quinta-feira, 29 de maio de 2008

UNE versus Movimento Estudantil


UNE versus Movimento Estudantil
Otávio Luiz Machado


Participei durante a semana de mais um evento com os jovens brasileiros. Em uma palestra sobre a história do movimento estudantil em 1968 pela manhã, e de um debate sobre o filme “Cabra Marcado pra Morrer” (de Eduardo Coutinho) à tarde, com um público total de cerca de oitenta pessoas, cumpri com minha obrigação em mais uma universidade brasileira, pois ao longo do projeto já pude conhecer quase trinta universidades em vários cantos do país, além de contracenar virtualmente com professores, funcionários e estudantes praticamente em todas que temos no país.
O que me chamou mais a atenção foi a ausência da União Nacional dos Estudantes (UNE) nas universidades. Geralmente quando se refere à UNE, o que de imediato é comentado é a sua função de correia de transmissão do PC do B, do seu distanciamento em relação à luta dos estudantes e de tantas outras questões. Mas a UNE está na preocupação dos estudantes quando o assunto é participação dos estudantes no movimento estudantil, pois o que se percebe é que a entidade tem sido não só um empecilho à luta dos estudantes, mas uma verdadeira pedra no sapato de quem precisa sensibilizar os estudantes sobre sua importância para o fortalecimento do movimento estudantil.
Com UNE ou sem UNE os estudantes brasileiros sempre lutaram no nosso país desde a fundação das nossas primeiras instituições de ensino superior. Mesmo com uma direção da UNE entreguista, cooptada pelos mais diversos poderes públicos e sem voz no meio estudantil, o que se percebe é o crescimento do movimento estudantil.
Uma longa entrevista da Presidente da UNE a uma rede de televisão só veio a demonstrar mais uma coisa: a direção da UNE não conhece aqueles que dizem representar. E ao mesmo tempo, os estudantes conhecem e reconhecem na UNE uma entidade que não os representa de fato e de direito. Estar preso à carteirinha da UNE é forçar a associação dos estudantes a algo que não querem.
A direção da UNE se acovarda quando muitos estudantes estão expostos à ação da PM, à truculência de alguns reitores e à perseguição permanente. Enquanto a direção da entidade faz movimento estudantil em parceria com a Rede Globo e fechados em salas de ar-condicionado, os estudantes tomam a luta pela reforma universitária, pela participação dos estudantes e pelo fim dos autoritarismos no calor do dia-a-dia ouvindo as bases estudantis.
A entrevista da Presidente da UNE poderá ser assistida no nosso blog:

http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com/2008/05/ocupao-unb.html

O cinismo da Presidente da UNE é enorme na entrevista, pois ao colocar a entidade no conjunto da luta dos estudantes hoje parece piada, pois desde a gestão do Presidente Gustavo Petta, o que se viu na UNE foi só silêncio, postura chapa-branca, omissão, desonestidade intelectual e com possibilidade de corrupção, pois a entidade desviou recursos públicos que seriam utilizados para produzir a “História da UNE” para fazer a “história do PC do b na UNE”. È preciso dizer que o problema não é o de receber verbas públicas. O seu destino é o mais importante.
A UJS (União Juventude Socialista), via UNE, prestes a receber mais R$30 milhões do Governo Federal como prêmio de ter aceitado ser a tropa de choque do Governo Federal – e assim ficando longe dos estudantes que deveriam representar –, agora busca ser boazinha com os estudantes, freqüentando os espaços estudantis, participando de atividades estudantis em universidade e até posando de bons líderes estudantis.
É bom dizer que a verba vai para a UJS do PC do B (Partido Comunista do Brasil), pois é quem comanda a UNE há cerca de duas décadas. E que em outros aspectos está fazendo a UNE funcionar aos seus interesses. O que cabe nos perguntar: é uma ação entre amigos? Ou trata-se de amigos em ação?
A direção da UNE calou-se na ocupação em episódios nacionais, como no escândalo de Renan Calheiros, aliou-se à Lula até a alma sem nenhum comentário crítico e voltou-se violentamente aos estudantes que ocuparam universidades como USP, UFRJ, UFPE e outras.
A experiência de Lula e de tantos outros membros do seu Governo que foram autênticos líderes estudantis ou sindicais certamente os deixam preocupados com a postura da direção da UNE, pois embora seja um tanto quanto conveniente para eles, creio que em nada contribui de significativo para o próprio Governo, que realmente preciso ter opiniões críticas, respaldo das bases em que as políticas públicas precisam atender e muita “luz” no preparo e na execução de suas atividades.
No caso da ocupação da UnB, a direção da UNE quis entrar como a grande liderança do movimento, embora sem a participação na construção da ocupação, que foi de fato construída pelo DCE da UnB e pelos estudantes da instituição.
A liberação de R$30 milhões para uma sede da UNE será uma grande farsa. Com recursos públicos consideráveis, além da manipulação de recursos privados, o aparelhamento da UNE pelo PC do B é evidente nos seguintes episódios:

