quinta-feira, 29 de maio de 2008

Pressão no emprego afeta criatividade

FONTE: http://www.secom.unb.br/bcopauta/trabalho14.htm
trabalho
Pressão no emprego afeta criatividade
Cobrança excessiva por resultados prejudica processo criativo de funcionários, afirma estudo da UnB



No cenário competitivo das organizações, o trabalho sob pressão parece ser determinante para o sucesso de uma empresa. Estabelecer metas e cobrar resultados de maneira ponderada e equilibrada são estratégias que podem estimular o funcionário a ser mais criativo, mas, se a companhia extrapolar os limites dos seus colaboradores, o tiro pode sair pela culatra, afirma a psicóloga Virgínia Nogueira, autora da dissertação de mestrado Pressões no trabalho e a criatividade no contexto organizacional. O estudo, orientado pela professora Maria de Fátima Bruno de Faria, foi defendido no Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade de Brasília (UnB).
A pesquisadora avaliou o funcionamento de uma das maiores redes de supermercado do país, e identificou diferentes tipos de pressão que prejudicam a criatividade nas organizações. Os funcionários escolhidos pela pesquisadora eram chefes de seção, e gerenciavam áreas como padaria, frente de caixa, bazar e têxtil. São diretamente responsáveis pelos resultados de suas áreas e os reportam todos os dias aos seus superiores.
De acordo com o levantamento da psicóloga, a pressão de tempo foi uma das mais comentadas pelos chefes de seção. Esse tipo de pressão está associado à sobrecarga de trabalho e, em alguns casos, essa sobrecarga de trabalho pode estar relacionada à falta de pessoal. “As pessoas pareciam acreditar que o desenvolvimento tecnológico dos últimos 50 anos teria atenuado a carga de trabalho. Em contrapartida, as pessoas teriam mais tempo para sua família e lazer, mas não é esse o cenário que se concretiza nas organizações”, afirma a psicóloga.
Os constantes cortes de pessoal e a crescente demanda por resultados sobrecarregam os poucos empregados que restam nas empresas, e eles precisam dar conta de um serviço que antigamente era realizado por quatro ou cinco pessoas. Dessa forma, as empresas conseguem reduzir seus custos operacionais e aumentar sua lucratividade. Por outro lado, prejudicam os resultados que poderiam alcançar com ações criativas, que num ambiente de pressão tem poucas condições de prosperar.
Submetidos a diversos tipos de pressão, as pessoas enfrentam maiores dificuldades para desenvolver estratégias criativas no ambiente de trabalho. “É difícil imaginar que não exista nas organizações o estímulo pela busca de metas e resultados. Mas as lideranças devem ter sensibilidade para identificar qual é o nível de tolerância de cada pessoa, e exatamente como esse estímulo pode se transformar na pressão que passa a prejudicar a criatividade, além de provocar doenças e sofrimento”, diz a pesquisadora. A criatividade, ressalta Virgínia, contribui diretamente para o cumprimento das metas e resultados de uma organização. “A expressão ‘criatividade nas organizações’ remete à capacidade de gerar algo novo e de valor na empresa, algo que contribua para alcançar os objetivos daquela organização”, explica.
Pressões prejudiciais ao processo criativo nas organizações, identificadas pela pesquisadora:
PRESSÃO DE TEMPO – Caracteriza-se pela percepção de falta de tempo ou tempo insuficiente para execução de tarefas, que está relacionada com a sobrecarga de trabalho, por falta de pessoas e de recursos materiais, bem como pelo excesso de tarefas e pouco tempo para executá-las. Provoca esforço extra, leva ao estresse e prejudica a qualidade de vida.
AUTO-EXIGÊNCIA ELEVADA – Esse tipo de pressão foi mencionado várias vezes pelos participantes da pesquisa, como uma forma de pressão psicológica. É resultado da auto-cobrança pela necessidade de ser reconhecido, de não ser punido pela chefia ou colegas de trabalho por seus resultados ou comportamento. Na pesquisa foram identificados casos onde as pessoas tinham medo de serem mal vistos pelos colegas. Por isso, evitam cumprir somente seu horário normal de trabalho. Chegam a esperar os outros colegas saírem, para depois irem para casa. Alguns dos chefes relataram sentimento de culpa por tirar suas folgas, como se fosse necessário estar sempre à disposição da empresa.
PRESSÃO DA FAMÍLIA E DOS AMIGOS - Resultado da cobrança pela ausência, pelo isolamento social e pelo desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal, relatada pelos participantes. É contraposta pela necessidade do trabalho pelo sustento do lar, dos filhos. Esse comportamento acaba afetando a vida familiar dos envolvidos. Como vivem para o trabalho, os funcionários não têm tempo para mulher/marido e filhos, e costumam ser cobrados por isso. Entre os casos estudados na dissertação, há pessoas que relataram ouvir dos filhos que “nunca lhes tinham dado atenção”. O paradoxo se acirra quando os empregados do supermercado afirmam trabalhar por causa da família, pelo seu sustento e manutenção, enquanto os familiares, algumas vezes, encaram a dedicação ao emprego como descaso com o lar.
PRESSÃO POR RESULTADOS – Gerado pela cobrança da chefia para que um trabalho seja realizado, geralmente associada à necessidade de se atingir algum resultado previamente estabelecido por metas e indicadores financeiros, independentemente da disponibilidade de pessoal e de recursos. É diferente do estímulo saudável pela busca de resultados e metas, que não se caracteriza como uma forma de pressão.
Estratégias para criar, identificadas pela pesquisadora:
Mesmo em situações desfavoráveis, as pessoas ainda conseguem desenvolver estratégias para criar em ambientes caracterizados por diversos tipos de pressão. Segundo Virgínia, o segmento varejo apresenta um cenário muito competitivo, por isso é preciso agir com criatividade para obter sucesso. A psicóloga diz que, mesmo nesse contexto de muita pressão, as pessoas ainda conseguem criar e, assim, colaborar para as empresas atingirem suas metas e resultados.
As estratégias podem partir da empresa ou do funcionário. Os voluntários da pesquisa afirmaram ser possível equacionar as pressões por meio de um bom planejamento pessoal de tarefas e de tempo. Outros sugerem trocar idéias e experiências com colegas de serviço como forma de enfrentar a sobrecarga de trabalho e as demais pressões do ambiente. Mas a empresa também tem um papel importante nesse aspecto, e deve desenvolver como estratégia de incentivo programas estruturados e de estímulo à criatividade.
“O maior desafio de uma empresa não é vender, mas gerir as pessoas de maneira positiva, estimulando o potencial criativo de cada um que a integra”, diz Virginia. “Quando a pressão por resultados é atrelada a recompensas financeiras, por exemplo, ela se torna mais aceitável, mas é importante ressaltar: isso não a torna saudável.” Ou seja, quando o funcionário recebe recompensas na mesma proporção em que produz além do combinado, ele tende a receber a pressão com menos resistência. As mais simples demonstrações de reconhecimento podem servir como incentivo para que os funcionários melhorem seu desempenho e sua capacidade de tolerância à pressão. Contudo é preciso refletir: os resultados organizacionais favoráveis são obtidos a que custo? Se houvesse mais espaço dedicado à criatividade nas organizações os resultados seriam os mesmos? Seriam melhores ou piores? E a saúde do trabalhador, como ficaria?
CONTATOPesquisadora Virgínia Gomes de Caldas Nogueira pelo e-mail
virginiacnogueira@uol.com.br

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