejada pelo Estado, apenas para ilustrar melhor o flagrante dessas ações tidas como acidentais, mas que neste caso o tiro saiu pela culatra, quantos Césares não teriam morrido no Riocentro caso a missão prgrada tivesse dado certo.
Dentre os inúmeros ocorridos durante o regime autoritário instalado em 1964, a morte de César Moraes Leite representou esse infeliz “marco histórico nas lutas estudantis da Universidade Federal do Pará” (Decreto Legislativo da Câmara Municipal de Belém, nº 32, 1991). O tempo que vai de 1964 a 1980, recorte que se propões este trabalho, é um tempo marcado pela repressão e também pela "distensão" política. Um tempo de "manutenção da ordem" "ameaçada" pela "infiltração" comunista. Por fim, concluímos que durante a Ditadura Militar, mesmo aqueles que não carregassem consigo adjetivos como “líder subversivo”, “agitador” ou “comunista”, sofreram com o bisturi impreciso da repressão generalizada.
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ANEXOS
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[2] FERREIRA, Elizabeth F. Xavier. O Autoritarismo, a Guerrilha Urbana e a Violência. Tempo/UFF, departamento de História. Rio de Janeiro,Vol. 1, abril de 1996, p. 143.
[3] FICO, Carlos. apud. GORENDER Jacob. Como eles agiam, 2001, p. 13.
[4] FICO, Carlos. Como eles agiam, 2001, p. 93.
[5] REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL, Nº 2, JUNHO DE 199. Esta entrevista, realizada por Maria Celina de Araújo, professora do Departamento de Ciência Política da UFF e pesquisadora da CPDOC-FGV, foi feita no Rio de Janeiro, em 8 de dezembro de 1998, concedida originalmente para integrar um projeto sobre a história da fundação Getúlio Vargas. A entrevistadora aproveitou a ocasião para que Aspásia relembrasse as motivações e os desafios que envolveram a da história oral como recurso de pesquisa histórica no Brasil.
[6] ASSOSSIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL, Como a história oral chegou ao Brasil, entrevista com Aspásia Camargo a Maria Celina D’Araújo, p. 172.
[7] Manchete publicada no jornal O Liberal, edição do dia 11 de março de 1975, 1º caderno, p. 6.
[8] MORAES, Denis. A Esquerda e o Golpe de 64, p. 48.
[9] NUNES, André Costa. 1964. Relatos subversivos e o golpe militar no Pará. 2004, p. 19.
[10] POERNER, Artur José. O poder Jovem. 1979, p. 219-220.
[11] NUNES, André Costa. 1964. Relatos subversivos e o golpe militar no Pará. 2004, p. 132.
[12] POERNER, Artur José. O poder Jovem. 1979, p. 231.
[13] VALLE, Maria Ribeiro. 1968: o diálogo e a violência. Movimento estudantil e ditadura militar no Brasil. 1999, p. 66.
[14] POERNER, Artur José. O poder Jovem. 1979, p. 297.
[15] POERNER, Artur José. O poder Jovem. 1979, p.303.
[16] O Liberal. Belém-Pa, 30/07/1975. 1º Caderno, pg. 7.
[17] FICO, Carlos. Como eles agiam. 2001, p. 84.
[18] FICO, Carlos. Como eles agiam. 2001, p. 93.
[19] O Liberal. Belém-Pa, 12/03/1980, 1º Caderno. p. 17.
[20] O Liberal. Belém-Pa, 12/03/1980, 1º Caderno. p. 17.
[21] Resistência. Belém-Pará. Abril de 1980. Ano II, nº 11. p. 3.
[22] Ver o jornal Resistência, uma publicação de responsabilidade da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SPDDH. A referida matéria foi publicada em janeiro de 1980, ano III, nº 20, pg. 3. Diz: “Contra a miséria, os baixos salários, a opressão e a violência, largas camadas da população fizeram de 1980 o ano do protesto, crescendo sua organização com a luta contra o regime militar”.
[23] O Liberal, Belém-Pará, 11/03/1980, 1º Caderno, pg. 22.
[24] A Província do Pará, 14/03/1980, Polícia.
[25] O Liberal, 11/03/1980. 1º Caderno, pg. 22.
[26] Idem, pg. 22.
[27] A Província do Pará. Belém-Pa, 14/03/1980. Polícia.
[28] O Liberal. Belém-Pa, 11/03/1980. 1º Caderno, p. 22.
[29] O Liberal. Belém-Pa. 13/03/1980. 1º Caderno, p. 22.
[30] Resistência. Belém-Pará. Abril de 1980. Ano nº 11. p. 10.
[31] O Liberal. Belém-Pa. 11 de março de 1980. 1º caderno, p. 22.
[32] O Liberal. Belém-Pa. 12 de março de 1980. 1º caderno, p. 17.
[33] O Liberal. Belém-Pa, 11 de março de 1980. 1º Caderno, p. 22.
[34] O Liberal. Belém-Pa. 18/03/1980. 1º caderno, p. 18.
[35] Idem.
[36] Resistência. Belém-Pará. Abril de 1980. Ano nº 11. p. 10.
[37] O Liberal. Belém-Pa. 18/03/1980. 1º caderno, p. 18.
[38] O Liberal. Belém, 12/03/1980. 1º Caderno, p. 17.
[39] Idem.
[40] Decreto Legislativo da Câmara Municipal de Belém, nº 32, 16 de dezembro de 1991.
[41] Tema retirado da manchete do Resistência, Jornal da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos do Pará, ano II, nº 11, abril de 1980, p. 3.
[42] O Liberal. Belém, 11/03/1980. 1º Caderno, p. 22.
[43] O Liberal. Belém, 11/03/1980. 1º Caderno, p. 22.
[44] Laudo do Exame de Corpo de Delito. Instituto de Polícia Científica "Renato Chaves", Belém, 11/03/1980.
[45] O Liberal. Belém, 18/03/1980. 1º Caderno, p. 18.
[46] A Província do Pará. Belém, 14/03/1980. Polícia.
[47] O Liberal. Belém, 18/03/1980. 1º Caderno, p. 20.
[48] O Liberal. Belém, 14/03/1980. 1º Caderno, p. 20.
[49] A Província do Pará. Belém, 14/03/1980. 1º Caderno, p. 20.
[50] O Liberal. Belém, 14/03/1980. 1º Caderno, p. 20.
[51] O Liberal. Belém, 11/03/1980. 1º Caderno, p. 22.
[52] O Liberal. Belém, 14/03/1980. 1º Caderno, p. 20.
[53] Serviço Público Federal, Ata do conselho Superior de administração do dia 10/03/1980.
[54] O Liberal. Belém, 12/03/1980. 1º Caderno, p. 17.
[55] O Liberal. Belém, 12/03/1980. 1º Caderno, p. 17.
[56] Idem.
[57] O Liberal. Belém, 14/03/1980. 1º Caderno, p. 20.
[58] Resistência. Belém-Pará. Abril de 1980. Ano nº 11. p. 3.
[59] O Liberal. Belém, 13/03/1980. 1º Caderno, p. 22.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
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