1) Projeto “História da UNE” (ou Memória do Movimento Estudantil ): foram exigidos do Estado R$4,5 milhões do Governo Federal, sendo R$2,3 milhões já torrados para se escrever a história da UJS na UNE. Ou aspectos históricos do movimento estudantil de seu único e exclusivo interesse;

2) É bom lembrar que em 2007, a empresa que fornece carteirinhas estudantis para a UNE doou R$602,8 mil – de um total de R$874,8 mil recebidos pelo PC do B por meio de doações de Pessoas Jurídicas – ao partido político que comanda a direção da UNE, o PC do B. É difícil à direção do PC do B na UNE explicar porque tal doação não poderia ter sido feita a trabalhos de interesses dos estudantes brasileiros, levando-se em consideração que a empresa fatura alto em cima das carteirinhas estudantis. O PC do B já está em sede própria, ou seja, um impressionante prédio no centro de São Paulo, que foi pago também com recursos de doações de legítimos representantes de nossa burguesia mais reacionária;

3) Parlamentares do PC do B novamente liberaram emendas parlamentares para a história do PC do B na UNE, pois esse tipo de história só interessam a eles. É sempre bom lembrar que os mesmos poderiam ter destinado tais recursos para suas cidades ou Estados que dizem representar.
- Nome do Projeto: Sempre Jovem Sexagenária
- Número do Projeto (PRONAC): 0710778
- Nome do Proponente: União Nacional dos Estudantes - UNE
- Síntese do Projeto: Visa recuperar e organizar as informações sobre a história, através do levantamento de dados, organização de um acervo de documentos, coleta de depoimentos orais de ex-militantes, pretende ainda publicar um livro e um documentário, objetivando desenvolver a arte em geral envolvendo a área da leitura.
- Valor Aprovado: 706.470,00
- Valor Captado: 650,00
Emenda do Tesouro
Deputado Federal: Alice Portugal: 13.392.1142.4796.0264 - R$ 200.000,00 Deputado Federal: Inácio Arruda: 13.392.1142.4796.0264 - R$ 200.000,00 Deputado Federal: Renildo Calheiros: 13.392.1142.4796.0001 - R$ 250.000,00 TOTAL DE EMENDAS : R$ 650.000,00/ Aguarda descontingenciar orçamento/limite Financ.
- Fonte: http://www.cultura.gov.br/salic4/index.php?pronac=0710778


Quando da reconstrução da UNE em 1979, José Genoino, então ex-militante do PC do B no Araguaia afirmou:

“Para a reconstrução existir de fato é preciso que os estudantes sintam realmente a necessidade de ter sua entidade. É imprescindível que eles se unam em torno da bandeira da União Nacional dos Estudantes, num programa comum, tirado das lutas que estão sendo travadas por todo o povo brasileiro. Acho que ela será recriada com o objetivo de conquistar uma representatividade expressiva, de ganhar respaldo, e não podemos imaginar que ela só deva ser recriada quando tivermos todas as entidades de base reconstruídas, pois a UNE não é uma soma de entidades. Para ser uma entidade forte é necessário que ela nasça com uma política de fortalecimento, tanto a nível das escolas quanto das universidades” (Entrevista ao UEB Urgente – Proposta para a UNE Unitária e Independente. Nº5. Maio de 79).

A partir do que disse Genoíno, concluímos que no terreno histórico da UNE deveria ser construído um monumento e um auditório. O primeiro para termos uma referência da luta do passado. O segundo para que os estudantes possam debater sobre as suas lutas e a luta a favor do povo brasileiro.
Na iminência do anúncio pelo Presidente Lula da injeção de mais de R$30 milhões de recursos do povo brasileiro à UJS do PC do B – é bom salientar em projetos de tal natureza que o valor estimado acaba sendo duas ou três vezes até o final da obra –, seria bom perguntar aos estudantes brasileiros em que ação o Estado deveria investir: em um prédio monstruoso para um grupo político-partidário? Ou investir na juventude brasileira?
A sensibilidade do Presidente Lula com a juventude brasileira falará mais alto, pois quando jovem ele teve as piores oportunidades para sobreviver, estudar e se profissionalizar. Muitos dos que hoje são parlamentares, ministros, magistrados, governadores, prefeitos e os que ocupam as mais diversas funções na vida pública também foram estudantes e sabem muito bem o que acontece quando as lideranças estudantis não atuam a favor dos estudantes. Sabem dos sacrifícios familiares e pessoais para ter êxito nos estudos.
Para chegar à Presidência da República, Lula também precisou da participação dos jovens de comunidades rurais, jovens moradores de favelas precarizadas, de universitários, de jovens de camadas populares, filhos de pais analfabetos e de jovens que nunca conseguiram chegar à universidade.Certamente irá dar uma chance aos jovens como vem fazendo, mas que reconhecidamente é necessário fazer ainda mais.
Mas a direção da UNE ainda precisa muito a aprender, pois não basta dizer-se socialista. Como disse Lênin: “Portanto, ser comunista significa organizar e unir toda a jovem geração, dar exemplo de educação e de disciplina nessa luta. Então vocês poderão compreender e levar a termo a construção da sociedade comunista” (em texto do livro As tarefas revolucionárias da juventude”.

Nenhum comentário: