terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Individualismo e indiferença nas atitudes estudantis (1)

FONTE: http://www.ces.uc.pt/opiniao/ee/036pt.php

Individualismo e indiferença nas atitudes estudantis (1)
ELÍSIO ESTANQUE

Diário de Coimbra, 25 de Novembro de 2007


Numa altura em que o ensino superior se encontra em processo de reestruturação, vem a propósito dar a conhecer alguns dos diagnósticos obtidos no âmbito de um projecto realizado no CES acerca da comunidade académica da Universidade de Coimbra (cujos resultados gerais serão em breve publicados no livro «Do Activismo à Indiferença – movimentos estudantis em Coimbra», em co-autoria com Rui Bebiano, Lisboa, ICS). Trata-se de identificar alguns dos contornos que se vêm desenhando nos últimos tempos no mundo universitário, em particular no que se refere à população estudantil. Começo por referir-me às orientações subjectivas dos estudantes perante a vida e a sociedade. As atitudes são concebidas segundo dois eixos: no primeiro contrapõem-se o investimento no interesse individual versus o investimento no colectivo; e no segundo contrapõem-se o investimento no dia-a-dia versus o investimento no longo ou médio prazo. Daqui resulta uma tipologia de quatro orientações subjectivas: 1) quotidiano autocentrado, que dá primazia ao quotidiano e aos interesses individuais; 2) quotidiano sociocentrado, que dá primazia ao quotidiano com envolvência social e colectiva; 3) projecto autocentrado, que privilegia um projecto de futuro com primazia do interesse individual; e 4) projecto sociocentrado, ou seja, um projecto centrado numa ideia de futuro com envolvimento social e com primazia do interesse colectivo.
Interpretando os resultados obtidos – em dois momentos distintos, 2000 e 2006 – podem identificar-se algumas tendências a este respeito. Primeiro, os dados globais revelam que enquanto as orientações "autocentradas" se acentuaram, as "sociocentradas" declinaram. Segundo, as sociabilidades são mais centradas nas preocupações de médio prazo do que na mera convivialidade quotidiana, mas a aposta num "projecto" dirigido ao interesse "social" tem vindo a enfraquecer (tal como o envolvimento quotidiano com o colectivo), especialmente por parte do sexo feminino, surgindo essa atitude bem atrás da preferência por objectivos de médio prazo centrados no interesse individual. Finalmente, convém sublinhar que isso acontece sobretudo à custa do reforço dessa tendência por parte das raparigas, permanecendo nos rapazes uma preferência ligeiramente superior (31,7% contra 30,7%) por um projecto dirigido à sociedade. A pressão do mercado de trabalho e o desemprego de licenciados parecem ser as principais razões deste acentuar do "individualismo" (tanto no imediato como no médio prazo). Por outro lado, a maior inclinação dos rapazes para o projecto sociocentrado (mas, note-se, em termos absolutos também minoritária) relaciona-se provavelmente com a sua participação mais assídua nas estruturas associativas, enquanto elas parecem investir mais nos resultados académicos e, aparentemente, no acesso ao emprego. Estas tendências reflectem-se ainda em vários outros domínios, como sejam a relação com a tradição académica, as atitudes perante a praxe e perante o associativismo, posturas essas que traduzem viragens, diferenças e complexidades relacionadas com a recomposição sociológica da população estudantil de Coimbra. O actual cenário parece traduzir um certo sentido de perda identitária e de crescente indiferença perante a intervenção cívica e política no espaço público, práticas que no passado foram apanágio da juventude universitária. A adesão massiva dos estudantes aos programas das festas académicas, por exemplo, sendo massificada e de índole consumista, não é suficiente para compensar a relação volátil, instável e superficial que denotam tanto ao nível das suas vivências no quotidiano académico como na assimilação do património histórico da Universidade e do próprio movimento estudantil. Abordarei alguns destes temas em próximo artigo. (http://boasociedade.blogspot.com)

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